Opinião

Novo prazo para apuração de notícia de fato no âmbito do inquérito civil na nova LIA

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31 de dezembro de 2023, 17h16

A Nova Lei de Improbidade Administrativa (LIA), de forma inovadora, trouxe consigo algumas alterações na Lei nº 8.429/92, e uma das principais novidades a serem observadas foram as modificações no capítulo da prescrição da Lei nº 14.230/2021.

A princípio, nota-se a mudança no prazo único prescricional de oito anos estabelecido para propositura de ações judiciais visando à aplicação das sanções previstas nos casos de atos de improbidade que violaram a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções.

A posteriori, cumpre destacar a inserção, na lei, do prazo para apuração dos atos de improbidade no âmbito do inquérito civil, que, no artigo 23, §2º, definiu-se como razoável o prazo de 365 dias corridos prorrogável por igual período uma única vez mediante fundamentação, conforme colacionado abaixo:

Art. 23 – A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.   

2º. O inquérito civil para apuração do ato de improbidade será concluído no prazo de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica.

3º. Encerrado o prazo previsto no § 2º deste artigo, a ação deverá ser proposta no prazo de 30 (trinta) dias, se não for caso de arquivamento do inquérito civil.

Quanto ao assunto, a redação dada pelo §2º do artigo 23 está em plena consonância com o artigo 1º, §4º da LIA [1], que estabeleceu que se aplicava, ao sistema de improbidade, os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, incluindo o princípio da duração razoável do processo.

Dessa forma, a inobservância do prazo legal de duração do inquérito civil, quando instaurado há mais de 365 dias corridos e prorrogado por igual período sem a sua devida conclusão e sem justificativa legal, contraria de forma fatal o direito à duração razoável ao processo administrativo, bem como o princípio da eficiência disciplinado nos artigos 5º, LXXVIII e 37 da Constituição.

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 (…)

 LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

É importante destacar que o inquérito civil é um procedimento administrativo instaurado pelo Ministério Público de forma facultativa para apurar fatos relacionados com os interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, sem que haja a interrupção do exercício da pretensão de punição em juízo pelo órgão, a partir de informações obtidas em procedimentos administrativos, inquérito policial ou até mesmo no inquérito civil.

Nota-se que o prazo estabelecido para apuração de atos de improbidade não extingue o exercício de pretensão de punir do estado, mas fixa prazo razoável para conclusão no âmbito administrativo visando a apuração mais célere pelo Ministério Público para apuração de atos ímprobos, sem que se admita a existência de investigações prorrogadas indefinidamente sem justo motivo. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo firmou o seguinte entendimento:

Mandado de Segurança — Pedido de trancamento ou arquivamento de Inquérito Civil — Alegação de inobservância de prazo para a finalização das investigações – As investigações em andamento deverão seguir conforme a disciplina procedimental vigente antes das alterações introduzidas na Lei 14.230/2021 — Tema de Repercussão Geral nº 1.199 do STF — Constatada, porém, a demora na conclusão dos inquéritos civis (mais de 6 anos), em clara ofensa aos princípios da duração razoável do processo, eficiência, proporcionalidade e razoabilidade — Ausência de justificativa para a demora — Submissão do investigado a constrangimento por longo período — Direito líquido e certo violado – Segurança concedida para determinar o trancamento dos inquéritos civis.

(TJ-SP – MSCIV: 21939220620228260000 São Paulo, Data de Julgamento: 26/09/2023, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 06/11/2023)

Além disso, em julgamento semelhante no mandado de segurança nº 2169108-61.2021.8.26.0000, de relatoria do desembargador Antônio Celso Aguilar Cortez, analisou-se a demora de três anos na duração de um inquérito civil:

“(…) O princípio da razoável duração do processo, conforme leciona Hely Lopes Meirelles, “exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional […] é o mais moderno princípio da função administrativa, que já não contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e seus membros […] a partir da Emenda Constitucional 45/2004 a eficiência passou a ser um direito com sede constitucional, pois, no título II, Dos Direitos e Garantias fundamentais, inseriu no artigo 5º, o inciso LXXVIII, que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” (Direito Administrativo Brasileiro, 37 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 98/99).

(…) Assim, a garantia de razoável duração do processo indubitavelmente aplicável no âmbito administrativo pode ser definida não apenas como a prevalência da celeridade, mas também o respeito ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes, dentre outros direitos e garantias processuais com igual nível de proteção constitucional. É dizer, a celeridade não constitui fim em si mesma, mas instrumento para a justa, útil e segura composição da lide e para a pacificação social. O que não se pode admitir, por conspirar contra a razoável duração do processo, é a demora injustificada, fruto de ação ou omissão dolosa ou culposa do aparelho estatal, isto é, o desrespeito ao procedimento, a prática de atos desnecessários (ou a omissão de necessários), a existência de irregularidades que protelam o encerramento da investigação e que podem impingir à parte constrangimento ilegal. No caso em tela, embora a prova coligida não aponte, com cabal segurança, a prática de expediente antijurídico pelo órgão ministerial incumbido da investigação, certo é que o procedimento impugnado já tramita há pelo menos 03 (três) anos, sem que tenha sido ajuizada ação civil pública, ou mesmo apontado fato definido que implique responsabilidade do impetrante. Não se descura tratar-se de investigação complexa, que demanda realização de numerosas diligências e vultosa troca de informações entre diversos órgãos e setores públicos e privados, análise de extensa documentação etc., ainda possivelmente atrasada por falhas atribuídas ao Ofício Judicial da 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital (cf. informações da autoridade impetrada). Também não há dúvida de que o impetrante tem igual interesse em não ver prorrogado por tempo indefinido o inquérito, ao nuto do investigador. Tampouco se pode considerar, todavia, que a tramitação de procedimento inquisitorial no âmbito interno do Ministério Público seja vista como antecipação de responsabilidade (ou de pena) aplicada sem o devido processo legal. De fato, o interesse público na apuração de fatos como os alegados sobreleva o interesse privado de ver trancado o procedimento, a não ser que haja flagrante nulidade, arbitrariedade e/ou abuso de direito. Porém, como se disse acima, nenhum direito é absoluto, nem incondicionalmente imponível. Logo, ao Estado cabe o poder/dever de analisar, de forma adequada e dentro de prazo razoável, os procedimentos a ele submetidos ou por ele deflagrados, em atendimento ao princípio da razoável duração do processo, consagrado no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, e ao princípio da eficiência (art. 37, caput, da CF). É certo que nem sempre o inquérito civil poderá ter tramitação muito rápida e, em casos de suposta improbidade e/ou enriquecimento ilícito de agente público, as dificuldades podem ser grandes, o que justificaria a demora. Contudo, no presente caso, está clara a duração excessiva, que não satisfaz nem mesmo a pretensão corretiva de eventual ato de improbidade administrativa, mormente considerando-se o advento da Lei n. 14.230/2021, que introduziu profunda modificação no regime jurídico aplicável a tais fatos, inclusive no que diz respeito à prescrição. Não faz sentido prorrogar o procedimento administrativo por tempo indeterminado nem manter o investigado em situação de incerteza durante anos.”

Os entendimentos firmados acima são de extrema importância para que seja observado o respeito ao princípio constitucional da duração razoável do processo, além de verificar uma possível morosidade por parte do Ministério Público que deverá garantir uma maior eficiência e responsabilidade nas diligências realizadas no âmbito inquérito civil de improbidade administrativa, evitando também a aplicação de antecipação de pena aos investigados.

Portanto, resta claro que acertadamente o aprazamento estabelecido em lei pelo legislador para conclusão do inquérito civil e corroborado por entendimento dos tribunais garantirá uma maior eficiência e celeridade nas investigações e aplicações de penalidades de atos ímprobos previstos em lei, conferindo uma maior eficácia na proteção do erário.

 


[1] Art. 1º – O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.

Parágrafo 4º. Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.

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