Opinião

Temos direito ao direito do clima?

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15 de abril de 2024, 6h30

Escassez de água potável, aumento das inundações e do nível do mar e insegurança alimentar serão consequências rotineiras da mudança climática.

Os verões europeus já são quase insuportáveis, com incêndios em ilhas inteiras italianas, inundações de localidades que possuem simples córregos, desaparecimento de cidades pelo aumento do nível do mar.

O ponto mais alto de Tuvalu, um pequeno território no sul da Oceania, está a apenas cinco metros do nível do mar e, nas próximas décadas, toda a região pode ser engolida pelo oceano.

Haverá intensificação do refúgio climático, ou seja, animais migrando para outro local em razão das modificações ambientais e climáticas. Um milhão de espécies ameaçadas até o ano de 2100, segundo estudo recente.

De acordo com o relatório das Organizações das Nações Unidas (ONU) “Feminist Climate Justice: Um modelo para ação”, de dezembro de 2023 até 2050, a mudança climática colocará mais de 158 milhões de meninas e mulheres em situação de pobreza e levará mais 236 milhões de mulheres à fome.

Já se sabe que o caos climático gera conflitos e a migração forçada, funcionando como excludente do direito de mulheres e de pessoas refugiadas. Destrói o tecido social, atinge a economia, mas afeta primordialmente a população feminina vulnerável.

Divulgação

Em países como a França, a questão climática está bem mais vinculada pelo legislativo e pelo executivo.
No Brasil, por força de nossa lei maior, a proteção ambiental é um direito fundamental proclamado na Constituição, cuja proteção constitui dever do Estado.

Desta forma, caberá inexoravelmente ao judiciário, mais uma vez, a atuação na salvaguarda desse direito fundamental, atuando preventivamente. É o que chamamos de ativismo constitucional, antes que se afirme precipitadamente que juízes praticam nos casos de litígios climáticos ativismo judicial ou que atuam em substituição aos demais poderes.

Capa constitucional

A capa constitucional é muito relevante para a proteção que precisamos e queremos ao clima do planeta.

A atuação judicial nesta seara é orientada em todo o mundo pelo caso Urgenda, que chegou na Suprema Corte da Holanda, no final do ano de 2019, quando se declarou e emitiu decisão de cunho mandamental para que o governo holandês cortasse as emissões de gases de efeito estufa no país em 25% em relação aos níveis de 1990, até o final do ano de 2020.

Foi a primeira vez que um Estado foi obrigado por um tribunal a adotar medidas concretas contra a mudança climática. A Corte Constitucional Holandesa manteve a decisão de primeiro grau e ordenou expressamente ao governo que reduzisse suas emissões de gases de efeito estufa.

Diante dos grandes litígios que se seguirão, com aplicação de indenizações por dano climático, inclusive pelo poder público, surgirão novos atores demandantes e demandados, novas situações de fato que exigirão fundamentos teóricos e técnicos dos integrantes do sistema de justiça.

Neste contexto exsurge a discussão se para enfrentarmos os litígios climáticos precisaremos nos socorrer de um novo “direito do clima” ou se nos mantemos com os princípios, jurisprudência e diretivas do direito ambiental.

Minha resposta, hoje, é negativa, na medida em que estamos caminhando bem com os paradigmas já consolidados para o ecossistema jurídico do meio ambiente, com invocações específicas na matéria climática.

Não podemos abandonar ou não devemos criar um novo caminho agora, quando temos lições belíssimas e eficientes para a a garantia da base vital, como aquela do grande embaixador brasileiro do meio ambiente, ministro Herman Benjamin, que vaticina ser responsabilizado pelo dano ambiental “quem faz, quem não faz, quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem”.

Temos direito, sim, de exigir de governos e de poluidores que se responsabilizem pelas emissões de gases de efeito estufa, que se proceda à necessária transição enérgica, em uma agenda com prazos e tarefas específicas de cada ator.

Tenha ele ou não consciência de que não sobreviveremos na terra se continuarmos a ignorar a cobrança da natureza sobre todos nossos vilipêndios progressivos.

Autores

  • é juíza, conselheira do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ex-presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e da Amaerj (Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro).

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