Opinião

Lei das Estatais: possibilidade de reabilitar uma empresa sancionada

Autores

  • Renila Bragagnoli

    é advogada chefe da assessoria jurídica da Codevasf mestranda em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade de Buenos Aires (UBA) especialista em políticas públicas gestão e controle da administração pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF) professora de cursos de pós-graduação na temática da Lei das Estatais e palestrante na área de contratações públicas.

  • Viviane Mafissoni

    é especialista em Direito Público e chefe de compras centralizadas da Ebserh/MEC.

3 de janeiro de 2024, 15h20

É sabido que a Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) possui regime próprio de aplicação de penalidades, a considerar as normas previstas nos artigos 82 a 84, de pouco conteúdo prático sobre o tema, recaindo, sob as estatais, a responsabilidade de maior atenção no que tange à regulamentação do seu procedimento sancionador. Em que pese a escassez de regras sobre o regime das infrações e sanções nessa Lei, não podemos esquecer da previsão constante do artigo 40, que destaca a necessidade de que as regras sobre as penalidades sejam tratadas no regulamento de licitações e contratos da respectiva estatal, abrindo-se um “mundo” de possibilidades a regular.

Por conseguinte, com a vigência da Lei nº 14.133/2021, ainda que não aplicável as estatais [1], podemos perceber uma evolução nas regras do direito administrativo sancionador disposto em uma norma geral de licitação. Nesse sentido, destaque especial ao artigo 163 da Lei nº 14.133/2021, que trata da reabilitação do sancionado.

Na presente resenha, iremos tratar, entretanto, quanto da possibilidade de reabilitação do sancionado no âmbito das estatais.

O regime sancionador da Lei das Estatais: breves considerações
No que se refere ao regime sancionador previsto na Lei nº 13.303/2016, prevê a norma, no artigo 83 [2], sanções com impactos em condutas praticadas especificamente no contrato. E as sanções são as seguintes: advertência, multa e suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a entidade sancionadora. O prazo da sanção restritiva não pode ser superior a dois anos.

Entretanto, numa lógica similar ao artigo 88 da então Lei nº 8.666/1993, o artigo 84 da Lei das Estatais, destaca que a sanção de suspensão poderá também ser aplicada a empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos pela Lei tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos; tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação; ou demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a empresa pública ou a sociedade de economia mista em virtude de atos ilícitos praticados.

Nesse contexto, a lógica também faz concluir pela permissão de aplicação da sanção de suspensão para casos de condutas ocorridas, inclusive, durante o procedimento licitatório, enquadrando uma infração de não entrega de documento de habilitação ou não manutenção da proposta, por exemplo, no inciso II do artigo 84 (tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação).

O artigo 82 regula a multa de mora. Já o §1º do artigo 83 fala da multa compensatória, destacando que se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela empresa pública ou pela sociedade de economia mista ou cobrada judicialmente, enquanto o § 2º traz a regra sobre a possibilidade de cumulação da sanção de multa com a advertência e a suspensão.

A lei não traz definição de nenhum “tipo” de procedimento ou rito para este processamento e não descreve quais são as infrações passíveis de aplicação de sanção. Além de não vincular as infrações com as sanções a serem aplicadas, cabendo ao gestor, respeitados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, avaliar, conforme a gravidade da infrações e demais condições, qual sanção irá aplicar.

Ainda, o artigo 38, inciso III não autoriza que a estatal contrate ou permita a participação na licitação de empresa declarada inidônea por outros órgãos ou entidades. Ou seja, ainda que a estatal não aplique a sanção de inidoneidade (prevista no artigo 87 da Lei nº 8.666/1993), ela não está autorizada a contratar empresa declarada inidônea [3].

Por fim, importa referir a previsão do artigo 37 [4] da Lei nº 13.303/2016, especificamente a regra contida no §2º, qual seja, de que serão excluídos do cadastro de que trata o artigo 23 da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, a qualquer tempo, fornecedores que demonstrarem a superação dos motivos que deram causa à restrição contra eles promovida. Estaria aqui a reabilitação?

O regulamento da estatal e o processo sancionador
Conforme artigo 40 da Lei nº 13.303/2016, as empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão publicar e manter atualizado regulamento interno de licitações e contratos, compatível com o disposto na Lei, especialmente sobre aplicação de penalidades.

Para tanto, diante da liberdade conferida pelo legislador para que as estatais elaborem regulamento interno próprio que gerencie suas licitações e contratos, é possível que cada entidade adote procedimentos sobre o regime das infrações e sanções, em especial utilizando-se das regras vigentes na Lei nº 14.133/2021 como boa prática. No caso, conforme já citado, a Lei nº 14.133/2021 traz bem definido o procedimento de reabilitação, evoluindo sobre a previsão que hoje consta do artigo 87, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993, que mais gera confusão do que define como possibilidade o pedido de reabilitação pelo sancionado.

A superveniência da NLLC e os reflexos possíveis sobre o regime sancionador das estatais
O regime sancionatório da Lei nº 14.133/2021 inova em algumas situações, em especial, quando a vinculação das infrações às sanções (artigo 156) e a previsão de procedimento (artigo 158), ótimos exemplos a serem seguidos pelas estatais em razão de que a Lei nº 13.303/2016 não traz sequer a descrição das infrações passíveis de ocorrência tanto na licitação, quanto na execução contrato, e muito menos regras mínimas de procedimento.

Sobre as espécies de sanções, a Lei nº 14.133/2021 extingue a sanção de suspensão temporária de participação em licitações e impedimento de contratar com a Administração por prazo não superior a dois anos constante do artigo 87, inciso III da Lei nº 8.666/1993 (e idêntica à sanção prevista na Lei das Estatais, conforme já destacado, à exceção da sua abrangência), mantendo a advertência, a multa, o impedimento de licitar e contratar da Lei nº 10.520/2002 e a declaração de inidoneidade.

Normatiza de forma conclusiva a amplitude das sanções restritivas de licitar e contratar, destacando nos parágrafos 4º e 5º do artigo 156 a abrangência dos efeitos das sanções de impedimento e de inidoneidade, sendo que atualmente a jurisprudência ainda diverge sobre a amplitude das sanções de suspensão, inidoneidade e impedimento no âmbito da administração direta, autarquias e fundações. [5]

Ainda, os parágrafos 2º, 3º, 4º e 5º do artigo 156 vinculam a infração ao tipo da sanção a ser aplicada. Ou seja, expressamente comunica a infração ocorrida com a sanção a ser passível de aplicação. No caso da advertência (sanção do inciso I do caput do artigo 156), por exemplo, apenas resta vinculada a uma infração, qual seja: relativa à conduta do inciso I do artigo 155. Isso proporciona mais clareza, auxiliando sobre a definição de qual sanção aplicar diante do cometimento das infrações por licitantes e contratados, impedindo discricionariedades. Por conseguinte, a norma deixa de associar a sanção de multa a algum tipo determinado de infração, destacando que está poderá ser aplicada a todas as infrações do artigo 155, de forma cumulativa com as demais previstas (nos termos do § 7º do artigo 156), regra já prevista na Lei nº 8.666/1993.

Sobre o procedimento sancionador em si, a Lei nº 14.133/2021 destaca, no artigo 158, a necessidade de observância de determinadas regras para o processamento do licitante ou contratado, como a exigência de comissão processante na condução da avaliação da infração e da recomendação de sancionamento.

A última previsão em matéria sancionadora na Lei nº 14.133/2021, e bastante importante para a contextualização do tema desse artigo, é a do artigo 163 que que regulamenta a reabilitação, antes pouco tratada na Lei nº 8.666/1993 e fala da observância de exigências cumulativas para a reabilitação, sendo a especial delas a necessidade de transcurso mínimo de 1 ano da aplicação da sanção de impedimento e de três anos, da aplicação da sanção de inidoneidade [6].

Assim, a reabilitação se mostra possível tanto para o caso da imposição da sanção de impedimento como para a sanção de inidoneidade, desde que se tenha cumprido, dentre outros, com os prazos mínimos de aplicação.

Por conseguinte, prevê a Lei nº 14.133/2021 que para a utilização do instituto e sua “decisão” final exista a análise jurídica prévia, com posicionamento conclusivo sobre o cumprimento dos requisitos de reabilitação, a reparação integral do dano causado, o pagamento da multa aplicada e o cumprimento de demais condições previstas no ato punitivo (destaque especial para a obrigatoriedade de se prever no ato punitivo as condições de reabilitação).

Visto brevemente as regras sancionadoras, nos deparamos, também, e por óbvio, com a previsão expressa de sua não aplicação para as empresas públicas e sociedades de economia mista [7], o que não quer dizer, mais uma vez, de que não se possa aperfeiçoar os regulamentos de licitações e contratos de estatais hoje vigentes, com este novo arcabouço jurídico do processo sancionador de licitantes e contratados da Lei nº 14.133/2021, considerando o poder-dever de regulamentação atinente às estatais, bem como à necessidade de que o arcabouço de normas de licitações e contratos existentes no país convirjam para práticas semelhantes, em prol da segurança jurídica, considerando, ainda a compatibilidade do artigo 37 da Lei das Estatais com o instituto da reabilitação previsto na Lei nº 14.133.

Conclusão
De acordo com o exposto nesse breve arrazoado, reforça-se aqui a previsão constante do §2º, do artigo 37 da Lei nº 13.303/2016, que a nosso entender, nada mais é que a possibilidade de reabilitação do sancionado dita de forma diversa.

Quando a Lei das Estatais fala, portanto, de que serão excluídos do cadastro citado no caput do artigo 37, a qualquer tempo, os fornecedores que demonstrarem a superação dos motivos que deram causa à restrição contra eles promovida, estamos diante da reabilitação do fornecedor, sem contudo a Lei 13.303 trazer qual será a forma de “superação dos motivos” e o que isso, especificamente, significa.

De tal modo, o regulamento de licitações e contratos da estatal é o espaço normativo indicado ou, quiçá, em norma sancionatória específica, para definir e esmiuçar as causas e o procedimento da reabilitação de forma a facilitar o aplicador da regra, bem como oportunizar ao sancionado tal procedimento.

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[1] Leia mais em “Impactos da vigência plena da Lei nº 14.133/21 nas estatais” disponível em https://portal.sollicita.com.br/Noticia/20025

[2] Art. 83. Pela inexecução total ou parcial do contrato a empresa pública ou a sociedade de economia mista poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (Vide Lei nº 14.002, de 2020)

I – advertência;

II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a entidade sancionadora, por prazo não superior a 2 (dois) anos.

[3] Para mais aprofundamento do art. 38 da Lei das Estatais, “A desconsideração da personalidade jurídica na Lei 13.303/16”, disponível em https://portal.sollicita.com.br/Noticia/19392.

[4] Art. 37. A empresa pública e a sociedade de economia mista deverão informar os dados relativos às sanções por elas aplicadas aos contratados, nos termos definidos no art. 83, de forma a manter atualizado o cadastro de empresas inidôneas de que trata o art. 23 da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 .

  • 1º O fornecedor incluído no cadastro referido no caput não poderá disputar licitação ou participar, direta ou indiretamente, da execução de contrato.
  • 2º Serão excluídos do cadastro referido no caput, a qualquer tempo, fornecedores que demonstrarem a superação dos motivos que deram causa à restrição contra eles promovida.

[5] Para compreensão citamos o Acórdão nº 2530/2015 do Plenário do TCU, que aborda ser a sanção de inidoneidade de abrangência para com todos os entes federados, a sanção de impedimento com amplitude apenas dentro do ente sancionador e a sanção de suspensão com amplitude apenas dentro do órgão sancionador. Já a decisão em REsp nº 151567/RJ, da Segunda Turma do STJ, assevera que a amplitude das sanções de inidoneidade e de suspensão seria a mesma, ou seja, no sentido de fazer valer sobre todos os entes da federação.

[6] Para mais aprofundamento sobre o tema, “Reabilitação de sancionados na NLLCA” disponível em https://portal.sollicita.com.br/Noticia/18462

[7] Art. 1º. § 1º Não são abrangidas por esta Lei as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, ressalvado o disposto no art. 178 desta Lei.

Autores

  • é advogada e chefe da assessoria jurídica da presidência da Codevasp (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba). Mestranda em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Especialista em Políticas Públicas, Gestão e Controle da Administração pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF). Foi assessora na subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência da República (2021) e gerente da Procuradoria Jurídica da Empresa de Planejamento e Logística – EPL (2021-2022). Coautora das obras "Compras públicas centralizadas no Brasil" (Ed. Fórum, 2021) e “Terceirização na Administração Pública: boas práticas e atualização à luz da Nova Lei de Licitações” (Ed. Fórum, 2022). Professora de cursos de Pós-Graduação na temática Lei das Estatais e palestrante na área de contratações públicas.

  • é advogada; especialista em Direito Público; membra do Instituto Nacional da Contratação Pública; analista de Políticas Públicas e Projetos do Poder Executivo do Rio Grande do Sul desde 2010, atuando como pregoeira, coordenadora da equipe de aplicação de penalidades a licitantes, diretora responsável pelo planejamento de compras por registro de preços e gestão de atas, cadastro de fornecedores e penalidades e subsecretária substituta da Central de Licitações do RS; ex-chefe do Serviço de Compras Centralizadas da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), vinculada ao Ministério da Educação; atualmente, coordenadora-geral de Logística da Advocacia-Geral da União; coautora de diversos livros e autora de artigos sobre temas que envolvem compras públicas; professora de pós graduação da Escola Mineira de Direito; pesquisadora do tema infrações e sanções administrativas.

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