Direito Eleitoral

Normas do TSE que regulamentam uso da inteligência artificial já estão valendo

Autor

  • Francieli de Campos

    é advogada. presidente do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral. Membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político). Membro da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB-RS.

22 de abril de 2024, 11h19

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não regulamentou o uso da IA (inteligência artificial) “apenas” no período de campanha eleitoral, como fazem crer inúmeras reportagens sobre as alterações levadas a efeito pelo Tribunal na Resolução nº 23.610, que rege a propaganda eleitoral.

Antes de entender a afirmação do parágrafo acima, cumpre registrar que o debate do uso da IA no pleito das eleições municipais no país já acontecia há tempos, impulsionado pela utilização, no ano que passou, das novas ferramentas de tecnologia em campanhas eleitorais em países como México e Argentina.

A discussão sobre a regulamentação desta tecnologia no contexto eleitoral é, de fato, um tema emergente e complexo.

Mesmo com todo alvoroço observado na imprensa e no meio acadêmico, causou grande surpresa — a mim, ao menos — que o TSE, ao disponibilizar a minuta da Resolução que regra a propaganda, tivesse deixado de fora algo absolutamente primordial: o conceito daquilo que efetivamente entende por inteligência artificial.

São muitos os projetos de lei que tramitam no Congresso e que tem como foco a regulamentação desta tecnologia que encanta e assombra na mesma proporção. Porém, nenhum fora aprovado, o que fazia com que houvesse um vácuo no conceito legal, algo indispensável para a aplicação das normas.

Por isso, na ocasião da audiência pública realizada sob a presidência da ministra Carmen Lúcia, o Igade (Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral), representado por esta autora, apresentou uma sugestão de definição do conceito de inteligência artificial, que foi acatada [1] pela Corte e introduzida no artigo 37, XXXIV da já citada Resolução:

sistema computacional desenvolvido com base em lógica, em representação do conhecimento ou em aprendizagem de máquina, obtendo arquitetura que o habilita a utilizar dados de entrada provenientes de máquinas ou seres humanos para, com maior ou menor grau de autonomia, produzir conteúdos sintéticos, previsões, recomendações ou decisões que atendam a um conjunto de objetivos previamente definidos e sejam aptos a influenciar ambientes virtuais ou reais.

Tal conceituação foi diretamente inspirada no disposto no Projeto de Lei nº 5931/2023 [2], que tramita na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Carlos Chiodini (MDB/SC), que propõe alterar a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 — Lei das Eleições, para dispor sobre o uso da inteligência artificial em propaganda eleitoral. PL este que teve a participação do membro do Igade, professor Juliano Madalena, na sua elaboração, e que colaborou com as sugestões enviadas pelo instituto por ocasião da audiência pública.

A introdução do conceito de IA é um passo significativo para preencher o vácuo legal existente e fornecer uma base sólida para a aplicação das normas. Ao definir a IA como um sistema computacional capaz de processar dados e influenciar ambientes, a resolução reconhece tanto o potencial quanto os riscos associados a essa tecnologia.

Por isso — voltando ao primeiro parágrafo e seu destinto apenas —, as afirmações que desde então passaram a circular na mídia, de que o “TSE regulamentou o uso da IA na campanha municipal”, são parcialmente corretas e descuidadas. Na verdade, ao simplificarem regulação e modificação das normas ensejadas pela Resolução, podem provocar ruídos. Explico.

Estejamos atentos ao que ensina este inédito artigo incluído na norma aqui debatida:

Art. 3º-C. A veiculação de conteúdo político-eleitoral em período que não seja o de campanha eleitoral se sujeita às regras de transparência previstas no art. 27-A desta Resolução e de uso de tecnologias digitais previstas nos arts. 9º-B, caput e parágrafos, e 9º-C desta Resolução, que deverão ser cumpridas, no que lhes couber, pelos provedores de aplicação e pelas pessoas e entidades responsáveis pela criação e divulgação do conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

Por partes

  • “A veiculação de conteúdo político-eleitoral em período que não seja o de campanha eleitoral”: fácil entender que estamos tratando, especificamente, do período comumente chamado de pré-campanha, aquele anterior a 16 de agosto.
  • “(…) se sujeita às regras de transparência previstas no art. 27-A desta Resolução e de uso de tecnologias digitais previstas nos arts. 9º-B, caput e parágrafos, e 9º-C desta Resolução”: a redação dos artigos aqui referidos também é nova. E são eles que explicitam a necessidade de transparência dos conteúdos políticos produzidos com o uso de IA, além da utilização de rótulos em casos específicos.
  • “(…) que deverão ser cumpridas, no que lhes couber, pelos provedores de aplicação e pelas pessoas e entidades responsáveis pela criação e divulgação do conteúdo”: os mecanismos de transparência, em período que não o de campanha strictu sensu, precisam ser observados por todos os players do jogo. Além das plataformas que hospedam o conteúdo, pessoas e entidades devem cumprir o que ali foi indicado, podendo haver diferentes níveis de responsabilidade ou aplicação das regras com base no papel de cada um.

Com esta leitura acurada, percebe-se que as normas que disciplinam o uso da IA já estão valendo. Então, necessário que seja superado o entendimento de que a regulamentação se aplica ao período eleitoral que se inicia na segunda metade de agosto, distante do que estamos vivendo agora.

Tal percepção é fundamental para que se entenda que, além do regramento do artigo 9º-B, o que está em jogo desde logo, é a proibição, seja para favorecer ou prejudicar (pré-)candidatura, de deep fake [3]. E aqui vale uma observação, o uso de IA é permito pela resolução em questões corriqueiras (ajustes de imagem e som) e na criação de conteúdo sintético, desde que se integre o rótulo de aviso.

A importância dessa regulamentação antecipada é dupla. Primeiro, ela serve como um mecanismo preventivo contra o uso indevido da IA que possa influenciar indevidamente o eleitorado — ainda que se possa questionar a opção do TSE em proibir o uso de deep fake para favorecer candidatura. Segundo, estabelece um padrão de conduta para todos os atores envolvidos na comunicação política, garantindo que a IA seja utilizada de maneira responsável e transparente.

Com a aproximação do período eleitoral, é crucial que todos os envolvidos na criação e disseminação de conteúdo político-eleitoral estejam cientes dessas normas com aplicação imediata. A transparência e a ética no uso da IA são essenciais para manter a integridade do processo eleitoral e a confiança do público na democracia.

Este texto, diga-se, foi escrito por mim e revisado por inteligência artificial generativa.

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[1] https://www.tse.jus.br/internet/arquivos/analise-contribuicoes/Instrucao-0600751-65-analise-de-contribuicoes-Res-TSE-23732.pdf (acesso em 13/04/24, às 16h16).

[2]https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2373073&filename=PL%205931/2023 (acesso em 13/04/24, às 16h23).

[3] Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

  • 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
  • 2º O descumprimento do previsto no caput e no § 1º deste artigo configura abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, acarretando a cassação do registro ou do mandato, e impõe apuração das responsabilidades nos termos do § 1º do art. 323 do Código Eleitoral, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto à irregularidade da propaganda e à ilicitude do conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

Autores

  • é advogada. presidente do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral. Membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político). Membro da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB-RS.

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