Licitações e Contratos

Licitação e programas de integridade: maleabilidade e inespecíficos critérios

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

10 de novembro de 2023, 10h15

Incessantemente, a Lei nº 14.133/2021, ao mencionar a necessidade de implantação de programas de integridade pelos licitantes e contratados, demonstra zelo com a contratação pública e uma busca, ainda que genérica, pela transparência e probidade, valores insertos no caput do artigo 37 da Constituição Federal Brasileira de 1988.

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A atenção conferida pelo legislador aos programas de integridade segue o ritmo adotado pela Lei nº 12.846/2013, que “dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira (…)”. Em igual sentido, a Lei nº 13.303/2016 — Lei das Estatais.

A temática relacionada ao combate à corrupção ganhou novos ares após os escândalos envoltos às empresas públicas e sociedades de economia mista, deflagrando nova fase a ser perseguida pelas pessoas jurídicas que com o Poder Público tenham qualquer tipo de vinculação.

A nova vertente conferida — sobretudo depois da Lei Anticorrupção – não elimina os caminhos que já haviam sido traçados pelo legislador após a Constituição de 1988, cuja exemplificação, ao menos para o âmbito civil, encontra-se plasmada na vetusta (e já modificada) Lei nº 8.429/1992, cognominada Lei de Improbidade Administrativa.

Ocorre que o ordenamento jurídico brasileiro carecia de contundentes normas sobre a responsabilização pelos danos causados pelas pessoas jurídicas, razão pela qual a ruptura legislativa foi, demasiadamente, intensa e, em certa medida, de difícil aplicação prática. De tal modo, acenar para condutas ímprobas passou a ser não apenas um desafio mensurado pelo dano causado, produzindo implicações na sobrevivência das pessoas jurídicas às quais possa ser indicada qualquer prática corrosiva ou corruptiva.  

Ao passo que o rigorismo se acentuou, igualmente os mais diversos diplomas normativos passaram a favorecer as contratadas que sejam entusiastas às rígidas regras de controle interno, adequando o comportamento e as ações dos colaboradores às diretivas dos planos e normas legais aptos a perfectibilizar a metódica do compliance.

Exemplificativamente, a Lei nº 14.133/2021 faculta um grau de discricionariedade às sanções administrativas quando implantado ou aperfeiçoado programa de integridade. Na mesma linha, utiliza tais programas como critérios de desempate, promovendo a implantação de um bom ambiente de negócios, à guisa da sistemática adotada na iniciativa privada, priorizando a contratação com bons licitantes e contratados.

Ao que parece, a tratativa sobre a matéria seria um tanto mais conscienciosa quanto mais fáceis fossem os mecanismos de implantação das regras que atendem as “orientações dos órgãos de controle”, expressão utilizada pelo inciso IV do artigo 60 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Muito embora haja uma reverberação quanto à ideia, abstraindo-se qualquer contraponto quanto à semântica do texto, a literalidade do comportamento adotado pelo legislador não elimina a temulência que emana de uma fiel objetividade do dito “órgão de controle”, embaraço que inicia pela ausência de clareza determinada — e, em certa medida, imparcial — quanto à identificação do sobredito órgão de controle.

Instala-se à discussão a personificação que paira sobre o dito órgão de controle. Sintaticamente, em resposta impulsiva, o órgão de controle é o que controla. Porém, qual órgão? Órgão de assessoramento jurídico, controladorias internas, órgão de controle externo?

Por outro lado, o atendimento às regras de compliance, que possam expressar benefícios àqueles que com a Administração Pública mantêm vínculos de contratação pública, extrapassam o limite territorial específico de um tal (ainda inespecífico) órgão de controle a quem se submeta um ou outro licitante ou contratado.

Licitar e contratar em um determinado município brasileiro pode concretizar a subordinação a regras bastante diversas se trazido à comparação outro ente federativo, quando muito até discrepantes e desencontradas, pelo que o atendimento a um senhor (órgão de controle) pode não servir a outro.

Embora exista uma chancela de qualidade e boas práticas para empresas, de diversos setores, que seguem orientações internacionais e que intentam à padronização e à excelência na implantação dos processos de compliance, tal arquétipo é bem válido quando se organizam grandes empresas, o que nem sempre coincide com o cotidiano das contratações públicas no Brasil.

Certificar-se segundo padrões internacionais é para poucos, seja porque custoso, seja porque manifestamente inviável a pequenos licitantes (e contratados). Prova disso é que o próprio legislador provoca essa diferença quando assume e pronuncia que integridade um pouco mais importa quando grande e vultosa é a contratação (§4º do artigo 25 da Lei nº 14.133/2021).

Dito de outro moto, se não for o caso de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, a integridade é apenas um adendo, servindo mais aos interesses do particular do que da própria Administração – autênticas palavras do legislador.

À vista disso, despindo-se de um parâmetro “alto” e exigente, sobram floreios etéreos e parciais – a grande massa de resquício do forâneo neologismo (compliance).

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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