Opinião

Desde a promulgação da Constituição, 42 parlamentares federais perderam o mandato

Autor

  • Erick Kiyoshi Nakamura

    é mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) com bolsa Capes/Proex bacharel em Direito pela mesma instituição associado fundador do Instituto Brasileiro de Direito Parlamentar (Parla) pesquisador do Núcleo de Investigações Constitucionais da Universidade Federal do Paraná (Ninc/UFPR) e advogado.

12 de dezembro de 2023, 20h36

No dia 1º de dezembro de 2023, George Santos foi expulso da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, por 311 votos favoráveis e 114 contrários. A expulsão [expulsion] é medida prevista na seção 5 do artigo 1º da Constituição dos EUA, na qual a Casa legislativa respectiva decide, por votação de dois terços de seus membros, pela perda do mandato de um de seus membros por comportamento desregrado [disorderly behaviour]; medida que inspirou a adoção da quebra de decoro parlamentar na Constituição brasileira de 1946. Ela se difere da exclusão [exclusion], na qual a Casa legislativa nega, por votação majoritária, que o eleito ocupe a sua vaga, em razão da ausência de requisitos constitucionais para o cargo [constitutional qualifications for the office].

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 elenca no seu artigo 55 as hipóteses de perda do mandato de parlamentares, comumente referidas como “cassações de mandato”. Algumas exigem decisão da Casa a que o parlamentar pertence; outras, mera declaração da Mesa Diretora. O termo “cassação” não é o mais tecnicamente preciso porque a Constituição veda a cassação de direitos políticos, dentre os quais se encontra o exercício de mandato eletivo, elencando as hipóteses de perda e de suspensão.

Hildebrando Pascoal, deputado eleito pelo Acre em 1998, teve o mandato cassado no ano seguinte

Necessita de decisão de maioria absoluta da Casa respectiva a infração às incompatibilidades parlamentares — proibições descritas no artigo 54 do texto, que não se confundem com as do âmbito eleitoral —, o procedimento declarado incompatível com o decoro parlamentar e a condenação criminal em sentença transitada em julgado (artigo 55, I, II e VI e § 2º, da Constituição). Nesses casos, os legitimados ativos para o oferecimento de representação são a respectiva Mesa ou partido político representado no Congresso, assegurando-se expressamente ao acusado a ampla defesa (artigo 55, § 2º, da Constituição).

Depende de mera declaração da Mesa Diretora da Casa a perda do mandato por ausência injustificada, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa, salvo licença ou missão por ela autorizada; por perda ou suspensão dos direitos políticos; e por decretação da Justiça Eleitoral, nos casos previstos na Constituição (artigo 55, III e V e § 3º, da Constituição). Nessas hipóteses, a declaração pode ser feita de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso, sendo igualmente assegurado ao acusado a ampla defesa (artigo 55, § 3º, da Constituição).

Diante desse panorama, algumas indagações se colocam, dentre elas: Desde a promulgação em 1988 da Constituição até o final de 2023, quantos parlamentares federais perderam definitivamente seus mandatos, com a obediência desse rito? E por quais motivos? Apesar de muito relevantes, tais informações não estão disponíveis na internet facilmente, tampouco detalhadamente.

Até o momento, para além das renúncias, trinta e seis deputados federais, um suplente de deputado em exercício e cinco senadores perderam seus mandatos. No caso de declaração da Mesa, ela é comumente conferida por um Ato da Mesa (em apenas um caso no Senado, publicou-se um Ato da Comissão Diretora); no caso de decisão da Casa legislativa, pela promulgação de uma resolução.

Nas hipóteses de declaração, tem-se o seguinte panorama: (1) dois perderam os seus mandatos por faltas injustificadas à terça parte das sessões ordinárias da Casa [1]; (2) dois por suspensão dos direitos políticos decorrentes de condenação por improbidade administrativa [2]; (3) e 13 por decretação da Justiça Eleitoral. [3]

Em 2017, um deputado federal teve a perda declarada pela Mesa em razão do entendimento adotado à época pela 1ª Turma do STF, na Ação Penal nº 863, de excepcionar a necessidade de decisão da Casa legislativa no caso de condenação criminal transitada em julgado que imponha o cumprimento da pena em regime fechado e que inviabilize o comparecimento do congressista à terça parte das sessões ordinárias da Casa [4]. A tese, adotada na 1ª Turma por influência do ministro Roberto Barroso, não é pacífica no tribunal e está atualmente em discussão na ADPF nº 511, proposta pela Mesa da Câmara dos Deputados.

Além desses casos, dois haviam perdido o mandato, mas posteriormente o recuperaram. Um deputado federal teve declarada a perda do seu mandato após decretação da Justiça Eleitoral, mas o recuperou após anulação da decisão, e, ainda que tenha sofrido nova decisão de cassação do diploma/mandato, não teve novamente declarada a sua perda pela Mesa da Câmara [5]. Outro, suplente de deputado federal em exercício, teve a perda declarada após decretação da Justiça Eleitoral, mas pôde retornar à condição de primeiro suplente após concessão de liminar pelo Tribunal Superior Eleitoral para deferir o seu registro de candidatura nas eleições de 2014, em razão do acórdão proferido pelo TSE divergir das teses firmadas pelo STF nos Temas 157 (RE nº 729.744) e 835 (RE nº 848.826) [6].

Já em relação às hipóteses em que há de ser tomada uma decisão da Casa, por maioria absoluta, 24 parlamentares perderam o mandato por procedimento considerado incompatível com o decoro parlamentar — sendo 20 deputados, um suplente de deputado federal em exercício e três senadores [7].

Disso, extraem-se duas importantes observações. Toda quebra de decoro parlamentar reconhecida pela Casa acarreta a perda do mandato; nem toda a perda de mandato, todavia, decorre da quebra de decoro. Além disso, até o momento, a infringência às incompatibilidades parlamentares, apesar de disposta em inciso próprio, qual seja, o primeiro do artigo 55, é enquadrada pelas Casas legislativas como possível procedimento parlamentar indecoroso; no segundo inciso, portanto.

Referido fato corrobora com a relevância do estudo da quebra de decoro no sistema constitucional brasileiro. O que pode e o que não pode ser considerado como quebra de decoro parlamentar, na visão da literatura jurídica? Quais procedimentos parlamentares foram considerados indecorosos pelas Casas legislativas? Quais são as normas constitucionais e regimentais que regulam o processo? Como o Supremo Tribunal Federal decidiu ao ser acionado pelos parlamentares federais para proteger os direitos fundamentais ao devido processo e ao livre exercício do mandato parlamentar?

Essas questões são tratadas no livro Quebra de Decoro Parlamentar: Atuação do STF Frente aos Casos da Esfera Federal de 1988 a 2023, publicado pela Lumen Iuris em 2023. Fruto da pesquisa por mim desenvolvida durante o mestrado em Direito na Universidade Federal do Paraná, a obra apresenta uma sistematização de todos os casos de perda de mandato de parlamentares federais por quebra de decoro, desde 1988 até 31 de janeiro de 2023, com especial enfoque na atuação do Supremo Tribunal Federal.

O Direito Constitucional, em geral, e o Direito Parlamentar, em especial, demandam que tais discussões sejam feitas com seriedade. Se é certo que eventuais recusas infundadas da Casa legislativa em cumprir com o seu papel constitucional são muito prejudiciais à democracia, também é incorreta a afirmação de que as Casas do Congresso Nacional nunca assim atuaram no período pós-redemocratização do país. De 1988 até o momento, 42 parlamentares federais perderam o mandato e, desses, 24 por procedimento incompatível com o decoro parlamentar. Há, a partir desses casos, de se continuar o debate acerca do instituto jurídico da quebra de decoro parlamentar, tema que certamente permanecerá relevante e candente perante as instituições brasileiras.

 

[1] Deputados Felipe Cheidde e Mário Bouchardet.

[2] Deputados Paulo Marinho e Jerônimo Reis.

[3] Deputados Narciso Mendes, Rogério Silva, Janete Capiberibe, Ronivon Santiago, Walter Brito Neto, Juvenil Alves, Manuel Marcos, Boca Aberta, Valdevan Noventa, Marcelo Lima e Deltan Dallagnol e senadores João Capiberibe e Selma Arruda.

[4] Deputado Paulo Maluf.

[5] Deputado Chico das Verduras.

[6] Suplente de Deputado Deoclides Macedo.

[7] Deputados Jabes Rabelo, Itsuo Takayama, Nobel Moura, Onaireves Moura, Carlos Benevides, Fábio Raunheitti, Raquel Cândido, Ibsen Pinheiro, José Geraldo, Sérgio Naya, Talvane Albuquerque Neto, Hildebrando Pascoal, André Luiz, Roberto Jefferson, José Dirceu, Pedro Corrêa, Natan Donadon, André Vargas, Eduardo Cunha, Flordelis; suplente de deputado Féres Nader; e senadores Luiz Estevão, Demóstenes Torres e Delcídio do Amaral.

Autores

  • é mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com bolsa Capes/Proex, bacharel em Direito pela mesma instituição, associado fundador do Instituto Brasileiro de Direito Parlamentar (Parla), pesquisador do Núcleo de Investigações Constitucionais da Universidade Federal do Paraná (Ninc/UFPR) e advogado.

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