Opinião

Licença-paternidade como instrumento para paridade de gênero

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25 de dezembro de 2023, 17h12

Em 14 de dezembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal julgou, por maioria, procedente o pedido constante na ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO 20), reconhecendo a existência de omissão na regulamentação da licença-paternidade prevista na Constituição.

Nesse cenário, conceituamos a licença-paternidade e maternidade como o direito de se ausentar do trabalho para cuidar do filho recém-nascido, adotivo ou cuja guarda judicial foi obtida.

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Atualmente, temos uma norma de transição prevista no ato das disposições constitucionais transitórias, que autoriza o gozo de cinco dias de licença-paternidade.

Citamos ainda a lei nº 11.770/2008, que instituiu o programa Empresa Cidadã, prevendo a prorrogação da licença-maternidade para o total de 180 dias e da licença-paternidade para até 20 dias, mediante concessão de incentivo fiscal e desde que o empregador adira ao programa.

Mais recentemente, temos a lei nº 14.457/ 2022, que instituiu o “Programa Emprega + Mulheres”. Em seu bojo, analisamos uma série de medidas positivas para a empregada mulher, sendo as demais garantias que visam ao efetivo compartilhamento da parentalidade como, por exemplo, a suspensão do contrato de trabalho do empregado com filho, cuja mãe tenha encerrado o período da licença-maternidade, condicionadas ao poder diretivo do empregador. A referida lei também propõe ampliação da licença-maternidade, podendo ser dilatada por mais 120 dias, mas não de efetivo afastamento.

Na Carta Magna, igualmente encontramos a proteção à maternidade, estando também disposta na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que garantem a empregada gestante o direito à licença-maternidade de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário.

Ocorre que, para além das questões legais envolvidas e da notória omissão legislativa da matéria, buscamos abordar como esta regulamentação pode contribuir com a paridade de gênero.

É urgente a compreensão de que a luta pela mantença ou ampliação de direitos trabalhistas não signifique mais sacrifício e exclusão da mulher do mercado de trabalho. Para tanto, é necessário pensarmos as transformações contemporâneas sob as lentes de gênero.

De plano, mais uma vez, encontramos guarida na Constituição, que determina a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, bem como traz a diretriz de que a família tem especial proteção e que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, sendo dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, dentre outros não menos importantes.

Ademais, a Constituição de 1988 trouxe consigo a proibição de toda forma de discriminação. Para a Carta Magna, não caberiam as assimetrias de gênero.

Posto isso, é de clareza solar que mulheres no mundo, em idade produtiva e reprodutiva, não possuem igualdade de oportunidades de emprego.

No Brasil, além dos agravantes sociais, dos elementos interseccionais e de gênero, aqui entendido como construção social que transcende os aspectos biológicos, essa realidade frustrante se repete, haja vista que um dos fatores que impedem o acesso da mulher ao emprego é justamente a condição “mulher gestante”, “mulher mãe” ou, pior, “mulher que pretende ser mãe”, sendo amplamente usado o argumento do custo desta empregada ao empregador.

Em outros dizeres, ampliar a licença-paternidade ou equiparar as licenças parentais, em última análise, destitui o poder desta falsa narrativa e, de uma só vez, auxilia na eliminação deste viés discriminatório.

Notório, ainda, que trazer a presença do pai ao convívio da criança não só fortifica o vínculo socioafetivo, bem como divide a responsabilidade socialmente atribuída ao protagonismo feminino criado pela divisão sexual do trabalho que hierarquiza estes papéis.

Além disso, a regulamentação do direito à licença-paternidade fortalece a valorização paterna, propicia aos pais o convívio mútuo, com a assunção das responsabilidades de forma compartilhada e, principalmente, retira da mulher a notória sobrecarga.

Outrossim, a equiparação das normas internas estaria alinhada com as normas internacionais ratificadas pelo Brasil.

Nesse ambiente comparativo, citamos a convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (Cedaw), principal documento internacional sobre direitos humanos das mulheres. Nele, consta que os Estados-partes reconhecerão à mulher a igualdade com o homem perante a lei e que adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego.

E, ainda, de forma absolutamente urgente, dispõe que os estados signatários se comprometem a modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias que estejam baseados na ideia de inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos, garantindo que a educação familiar inclua uma compreensão adequada da maternidade como função social.

Dessa forma, os avanços na proteção à mulher foram responsáveis por combater práticas de discriminação, capazes de impulsionar e integrar a mulher ao mercado de trabalho. Todavia, a discriminação de gênero ainda encontra solo fértil no Brasil.

Ao mesmo tempo, é necessário reconhecer o potencial nivelador de nosso ordenamento jurídico que possibilita a adoção de medidas de combate à desigualdade e, dentre elas, o reconhecimento da omissão legislativa foi de grande valia para impulsionar as oportunidades entre os gêneros.

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