Credores no comando

PL sobre Lei de Falências é muito oportuno, afirma professor da USP

 

4 de abril de 2024, 16h45

O PL 3/2024, aprovado no Câmara dos Deputados na semana passada, traz mudanças que serão positivas para a Lei de Recuperação e Falências, que não tem sido capaz de garantir a eficiência do processo falimentar, seja do ponto de vista dos credores, seja da sociedade como um todo.

O professor Eduardo Munhoz, especialista em recuperação de empresas e falência

Essa avaliação é do professor Eduardo Secchi Munhoz, da Universidade de São Paulo. Especialista em recuperação de empresas e falências, ele opinou sobre o projeto de lei durante o 2º Ciclo de Debates sobre Insolvência Empresarial, que aconteceu na Faculdade de Direito da USP.

“O PL é muito oportuno. Ele propõe uma mudança de paradigma que é muito necessária para aumentar a eficiência do processo falimentar”, resumiu Munhoz.

Em 2005, ano em que a Lei de Recuperação Judicial e Falências passou por sua primeira reforma, houve uma mudança de paradigma na legislação, segundo Munhoz. Essa nova concepção, porém, ficou restrita ao âmbito da recuperação judicial.

Naquele contexto, a criação da assembleia de credores permitiu uma maior participação dos agentes econômicos na tomada de decisões, diminuindo, assim, a judicialização da prática. Agora, na visão do professor, é o momento de dar esse passo em relação ao processo falimentar, que tem se mostrado ineficiente no Brasil.

Baixa taxa de recuperação

Para corroborar essa perspectiva, o professor observa que, em geral, as pesquisas empíricas mostram que a taxa de recuperação de crédito em processos de falência é baixíssima no país. Além disso, procedimentos do tipo podem se arrastar por décadas no Judiciário. Tais fatores, segundo ele, levam à conclusão de que o instituto não está beneficiando a sociedade.

“Como não há a recuperação do crédito (para os credores), não há a volta da atividade empresarial. E os processos ainda tomam tempo e geram custos para o Poder Judiciário.”

Para Munhoz, a reforma promovida mais recentemente, em 2020, procurou melhorar alguns aspectos da Lei de Falências, mas a iniciativa não chegou a significar uma mudança de paradigma – algo que o projeto apresentado neste ano propõe.

“No que diz respeito à tomada de decisões empresariais, o projeto de lei procura fazer com que o processo passe para os titulares dos direitos, para os próprios agentes econômicos”, explicou. Nesse sentido, o PL traz dois institutos fundamentais para que essa transferência se opere.

O primeiro reside na previsão de que caberá à assembleia de credores eleger o administrador judicial, que passará a administrar a massa falida (pelo texto atual, essa atribuição é do juiz). Munhoz avalia que hoje há bons profissionais exercendo essa função, mas seria ainda melhor que os credores confiassem plenamente na pessoa que vai conduzir a gestão dos bens e interesses deixados pela empresa que teve a falência decretada.

“Mal comparando, em uma sociedade anônima ou em uma sociedade limitada, quem escolhe o administrador? O sócio. Quando a empresa quebra, o interesse econômico não é mais do sócio, que faliu e não tem mais recursos financeiros para receber. O interesse é dos credores, que buscam recuperar seus créditos. Então, nada mais adequado que eles possam escolher profissionais da sua confiança para administrar com eficiência a massa falida”, disse o professor.

A mudança seria muito importante para o mercado. Isso porque, atualmente, muitos credores evitam a falência por entender que não terão controle sobre o que vai acontecer no processo. Assim, muitos acabam optando por planos de recuperação que não atendem às suas reais necessidades.

“É curioso. No Brasil, o credor tem tanto medo da falência quanto o devedor. Porque, para ele, também é uma indicação de que não vai receber mais nada. Por isso é tão importante que a falência não seja mais conduzida dessa forma”, disse Munhoz.

Ele explica que, pelo PL, o plano de falências será aprovado pelos próprios credores, que poderão avaliar qual abordagem será mais eficiente para a venda de ativos e pagamento de dívidas. Com isso, a tomada de providências será menos burocrática, já que as medidas previstas no plano passarão pelo crivo dos credores e serão homologadas pelo juiz, dispensando decisões judiciais posteriores.

“Hoje os processos se arrastam por décadas, porque para vender uma simples cadeira é preciso nomear um avaliador, obter um laudo de avaliação, que poder ser impugnado por qualquer credor, e o juiz terá de decidir. A cada etapa ocorre esse tipo de situação. Já o plano evita que isso aconteça”, completou Munhoz.

Especialização

Munhoz criticou a possibilidade de serem fechadas as varas e câmaras especializadas em falências. Para o professor, a criação desses juízos — sobretudo no estado de São Paulo —  foi uma das melhores notícias surgidas no Direito Empresarial nos últimos anos.

Segundo ele, as varas possibilitaram que juízes cada vez mais especializados na matéria pudessem julgar os casos de maneira técnica e aprofundada. Ele também observou que as câmaras permitiram a criação de uma jurisprudência coerente com o tema, já que, ao longo do tempo, os desembargadores podem construir entendimentos a respeito dos casos em análise.

“Por vezes, muito mais importante do que um bom texto de lei é a eficiência do sistema encarregado de aplicá-lo. De nada adianta ter uma boa lei no papel se ela não é aplicada.”

Munhoz comparou as câmaras de São Paulo com a Corte de Delaware, nos Estados Unidos. Segundo ele, Delaware é o estado cuja atividade é “vender” Direito Societário, o que faz com que as grandes empresas americanas busquem instalar suas sedes lá.

“A lei de lá é igual às de vários estados, mas Delaware tem duas câmaras que julgam matéria societária com enorme competência, com técnica e celeridade. São Paulo tem caminhado nesse sentido.”

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