Opinião

Recuperação judicial, franquias e caso SouthRock

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29 de novembro de 2023, 16h13

O mercado de franquias brasileiro é, sem dúvidas, uma das maiores receitas financeiras para a economia do nosso país. Embora o êxito do modelo seja inquestionável, há, notadamente após a pandemia do Covid-19, franqueados angustiados que enfrentam crises financeiras graves, principalmente porque não negociaram seus contratos para a realidade pós-Covid 19 .

A maioria das disputas entre franqueados e franqueadores é contratual e reside na impossibilidade ou descumprimento das metas estabelecidas no instrumento particular. É evidente que em uma situação de crise os franqueados criam débitos muitas vezes não estruturados, sem chances de pagamento com a receita liquida que percebem mensalmente. E como em qualquer empresa, na hipótese de insolvência, o franqueado deve imediatamente notificar o franqueador para poder se reestruturar com o seu auxílio ou devolver a franquia e litigar eventuais perdas e danos.

Starbucks

É nesse contexto que não vemos, no Brasil, muitas recuperações de franqueados, uma vez que a disputa principal não é coletiva e sim entre as partes do contrato de franquia.

No entanto, recentemente foi requerida pelo grupo SouthRock, na Comarca de São Paulo, uma recuperação judicial (processo nº 1153819-28.2023.8.26.0100), contendo alegações genéricas de crise da empresa requerendo ao fim e ao cabo a manutenção de seus contratos de franquia.

Ocorre que o pleito extrapola os limites cognitivos da constatação prevista no artigo 51-A da Lei Falimentar, notadamente por tentar utilizar um instrumento desenhado para atender uma coletividade de credores em prol de interesses próprios oriundos de disputas bilaterais.

O caso em questão foi rejeitado, em princípio. Contudo, o juízo concedeu à requerente prazo para emendar a inicial indicando ainda uma perícia prévia que certamente será positiva se os credores não buscarem, logo de início, especialistas em franquias para tratar do caso.

Além disso, tal leading case pode gerar um precedente perigoso e uma “avalanche” de pedidos de recuperação judicial de franqueados endividados que não querem devolver a franquia, nem tampouco pagar seus credores. Tudo sem consentimento do franqueador absolutamente solvente.

É evidente que os franqueados que desejam reestruturar seus assuntos financeiros por meio de uma recuperação judicial, extrajudicial ou falência devem, antes de qualquer coisa, obter uma concessão do franqueador. Isso porque os franqueados, em um procedimento de insolvência, podem buscar reter a propriedade dos seus negócios, embora com uma estrutura de dívida reorganizada, manter suas relações de franquia, além das questões de propriedade intelectual e impactos financeiros na imagem da empresa como um todo.

Assim, obter apoio do franqueador para “assumir” o acordo de franquia é um elemento crítico da reorganização bem sucedida de um franqueado. Alternativamente, os franqueados podem vender parte da ou toda sua propriedade em uma reestruturação e potencialmente ceder seu acordo de franquia para terceiros. Nesta circunstância, o consentimento do franqueador para a cessão necessariamente deve ser requerida.

Vale destacar que os franqueadores com frequência visam a preservar os negócios dos seus franqueados no seu sistema por meio de:

  • Solicitação ao franqueado reestruturado que assuma o acordo de franquia;
  • Apoiar o franqueado ao assumir o acordo de franquia e conceder a cessão do acordo a terceiros que o franqueador aprove;
  • Acordar com a “rejeição” do acordo de franquia existente e entrar em um novo acordo de franquia com o devedor/franqueado ou terceiro comprador aprovado dos ativos do franqueado;
  • Fazer com que o franqueado entregue colateral ao franqueador, seguido da venda pelo franqueador dessa propriedade para um novo franqueado; ou

Quando a relação franqueador-franqueado (ou o próprio franqueado) estiver além do reparo, os franqueadores podem proativamente proteger as suas marcas registradas, propriedade intelectual e reputação de marca ao solicitar mandados judiciais que obrigam proprietários de unidades com “mau comportamento” a retirarem a marca e a se dissociarem do franqueador. Por exemplo, quando o franqueador tiver efetivamente encerrado um acordo de franquia antes do franqueado entrar com pedido de reestruturação, um juízo especializado pode conceder uma tutela de urgência se o devedor continuar a usar as marcas registradas do franqueador pós rescisão contratual.

De maneira similar, se um franqueador decidir encerrar uma relação de franquia depois que um franqueado tiver solicitado a recuperação judicial, o franqueador pode requerer o lifting do stay period, que o autoriza a encerrar o acordo de franquia e obrigar o franqueado a cumprir com as suas obrigações não monetárias pós-terminação sob o acordo de franquia.[1]

Na hipótese de uma reestruturação recebida pelo judiciário, os franqueadores devem cobrar os montantes devidos dos franqueados, incluindo: (i) dividendos (se existentes no contrato), (ii) royalties e taxas relacionadas de devedores/franqueados durante a pendência do caso, mas antes de assumir ou rejeitar o acordo de franquia, (iii) “sanar” pagamentos de devedores ou terceiros em conexão, como serviços essenciais, e (iv) royalties e taxas relacionadas de devedores reorganizados, credores garantidos e/ou “novos” franqueados.

Por fim, as reestruturações de franqueados são casos que apresentam assuntos legais complexos e podem proporcionar aos franqueadores bem assessorados oportunidades para reter franqueados e/ou unidades no seu sistema de franquia ou realizar a separação. De maneira similar, os franqueados podem efetivamente usar a reestruturação para reestruturar, vender ou liquidar seus negócios franqueados.

Independente do objetivo, a empresa deve ter pulso firme, reter assessores especializados e conhecer muito bem as leis aplicáveis para navegar com sucesso um processo de reestruturação de franqueados. 


[1] Vide In re Tudor Motor Lodge Associates, Limited Part., 102 B.R. 936, 951 (Bankr. D.N.J. 1989) (“O fato que a prorrogação automática suspende o encerramento de [um] Acordo de Licença não previne o encerramento indefinidamente.”).

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