Na ponta do lápis

'Decisões podem aproveitar análise econômica para julgamento mais bem-informado', afirma economista

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14 de abril de 2024, 9h44

Com diversos julgamentos que causam impacto bilionário nos orçamentos da União e dos estados, o Supremo Tribunal Federal é atualmente o foro que melhor traduz a intersecção entre Direito e economia. São pautas que mexem no bolso do governo e na vida do contribuinte como o caso previdenciário da “revisão da vida toda” , e obrigam os ministros a tomar decisões que resultarão em despesas ou arrecadações vultosas, ainda que eles não tenham conhecimento aprofundado das questões econômicas.

O assessor especial da presidência do Supremo, Guilherme Mendes Resende

Para suprir essa lacuna, o ministro Luís Roberto Barroso, ao assumir a presidência da corte, nomeou para o cargo de assessor especial do gabinete Guilherme Mendes Resende, que liderou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por sete anos. Ele atua agora como uma espécie de “economista-chefe do Supremo”. Entre outras atribuições, Resende, que também já foi pesquisador do Ipea, elabora pareceres econômicos que ajudam a nortear as decisões de Barroso e de outros ministros.

A criação dessa figura pelo STF gerou questionamentos, tendo em vista que há distintas correntes ideológicas na ciência econômica. Um desses questionamentos diz respeito à própria natureza do processo judicial, que busca a aplicação da lei e da jurisprudência, o que não tem relação necessariamente com os impactos econômicos do julgamento.

“De fato, podem ocorrer conflitos entre os interesses econômicos e os princípios jurídicos, mas um diálogo interdisciplinar e a aplicação de análises econômicas no processo de tomada de decisão judicial podem ajudar a mitigar tais conflitos, buscando soluções que se alinhem tanto com as consequências econômicas quanto com a justiça e a legalidade”, afirmou o economista em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.

Resende atua junto com outros três profissionais (sendo ele o único economista) no Núcleo de Processos Estruturais e Complexos (Nupec) do Supremo, órgão responsável pelos pareceres. Nesse contexto, a ausência de publicidade das notas técnicas gera debate, uma vez que os documentos que não estão nos autos não são públicos, mas influenciam nas posições da corte.

Segundo dados do próprio STF, entre outubro de 2023 e fevereiro deste ano foram produzidas 16 notas técnicas e, assim, 16 decisões estruturais/complexas foram tomadas com o apoio dos profissionais.

“A importância da publicidade e da transparência nas decisões judiciais é inquestionável, manifestando-se de diversas formas. Por exemplo, em um caso recente referente ao Agravo Regimental no RE 1.424.451 (que analisa questão sobre salários dos servidores públicos do Paraná), uma nota técnica elaborada pelo Nupec foi inserida nos autos a pedido do relator“, destacou Resende.

Entre os processos de grande repercussão que contaram com a participação do economista estão as ADIs que trataram do teto para o pagamento de precatórios (7.047 e 7.064), que tiveram significativo impacto econômico para o governo. “Nessas situações, o meu papel não foi influenciar em mudanças de votos, mas contribuir para um entendimento mais aprofundado dos temas antes do início dos julgamentos.”

Leia a seguir a entrevista:

ConJurComo o senhor chegou ao cargo de assessor econômico da Presidência do Supremo?
Guilherme Mendes Resende — Depois de algumas conversas e reuniões com o ministro Luís Roberto Barroso e sua equipe mais próxima, o ministro me fez o convite para fazer parte de sua assessoria na Presidência do STF. Não pensei duas e aceitei de pronto.

É importante detalhar um pouco mais como Barroso reestruturou na Presidência do STF sua Assessoria de Apoio à Jurisdição (AAJ). Dentro dessa assessoria, existem três núcleos que se complementam e atuam de forma coordenada: o Núcleo de Processos Estruturais e Complexos (Nupec); o Núcleo de Soluções Consensuais de Conflitos (Nusol); e o Núcleo de Análise de Dados e Estatística (Nuade). O Nupec nasce com a missão de assessorar a presidência e os relatores que lidam com ações estruturais e complexas, contribuindo para o desenvolvimento de uma tutela estrutural adequada nesses casos.

ConJurQual é o objetivo da sua atuação como assessor especial?
Guilherme Mendes Resende — Dedico-me à análise das implicações econômicas das decisões judiciais. Adicionalmente, ocupo-me da avaliação criteriosa de argumentos e dados contidos nos pareceres econômicos apresentados ao longo dos processos. São diversos temas ligados a finanças públicas (como precatórios e execução fiscal), financiamento habitacional (caso da regra de remuneração do FGTS) e Previdência, além de questões concorrenciais, regulatórias, discussões sobre direitos sociais e políticas públicas. Questões relacionadas a políticas públicas, como saúde, educação e segurança pública, podem chegar ao STF, requerendo uma análise do impacto econômico na sociedade.

Posso fazer um paralelo com minha atuação como economista-chefe do Cade. O Direito Concorrencial é o lugar onde o Direito e a Economia mais conversam. A análise realizada pelo Cade dos casos de fusões e aquisições e condutas anticompetitivas utiliza do instrumental econômico para analisar os efeitos de uma fusão ou de uma conduta anticompetitiva. Da mesma forma, as decisões judiciais podem aproveitar uma análise econômica para um julgamento mais bem-informado com os argumentos e as evidências econômicas.

ConJurO fato de ter atuado como economista-chefe do Cade ajuda na nova função? Para assumir esse cargo, foi necessário contornar algum tipo de conflito de interesses?
Guilherme Mendes Resende — Minha experiência como economista-chefe do Cade é um fator positivo para minha função atual no STF, trazendo uma compreensão aprofundada dos aspectos econômicos que dialogam com várias áreas do Direito, incluindo o Direito Concorrencial. Também sou pesquisador do Ipea (atualmente cedido ao STF) e lá trabalhei com diversos temas como avaliação de políticas públicas, desenvolvimento regional e urbano e finanças públicas, além de questões ambientais. Todos esses conhecimentos têm sido importantes para minha atuação aqui no STF. Não foi necessário contornar nenhum conflito de interesses para assumir o cargo de assessor especial da Presidência do STF, considerando que ambos os cargos são públicos e complementares em termos de promover uma análise econômica rigorosa dentro do contexto dos tribunais.

ConJurHoje, na sua percepção, quais são os mais importantes temas econômicos discutidos pelo Supremo?
Guilherme Mendes Resende — Temos os mais variados temas: a discussão da inconstitucionalidade da regra de remuneração do FGTS (ADI 5.090); questionamentos sobre o novo regime de precatórios (ADIs 7.047 e 7.064); análises sobre custos da execução fiscal; e questões que tratam das regras previdenciárias e discussões tributárias, por exemplo. A análise econômica também pode envolver questões de Direito Concorrencial. Recentemente, chegou ao STF a ADPF 1.106, que questiona dispositivos da Lei Ferrari, que regulamenta a concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores.

ConJurO senhor acha interessante que esse modelo de assessoria seja adotado também pelos tribunais estaduais e pelas Justiças especializadas?
Guilherme Mendes Resende — A experiência do Cade mostra como uma assessoria econômica é importante para subsidiar as decisões. O Cade, um tribunal administrativo, possui um departamento de estudos econômicos desde 2009. A análise econômica para além do Direito Concorrencial é muito útil para o Judiciário como um todo.

O Supremo sempre julgou casos de grande complexidade e impacto econômico. Nesse sentido, vejo uma construção institucional ao longo dos últimos anos, com uma maior utilização do raciocínio econômico para balizar a tomada de decisões nos julgamentos. Como mostrei no artigo no Valor Econômico que escrevi recentemente, existe um movimento crescente ao longo dos anos de reconhecer a contribuição da análise econômica para uma compreensão mais aprofundada dos efeitos das decisões judiciais. A perspectiva econômica, embora não seja a única, enriquece o processo de tomada de decisão, oferecendo uma camada adicional de análise. Adotar uma abordagem interdisciplinar proporciona uma base mais sólida para decisões.

ConJurExiste a necessidade de tornar públicos os documentos e pareceres que são elaborados pelo senhor no Supremo?
Guilherme Mendes Resende — A importância da publicidade e da transparência nas decisões judiciais é inquestionável, manifestando-se de diversas formas. Por exemplo, em um caso recente referente ao Agravo Regimental no Recurso Especial 1.424.451, uma nota técnica elaborada pelo Nupec/STF foi inserida nos autos a pedido do relator. Outra forma é utilizar os argumentos e as evidências econômicas diretamente nos votos dos ministros. Tais discussões econômicas podem ser expostas de maneira transparente e detalhada nos próprios votos.

ConJurTendo em vista que a Economia é uma ciência humana, com várias correntes ideológicas, como o senhor equilibra essas tendências com o sistema de civil law que rege o ordenamento brasileiro?
Guilherme Mendes Resende — Não tenho problema em discutir e debater com as várias correntes ideológicas da Economia. Durante minha trajetória como pesquisador no Ipea e, posteriormente, como economista-chefe do Cade, meu foco sempre foi a análise de políticas públicas e intervenções estatais na economia, fundamentando-me em evidências concretas. Essa análise se baseia tanto em literatura científica nacional e internacional quanto na investigação aprofundada de dados, empregando técnicas econômicas robustas para jogar luz sobre os melhores caminhos para nossas políticas públicas.

Para equilibrar as diversas correntes ideológicas da Economia com os princípios do civil law, é essencial adotar uma abordagem interdisciplinar. Isso envolve integrar análises econômicas rigorosas com a interpretação e aplicação das leis, de modo a considerar tanto as implicações econômicas quanto os mandamentos legais nas decisões judiciais.

ConJurE como equilibrar o impacto econômico das decisões com os princípios jurídicos? Há, por vezes, conflitos entre as duas coisas?
Guilherme Mendes Resende — Para equilibrar os impactos, é fundamental uma abordagem que integre expertise econômica e conhecimento jurídico. Essa integração permite uma análise mais aprofundada dos casos, em que os impactos econômicos das decisões judiciais são avaliados à luz dos princípios legais. De fato, podem ocorrer conflitos entre os interesses econômicos e os princípios jurídicos, mas um diálogo interdisciplinar e a aplicação de análises econômicas no processo de tomada de decisão judicial podem ajudar a mitigar tais conflitos, buscando soluções que se alinhem tanto com as consequências econômicas quanto com a justiça e a legalidade.

ConJurEm quais casos houve mudança no voto do presidente do Supremo por causa da elaboração de notas técnicas pela assessoria econômica?
Guilherme Mendes Resende — Minha função é apresentar as opções e projetar cenários baseados em uma análise técnica. Em um colegiado, são várias cabeças com perspectivas diferentes. Pela experiência que eu tive no Cade, creio que, muitas vezes, não é bom tentar impor uma ideia. Em vez disso, faço questão de apresentar uma avaliação equilibrada dos possíveis custos e benefícios, permitindo que cada ministro faça escolhas informadas. Já participei do debate de alguns casos com grandes impactos econômicos, como, por exemplo, o caso dos precatórios ADIs 7.047 e 7.064 e o caso em que o STF julgou ser legítima a extinção de cobrança judicial de dívida de pequeno valor pela Justiça estadual RE 1.355.208. Nessas situações, o meu papel não foi influenciar na mudança de votos, mas contribuir para um entendimento mais aprofundado dos temas antes do início dos julgamentos.

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