Opinião

Reforma tributária do consumo e futuras leis complementares

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30 de dezembro de 2023, 15h16

A proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 45/2019, conhecida como a reforma tributária do consumo, foi promulgada e, desde o início das discussões, o objetivo da proposta era simplificar o sistema tributário nacional e promover uma tributação mais equitativa. Decisões políticas firmaram o entendimento de se realizar uma reforma “fatiada”, sendo essa a primeira fase, que trata apenas da substituição de determinados tributos (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual, composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Com a promulgação do texto constitucional pelo Congresso Nacional, o foco de atenção dos atores envolvidos na reforma já se concentra no processo de edição das futuras leis complementares que regulamentarão os pontos ainda não integralmente disciplinados pela PEC.

Em seu artigo 18, o texto da PEC 45/19 aprovado pelo Senado determina que o Poder Executivo encaminhe, em até 180 dias, os projetos de leis “referidos nesta emenda constitucional” e, em até 90 dias, os projetos de lei relativos à reforma tributária da renda e da tributação da folha de salários.

Nesse sentido, alguns levantamentos apontam que há mais de 60 pontos que estão expressamente pendentes de regulamentação via lei complementar.

Entre os principais temas pendentes de regulamentação, é possível mencionar a necessidade de regulamentação dos contornos legais da incidência tributária do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), relativos à não cumulatividade plena, alíquotas e tributação no destino. Em relação ao Imposto Seletivo (IS), também se espera a definição de seus contornos legais relativos aos produtos que serão alcançados pela nova tributação e em quais etapas da cadeia produtiva haverá a sua cobrança.

Ademais, temas como o detalhamento dos regimes tributários específicos previstos no §6º do artigo 156-A da PEC 45/19, a determinação de alíquotas reduzidas de 30%, 60% e 100% estabelecidas no artigo 9º da PEC 45/19, as atribuições e competências específicas do Comitê Gestor do IBS e detalhamento dos Fundos de Desenvolvimento Regional (FDR), de compensação de Benefícios Fiscais (FCBF) e do Fundo de Sustentabilidade do Amazonas também deverão ser regulamentados por lei complementar.

A lei complementar também regulamentará: a lista de produtos da cesta básica nacional, sobre a qual será aplicada alíquota zero do IBS e da CBS; o detalhamento da mecânica do cashback; a integração do contencioso administrativo fiscal do IBS e da CBS; a restituição dos saldos credores dos tributos que serão extintos (ex.: ICMS, PIS, Cofins e IPI); e o regime fiscal favorecido para biocombustíveis.

Outro ponto importante bastante aguardado pelo setor produtivo que será regulamentado via lei complementar se relaciona com a definição de instrumentos de ajustes nos contratos firmados anteriormente à entrada em vigor das leis instituidoras dos tributos do IBS e da CBS, inclusive concessões públicas.

Vale rememorar que autoridades públicas do Poder Executivo declararam, recentemente, que entre três e quatro leis complementares distintas serão editadas para regulamentar os temas acima. Espera-se uma lei dedicada para a instituição do IBS e da CBS, a qual trará definições básicas, como o fato gerador, a base de cálculo e o modelo de cobrança dos novos tributos. Possivelmente, nessa mesma lei, haverá detalhamento das exceções e serão especificados quais produtos da cesta básica terão alíquota zero.

Devemos ver também uma lei complementar específica para regulamentar o Comitê Gestor, uma para o imposto seletivo e outra para os fundos mencionados acima. Os demais temas que dependem de regulamentação poderão entrar em um desses projetos, em um novo texto ou, até mesmo, em um projeto de lei ordinária, cujo quórum de aprovação é mais simples.

Entre os temas apontados acima, a definição de alíquota do IBS e da CBS talvez seja aquela que mais suscita questionamentos. Isso porque a lei complementar que definir as alíquotas dos tributos necessita assegurar a neutralidade fiscal, de modo a preservar a capacidade arrecadatória dos entes federativos sem aumentar indevidamente a carga tributária sobre contribuintes. Nesses termos, a lei complementar deverá estabelecer a metodologia de revisão e ajuste anual das alíquotas para permitir que sejam adequadas às dinâmicas e às necessidades fiscais do país. Além disso, vale destacar que foi estabelecida uma previsão expressa no artigo 130 do ADCT de que o Senado limitará/travará as alíquotas de referência do IBS e da CBS de forma a manter, em proporção ao PIB, a receita dos tributos extintos.

Outro tema que gera debate em relação à sua futura regulamentação envolve as competências e atribuições do Comitê Gestor do IBS. Por ser um órgão que reunirá representantes de todos os Estados e alguns Municípios, é, muitas vezes, comparado ao Confaz. Nesse sentido, é importante que se leve em consideração as diversas críticas atualmente aplicáveis ao Confaz em razão das competências arrogadas para si e que se refletiram em decisões políticas que estimularam a atual realidade de guerra fiscal existente em nossa federação. Espera-se que a lei complementar delimite a atuação do Comitê Gestor de modo a desempenhar um papel exclusivamente administrativo na gestão e arrecadação do IBS, mediante a uniformização de normas infralegais a serem editadas pelo órgão, em um papel diferente daquele atualmente exercido pelo Confaz.

Em relação ao imposto seletivo, a lei complementar definirá o alcance de sua incidência e da sua finalidade extrafiscal, de modo a apontar quais produtos e serviços serão tributados para desincentivar atividades prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O ponto de atenção é a eficácia regulatória e a potencial regressividade da medida, a qual pode afetar desproporcionalmente camadas mais vulneráveis da população que consome tais produtos/serviços. Além disso, destaca-se que a redação aprovada pelo Senado autorizou a incidência do imposto seletivo na “extração” de bens que sejam prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Contudo, tal medida poderá encarecer o preço e impactar o acesso a insumos utilizados na fabricação de dispositivos médicos contemplados com alíquotas reduzidas, o que se mostra como uma contradição da própria reforma.

Por fim, espera-se que os projetos de leis complementares a serem enviados pelo Poder Executivo tenham uma redação clara e assertiva para evitar quaisquer questionamentos e não darem margem para complexidades e interpretações que possam gerar contencioso. A modificação e evolução do texto em decorrência do processo legislativo no Congresso Nacional é uma virtude democrática do nosso país. Ao mesmo tempo, a expectativa também é que os atores envolvidos estejam atentos às mudanças realizadas para que sejam mantidos os objetivos iniciais da reforma, principalmente, o de se alcançar a simplificação do sistema atual para estimular o desenvolvimento econômico e social do país.

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