Opinião

Compliance trabalhista como prevenção à tutela inibitória

Autor

  • Lincoln Simões Fontenele

    é advogado trabalhista graduado em Direito pelo Centro Universitário Sete de Setembro (Uni7). especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-Minas mestre em Direito Constituição e Ordens Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) doutorando em Sociologia pela Universidade de Bielefeld Alemanha e doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) MBA em Direito Acidentário pós-graduado em Docência do Ensino Superior e Metodologias Ativas de Aprendizado e pós-graduado em Saúde e Segurança do Trabalho.

    View all posts

13 de abril de 2024, 13h25

O compliance trabalhista desempenha um papel crucial na prevenção do risco de não conformidade com as leis trabalhistas. Ele não apenas atua na correção de irregularidades já existentes, mas também se configura como uma ferramenta preventiva.

Por isso, diz-se que “seu alcance é muito mais amplo e deve ser compreendido de maneira sistêmica, como um instrumento de mitigação de riscos, preservação de valores éticos e de sustentabilidade corporativa, preservando a continuidade do negócio e o interesse dos stakeholders”. [1]

Não se trata simplesmente de lidar com um oceano de incertezas, onde as variáveis seriam completamente desconhecidas, mas de um ambiente de riscos cujas variáveis, sim, são identificáveis. Por isso, o trabalho com compliance requer um profundo conhecimento de todas as normas que podem influenciar as relações de trabalho e suas possíveis repercussões. Assim, estar em conformidade trabalhista significa ter uma gestão eficaz dos riscos laborais associados à conformidade normativa.

Em primeiro lugar, a avaliação desses riscos deve ser feita pela própria empresa, que tem controle de seu ambiente de trabalho e das ordens de serviço. Ela cria os métodos de produção e gerencia o fator humano.

Assim, torna-se a primeira interessada em lidar com o risco da não conformidade legal, pois manter-se em compliance é decisão de gestão sobre como ela quer se relacionar com os agentes da produção envolvidos.  Quem se interessa por governança corporativa não tem como deixar de lado o papel que o compliance trabalhista exerce na organização.

Embora a empresa seja naturalmente a principal interessada, não podemos subestimar a relevância do Ministério Público do Trabalho, que também desempenha um papel significativo nessa equação, cuja função é a de fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista quando houver interesse público, procurando regularizar e mediar as relações entre empregados, empregadas e empregadoras e empregadores. [2]

A tutela inibitória entra para servir como uma ferramenta processual do parquet contra a violação de direitos antes mesmo de eles serem maculados. Portanto, tem forte base no risco de isso acontecer. Aliás, buscando referência em Marinoni, Arenhart e Mitidiero, pode-se verificar que a “forma ideal de proteção do direito é a que impede a sua violação. Ter direito, ou ter uma posição jurídica protegida, é, antes de tudo, ter direito a uma forma de tutela que seja capaz de impedir ou inibir a violação do direito”. [3]

O artigo 497, parágrafo único, do CPC permite a concessão de tutela específica na qualidade inibitória, uma vez que diz ser irrelevante a demonstração de ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo. Com isso, voltando a citar os autores mencionados, “a tutela inibitória é uma forma de proteção do direito material e pode objetivar impedir ou inibir a violação do direito, a sua repetição ou a continuação de uma atividade ilícita”.[4]

Dizer que a tutela inibitória não teria razão de existir porque não haveria qualquer dano seria privilegiar as tutelas ressarcitórias e, consequentemente, conferir mais poder àqueles com dinheiro capazes de comprar violações de direito alheio.

Descumprimento de legislação

Considerando isso, é perceptível na atuação trabalhista a instauração de ações civis públicas de tutela inibitória contra situações em que a empresa esteja descumprindo a legislação trabalhista, independentemente de isso já ter gerado algum dano aos trabalhadores. Como o próprio nome diz, a tutela perquirida é inibitória, o que significa que tem como objeto principal fazer deixar de funcionar um estado de coisas que esteja em desconformidade normativa.

Spacca

Tome-se como exemplo recente decisão do TST no RR-2265-30.2015.5.12.0053, em que houve um acidente no ambiente de trabalho sem qualquer dano, ocasião em que a 3ª Turma da corte acatou pedido de tutela inibitória e de danos morais coletivos do MPT da 12ª Região. [5] Na oportunidade, foi considerada desnecessária qualquer comprovação do dano ou de sua probabilidade de ocorrer, bastando a “mera probabilidade de ato contrário ao direito a ser tutelado”. Assim, a empresa foi condenada a cumprir com normas de medicina e segurança do trabalha nas obras de construção civil em que estiver realizando ou venha a realizar, sob pena de pagamento de multa diária, e a pagar indenização por dano moral coletivo no valor de R$200.000,00.

Em outra situação, no RR-116-23.2015.5.09.0513, a 2ª Turma do TST, em ação civil pública com pedido de tutela inibitória do MPT da 9ª Região, julgou válida a constituição de banco de horas negativo criado por negociação coletiva. [6]

Nesse caso, o MPT ajuizou a ação para inibir os réus de lesarem direitos de seus empregados em razão de terem firmados instrumentos coletivos com previsão de desconto do saldo negativo do banco de horas ao final de 12 meses, ou nas verbas rescisórias, em casos de pedido de demissão ou dispensa por justa causa.

Então, por entender que seria este um estado de coisas de desconformidade legal, o MPT lançou mão dessa ação com pedido de tutela inibitória. Contudo, o TST aderiu ao posicionamento do STF no ARE 1.121.633, no sentido de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis” (Tema nº 1.046).

Em consequência, a turma entendeu que “a instituição de ‘banco de horas’ com a possibilidade de desconto do tempo injustificadamente não trabalhado ao final de cada período de 12 (doze) meses ou nas verbas rescisórias em casos de pedido de demissão ou dispensa por justa causa, por si só, não é incompatível com a Constituição, tratado internacional ou norma de medicina e segurança do trabalho”. Portanto, o pedido de tutela inibitória do MPT não foi atendido.

Diante desse quadro, percebe-se que a constituição de um compliance que visa gerenciar esse risco de não conformidade tem a capacidade de prevenir ações civis públicas que buscam medidas inibitórias e até mesmo reparação por danos morais coletivos. Então, a eficiência de um programa de compliance não apenas auxilia na prevenção de infrações às normas trabalhistas, mas também minimiza os riscos de ações judiciais como as que buscam tutelas inibitórias.

 


[1] BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Compliance. In: CARVALHO, André Castro; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho; ALVIM, Tiago Cripa; VENTURINI, Otavio (org.). Manual de compliance. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 49–68, p. 50.

[2] https://mpt.mp.br/pgt/mpt-nos-estados.

[3] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil, volume 1. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 318.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil, volume 1. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 319.

[5] https://tst.jus.br/web/guest/-/construtora-%C3%A9-responsabilizada-de-forma-solid%C3%A1ria-por-acidente-com-grua-em-canteiro-de-obra.

[6] https://consultadocumento.tst.jus.br/consultaDocumento/acordao.do?anoProcInt=2017&numProcInt=206587&dtaPublicacaoStr=01/03/2024%2007:00:00&nia=8279932

Autores

  • é advogado trabalhista, graduado em Direito pelo Centro Universitário Sete de Setembro (Uni7). especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-Minas, mestre em Direito, Constituição e Ordens Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), doutorando em Sociologia pela Universidade de Bielefeld, Alemanha, e doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), MBA em Direito Acidentário, pós-graduado em Docência do Ensino Superior e Metodologias Ativas de Aprendizado e pós-graduado em Saúde e Segurança do Trabalho.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!