Opinião

É preciso fortalecer as agências reguladoras

Autor

  • Riley Rodrigues de Oliveira

    é economista e assessor especial da Secretaria de Estado da Casa Civil do Governo do Rio de Janeiro com 17 anos de experiência como consultor em projetos do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial.

7 de abril de 2024, 11h22

No direito administrativo a figura da teoria da captura discute o risco de que entidades privadas possam (e efetivamente exerçam) influência sobre as agências reguladoras como forma de manipular as decisões dos órgãos para atenderem a seus próprios interesses.

Eu tomo a liberdade de alargar essa visão e incluir, no mesmo grau de risco, a captura das agências por governos ou grupos políticos, minando as necessárias e teorizadas isenção e tecnicidade decisória.

Como preâmbulo, destaco que as agências reguladoras são agentes ativos no cumprimento das regras contratuais. Isso significa que não interferem (a não ser para garantir que a lei, naquilo que lhe cabe, seja plenamente obedecida) na elaboração dos contratos de concessão ou parcerias.

Em outras palavras, agências são reguladoras não regulamentadoras, com poder para criar livremente e discricionariamente regras a serem cumpridas pelos concessionários. As agências interpretam as leis a que as concessões estão subordinadas e, havendo necessidade de esclarecer as interpretações, esclarecem os pontos obscuros através de posicionamentos, normas e regras, com base na legislação e nos termos contratuais. Elas agem, efetivamente, ex post e não ex ante, não interferindo nas competências do poder concedente.

Nesse âmbito analítico, a presença da figura do verificador independente (VI) em contratos de concessão, muitas vezes pagos pelas concessionárias, tem sido usado por membros de agências reguladoras para apontar a configuração do risco de efetivação da teoria da captura.

Não é o caso. Como já disse no artigo de opinião “Feudalismo regulatório reage ao avanço do verificador independente[1], o VI não assume funções regulatórias. Suas competências e limites são claros e devem constar nos contratos de concessão e parcerias, preferencialmente em anexo específico, a fim de evitar quaisquer conflitos entre a atividade de verificar e validar (ou não) as informações das concessionárias e apresentar análises de impacto dessas informações dentro dos indicadores de desempenho para que a agências reguladoras possam, através de seu corpo técnico, adotar procedimentos de revisão tarifária, reequilíbrios contratuais ou punições por descumprimento de obrigações.

VI jamais será a corporificação da teoria da captura, notadamente pelo fato de que suas conclusões, de forma técnica e detalhada, podem ser aceitas ou rejeitadas pelo corpo técnico das agências reguladoras.

Outro risco da teoria da captura comumente ignorado é de que agências sejam capturadas pelo poder público, em uma situação em que os reguladores acabem agindo em detrimento do interesse do público devido a pressões políticas, financeiras ou outras formas de influência. Como pode ser visto, a teoria da captura atua nos dois extremos:

  • captura econômica, que ocorre pela vinculação dos interesses dos setores regulados, gerando distorções nas finalidades regulatórias;
  • captura política, que pontua a prevalência de decisões políticas em detrimento das tecnicamente apropriadas. A captura política possui maior chance de ocorrer por estar ligada ao processo de seleção dos dirigentes das agências, um procedimento de indicação e negociação política entre Executivo e Legislativo, que muitas vezes leva a nomeações de políticos ou afilhados políticos que não possuem capacitação adequada para exercerem a função de conselheiros.

Faz parte do jogo que concedentes e concessionários tentem convencer o regulador de que seu ponto de vista está correto. Isso deveria ocorrer através de defesa técnica de seus posicionamentos, da comprovação empírica da narrativa, com base nos indicadores de desempenho, metas e variáveis contratuais.

Cabe ao regulador ter a capacidade técnica necessária para analisar e a capacidade moral para decidir de forma independente. É claro que a situação fica mais difícil quando concedente e concessionário se aliam, muitas vezes, contra o interesse público. Para equilibrar a balança, é necessário, mais do que criar, fazer valer mecanismos já existentes que garantam, na prática, a teórica independência das agências reguladoras.

Agências em risco

Spacca

As agências, que desde a sua criação sempre estiveram sob ameaça, por interferirem na balança de poder (e, muitas vezes, no balcão de negócios) entre concedente e concessionário, nesse momento enfrentam, talvez, o maior risco recente.

Tramita no Senado o Projeto de Decreto Legislativo 365, aprovado na Câmara dos Deputados no apagar das luzes de 2022, que suspende resoluções da Aneel sobre tarifas e distribuição de energia. O Congresso quer atuar diretamente como agente revisor das agências reguladoras.

Há ainda a aprovação do Projeto de Lei 2.896/2022, que altera os artigos 17 e 93 da Lei 13.303/2016 e o artigo 8-A da Lei nº 9.986/2000. Com a aprovação, foi reduzido de três anos para um mês o período da chamada “quarentena reversa”, que restringe a assunção de cargos diretivos em estatais e agências reguladoras por “pessoa que atue como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral”.

A lei também vedou a indicação de quem tenha participado em empresa ou entidade que atue no setor sujeito à regulação exercida pela agência reguladora e de membro de conselho ou de diretoria de associação, regional ou nacional, representativa de interesses patronais ou trabalhistas ligados às atividades reguladas.

Lembrando que as leis 13.303/16 e Lei 13.848/19 não permitem indicação de ministro de Estado, secretário de Estado ou Município e titular de mandato no poder legislativo de qualquer ente da federação para a direção de estatais ou agências.

Complementarmente, a Lei 9.986/2020 exige para dirigentes das agências reguladoras “reputação ilibada” e “elevado conceito no campo da especialidade”. Em tese, esses pontos deveriam ser suficientes para garantir conselheiros técnicos e independentes. Em todo o Brasil as indicações dos executivos e aprovações dos legislativos mostram que, nesse jogo, não vale o escrito.

Para que a independência possa ser uma realidade e ser mitigado o risco da teoria da captura se concretizar, é preciso que as agências reguladoras, além dos pontos acima colocados, tenham: independência administrativa; ausência de subordinação hierárquica; mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes; autonomia financeira; e, por fim, estrutura funcional adequada.

Concurso público

As agências reguladoras precisam ter um quadro de servidores próprios, contratados através de concurso público, qualificados (e sempre atualizados) nas atividades e setores de regulação nos quais atuam.

Aqui volto à defesa do VI, que é um instrumento que pode compensar a falta de pessoal, especialmente analistas e técnicos, que validam, inclusive através de visitas de campo, a realização pelas concessionárias de obras informadas, notadamente a dimensão e a qualidade, bem como o cumprimento das metas e o atendimento aos indicadores de desempenho.

Novamente, o VI serve de apoio à atividade da agência reguladora, mas não assume qualquer responsabilidade inerente à função regulatória.

Para que o VI não seja alvo de captura, preocupação do concedente, dos concessionários, de integrantes das agências, do Ministério Público e, em especial, da sociedade, defendo que sua contratação deva ser feita através das agências reguladoras dentre as empresas com expertise no tema específico.

Defendo, principalmente, que a contratação ocorra sempre através de ampla concorrência pública, com regras bem definidas e limitações claras. Os editais e termos de referência, obedecendo as previsões contratuais e de leilão, podem (devem é a palavra correta) ser elaborados pelas próprias agências reguladoras.

O VI é um aliado, não um adversário a ser abatido pelos reguladores, que enquanto criam inimigos imaginários não atuam em defesa da sua independência (e até existência) nos campos nos quais as batalhas estão, de fato, ocorrendo. Grupos políticos e concessionários agradecem a cegueira.

Um dos grandes desafios dos próximos anos, em especial devido aos investimentos de R$ 1,7 trilhão previstos no novo Programa de Aceleração do Crescimento e de centenas de bilhões em concessões estaduais e municipais (saneamento, transportes, energia), é fortalecer as agências reguladoras, blindando-as do risco de captura privado e público e exigindo que as indicações obedeçam critérios de capacidade técnica e reputação ilibada, além de estruturalmente tornar real os cinco pontos fulcrais da independência operacional.

As agências reguladoras não podem ser capturadas, nem pelos concedentes, nem pelos concessionários, nem por seus próprios agentes, alguns encastelados em seus cargos e, por vezes, defensores corporativos de seus privilégios, a ponto de confundir responsabilidades com poder.

Autores

  • é economista e assessor especial da Secretaria de Estado da Casa Civil do Governo do Rio de Janeiro, com 17 anos de experiência como consultor em projetos do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial.

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