Opinião

Abin é a caixa-preta de todas as ideias de golpe militar no Brasil

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15 de fevereiro de 2023, 11h11

A tentativa de golpe de Estado que inaugurou o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, perpetrada pelos atos terroristas em Brasília, no último dia 8 de janeiro, ferindo de morte a democracia e a soberania nacionais, tragédia vexatória e sem precedentes na história do Brasil, foi engendrada, comandada e acobertada pela cúpula militar.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Assim é que, no epicentro da mais gravosa crise militar desde o término da ditadura, o ápice do desvirtuamento militar golpista no país foi externado pelo general de Exército Richard Fernandez Nunes, comandante militar do Nordeste, em seu artigo Mundo PSIC e a Ética Militar, publicado no blog do Exército Brasileiro (Eblog), em 1/2/2023, e reproduzido pela ConJur.

Em seu artigo, o general Richard afirma que "o papel desempenhado pelas Forças Armadas no cenário nacional" está vitimado pelo "atingimento de patamares consideráveis" de "precipitação, superficialidade, imediatismo e conturbação", por "condutas em desacordo com a ética militar".

Tem-se, portanto, a comprovação fática cabal do golpismo dos atos terroristas e o testemunho inconteste de autoridade militar da mais elevada hierarquia do Exército brasileiro a demonstrarem que o país foi e continua sendo perigosamente ameaçado por contingências gravemente atentatórias à democracia e ao Estado constituído, perpetradas por integrantes da cúpula militar. E o quartel-general dessa conspiração é a caixa-preta dos serviços secretos, seu braço operacional e mais poderosa organização criminosa do país, absolutamente acima da lei, que é comandada com mão-de-ferro pela alta cúpula militar há mais de meio século, legado maldito do famigerado e extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), criado pela Lei 4.341, de 13 de junho de 1964, cuja atual sucedânea é a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), criada pela Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999, cuja histórica ineficiência, além de escabrosa é também criminosa.

O diagnóstico minucioso desse colapso institucional militar revela um histórico no Brasil de graves impropriedades quanto à sua administração e emprego, que demandam urgentes correções em toda sua estrutura. Tais correções vão desde a revisão do papel constitucional das Forças Armadas (artigo 142, Constituição de 1988), dos planos de carreira e currículos de formação militar, que devem ser atualizados em níveis de absoluto comprometimento democrático, de legalidade e de valores ético-morais; a extinção do serviço militar obrigatório (artigo 143, Constituição de 1988), de cunho eminentemente assistencialista, que deve ser substituído pelo profissionalismo do serviço militar voluntário, extensivo às mulheres; perpassando ainda pela procrastinada unificação das polícias militar e civil e desmilitarização do corpo de bombeiros estaduais; bem como a atualização do Código Penal Militar (CP) (Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969) e do Código de Processo Penal Militar (CPPM) (Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969), em obediência aos mais elevados preceitos constitucionais de respeito às liberdades individuais e da presunção de inocência, sem olvidar do digno direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal.

Quanto à atuação da Justiça Militar, é por demais importante relembrar de bom alvitre as sábias e veementes críticas que lhes foram proferidas em 2013, pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Joaquim Barbosa, que, denunciando ao país a "escandalosa" onerosidade da Justiça Militar, defendeu peremptoriamente a sua extinção.

Contudo, a complexidade e gravidade do golpismo militar no Brasil assumem contornos ainda mais graves, extrapolando o alcance da implementação das referidas medidas, as quais, por si só, representam desiderato nunca antes enfrentado pelo Estado brasileiro. Porquanto até mesmo a consecução desse ingente desafio, dando reenquadramento aos militares rigorosamente adstritos ao âmbito institucional, não extirpará o histórico golpista da cúpula castrense. Porque ele é uma degenerescência que, desde o término da Guerra do Paraguai (1870), divorciou as Forças Armadas brasileiras do exercício exclusivo da única e real atividade-fim que legitima verdadeiramente as Forças Armadas em todo mundo: o emprego em combate.

Destarte, há quase dois séculos, as Forças Armadas são "não operacionais", significando que quando forem conclamadas ao derradeiro combate, para o cumprimento de sua precípua missão constitucional de defesa da pátria, confiar-se-á o destino do Brasil a militares que nunca combateram, cujo projeto de poder de sua cúpula desvirtuou-se para o "golpismo", que é o destino fatídico que acomete os países possuidores de Forças Armadas "não operacionais".

Ademais, por importante, ressalta-se ainda que, contrariamente, países desenvolvidos e democráticos, como Estados Unidos, Israel, França, Reino Unido, dentre outros, que são possuidores de forças armadas profissionais e operacionais, rigorosamente empenhadas no exercício exclusivo da sua real e legítima atividade-fim: o emprego em combate; estão naturalmente imunizados contra golpismos de qualquer natureza.

Portanto, a "não operacionalidade" das Forças Armadas é a degenerescência determinante do golpismo dos militares, que protagonizaram os golpes de Estado no Brasil: da Proclamação da República (1889), de 3 de Novembro (1891), da Revolução de 1930, do Estado Novo (1937), da deposição de Getulio Vargas (1945), do Movimento 11 de Novembro (1955), da Ditadura Militar (1964); da recente tentativa de golpe de 8/1/2023; e da próxima tentativa de golpe no país, a ser perpetrada pelo radicalismo de extrema-direita da cúpula militar, inimiga de morte da democracia e da legitimidade do governo Lula.

Por fim, que a tentativa de golpe de Estado de 8/1, felizmente malsucedida, tenha servido de alerta derradeiro aos governantes e à sociedade brasileira sobre a descomunal magnitude da ameaça que o golpismo militar representa ao Estado democrático de Direito, contra o qual o Estado constituído está completamente vulnerável. Afinal, verdade seja dita, a recente tentativa de golpe somente não se concretizou porque a cúpula militar golpista se acovardou.

Portanto, urge combater essa assombrosa ameaça, o que demanda a quebra do monopólio dos militares sobre o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR), cuja chefia deve ser entregue a um civil, assim como no Ministério da Defesa, eliminando-se definitivamente a influência dos militares sobre a caixa-preta dos serviços secretos e a completa extinção da Abin, condição "sine qua non" também para a edificação de uma nova e eficiente Inteligência de Estado e de um próspero Brasil. 

Contudo, caso os governantes e a sociedade persistam na reincidência dos mesmos erros passados, condenar-se-á novamente o Brasil a eternizar-se refém da caixa-preta dos serviços secretos, fortalecendo a criminalidade insaciável dos militares golpistas, ávidos pela deposição dos governos opositores e pela implantação de mais uma ditadura no país.

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