Opinião

Improbidade administrativa e retroatividade: o ato doloso

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13 de dezembro de 2023, 21h27

Finalmente, as duas turmas do Supremo Tribunal Federal definiram que a nova Lei de Improbidade Administrativa se aplica retroativamente também a atos dolosos, no que concerne especificamente ao tipo sancionador genérico antes previsto no artigo 11 e que foi revogado pela Lei nº 14.230/2021.

No primeiro processo (ARE 1.346.594), julgado pela 2ª Turma em 24/10/2023, o tribunal de origem (TJ-SP) havia reconhecido expressamente a presença do elemento doloso nos atos praticados pelos recorrentes:

“É certo, todavia, que a configuração do referido ato de improbidade (previsto no artigo 11, da LIA) exige não apenas a conduta ímproba, como também a prova do dolo. Em outros termos, é necessário constatar que os agentes públicos sabiam estar agindo em violação à lei, sob pena de responsabilização objetiva. O dolo é manifesto e a eventual ignorância da Constituição e da lei além de não ser crível —, não elide a conduta ímproba.”

Não obstante a presença do dolo, a Turma julgou improcedente a ação porque o tipo (artigo 11 genérico) foi revogado pela Lei nº 14.230/2021, tornando a conduta atípica, como esclarecido pelo relator (Gilmar Mendes):

“Ato contínuo, observo que a nova redação do art. 11, que antes permitia a condenação por ato de improbidade mediante imputação fundamentada unicamente no caput do dispositivo, deve incidir imediatamente na espécie, não mais se admitindo a condenação por mera ofensa aos princípios da Administração Pública não tipificada expressamente em qualquer de seus incisos.” [1]

Alguns dias depois, foi a vez da 1ª Turma no RE 1.452.533, quando decidiu em 07/11/2023 que [2]:

“o entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado.” [3]

Tratava-se a ação em que o Ministério Público de SC havia acusado os réus da prática de ato doloso: “4) os réus infringiram dolosamente o artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, violando os princípios da administração pública, nos termos do artigo 11, caput, I, da LIA”.

Mesmo na presença do elemento subjetivo dolo, o ministro relator Cristiano Zanin assim se manifestou:

“Assinalo ainda que, diversamente do que sustenta o recorrente, o entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se no caso dos autos, no qual se debate sobre a prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, revogado pela Lei n. 14.230/2021, conforme se constata em recente precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal: (…)” [4]

Nesse julgado, deve ser destacado também o voto do ministro Alexandre de Moraes:

“Logo, deve se aplicar ao caso a tese fixada no Tema 1199, pois, da mesma maneira que houve abolitio criminis no caso do tipo culposo houve, também, nessa hipótese, do artigo 11.”

Esse posicionamento dos dois colegiados do STF está em harmonia com a doutrina especializada, como demonstrei em pesquisa publicada neste periódico [5].

Assim, as duas turmas do STF entendem que ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito, tornando imperativo estender a conclusão do Tema 1199 para o extinto artigo 11 genérico, de modo que não há possibilidade jurídica de, em processos em tramitação, se condenar com base em um tipo legal sancionador que deixou de existir, ainda que o ato tenha sido doloso.

 

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[1] Votaram neste sentido os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques e André Mendonça. Vencido ministro Edson Fachin.

[2] Decisão unânime, com os votos de Cristiano Zanin, Luiz Fux, Carmen Lucia e Alexandre de Moraes.

[3] Ementa do acórdão.

[4] Refere-se ao ARE 803.568 AgR-segundo-EDv-ED/SP, redator do acórdão o Ministro Gilmar Mendes, DJe 6/9/2023

[5] https://www.conjur.com.br/2023-nov-5/francisco-lima-neto-stf-improbidade-atos-dolosos/

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