Opinião

Prazo prescricional na compensação tributária: as diretrizes da Receita

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6 de dezembro de 2023, 6h06

A limitação temporal para o exercício do direito de compensação tributária, definida pela Receita Federal, tem sido fonte de relevantes debates judiciais. De acordo com o Parecer Normativo Cosit nº 11, de 19 de dezembro de 2014, da Receita, os contribuintes dispõem de um prazo de cinco anos para efetuar a compensação integral de créditos tributários reconhecidos judicialmente, independentemente da existência de débitos em quantidade suficiente. A não observância desse intervalo resulta na prescrição do saldo de crédito remanescente.

Considere, a título ilustrativo, a situação de um contribuinte que detém um crédito tributário no montante de R$ 10 milhões e uma média anual de tributos devidos de R$ 1 milhão. Sob as diretrizes atuais, seriam necessários dez anos para a utilização integral desse valor. No entanto, sob as diretrizes vigentes estabelecidas pela Receita Federal, metade desse crédito se perderia ao término do  quinquênio, devido ao limite de tempo para a sua compensação.

No aludido parecer, a Receita sustenta que os contribuintes que optarem pela compensação administrativa de seus créditos devem se submeter às normativas por ela definidas, como delineado no § 14 do artigo 74 da Lei nº 9.430/96. Isso inclui a obrigatoriedade de habilitação prévia do crédito, um processo que avalia a sua legitimidade e validade, assim como a definitividade da sentença correspondente.

A partir de uma interpretação analógica do artigo 168 do Código Tributário Nacional (CTN), entende a Receita que o prazo para a apresentação da declaração de compensação (Dcomp) é de cinco anos contados da data do trânsito em julgado da sentença que reconhece o crédito ou da data da homologação da desistência de sua execução. Adicionalmente, a Receita explicita que, em situações onde o montante integral do crédito tributário requer múltiplas operações de compensação, cada uma dessas transações submete-se, de maneira autônoma, ao quinquênio prescricional, sem que haja interrupção para os saldos remanescentes.

Com fulcro no artigo 4º do Decreto 20.910/32, a Receita afirma que dito prazo fica suspenso no período compreendido entre o protocolo do pedido de habilitação do crédito e a ciência do seu deferimento. Após a aprovação da habilitação, o curso do prazo prescricional para a apresentação da Dcomp é retomado do ponto em que foi suspenso, prosseguindo até a finalização efetiva da declaração de compensação.

Todavia, a imposição de um limite temporal pela Receita para conclusão do processo de compensação carece de respaldo legal. O artigo 168 do CTN, que fixa o período de cinco anos para o contribuinte pleitear a restituição do imposto pago a maior, não menciona o prazo para a execução do direito já reconhecido judicialmente, seja pela via do precatório, seja via compensação.

A Lei nº 9.430/96, que regula a compensação de créditos tributários validados judicialmente contra débitos fiscais, também não delimita um prazo para a efetivação dessa equalização. Essa lacuna legislativa abre margem para interpretações divergentes e para que a Receita acabe excedendo sua função regulamentadora, adentrando em terreno reservado à lei complementar, nos termos do artigo 146, III, “b”, da Constituição.

Apesar da ausência de lei explícita a respeito, a Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece que o período prescricional da execução de uma sentença deve ser idêntico ao prazo para a ação principal. Isso implica que a Receita pode aplicar o prazo quinquenal do artigo 168 do CTN para iniciar o processo de compensação. No entanto, a fixação desse mesmo intervalo de tempo para a conclusão do processo permanece sem justificativa legal.

Ademais, é fundamental reconhecer que a inércia, elemento crucial para a configuração da prescrição de um direito, não ocorre quando o contribuinte inicia o procedimento de compensação. A falta de débitos fiscais suficientes para a equalização total do crédito está além do controle do contribuinte e, portanto, não deve ser considerada como inatividade. Penalizar os contribuintes por circunstâncias fora de seu controle seria irrazoável.

A decisão do Carf no Processo nº 10680.015558/2002-10 ilustra bem essa interpretação. Nesse caso, o Carf entendeu que a ausência de débitos para compensação não deve ser punida como inatividade,  não sendo possível exigir uma “conduta impossível”.

“É verdade que o direito não socorre a quem dorme “dormientibus non sucurrit jus“, mas no caso da inexistência de débitos o contribuinte não estava dormindo, pelo contrário, estava acordado, e apenas não utilizou o seu crédito por não ter débito com o qual compensar.”

A jurisprudência dos nossos tribunais também tem divergido do posicionamento da Receita Federal. O Superior Tribunal de Justiça, nos Recursos Especiais nº 1.480.602-PR e nº 1.469.954-PR, destaca que a análise da prescrição deve considerar a inércia do titular do direito, reiterando que o quinquênio  estabelecido pelo artigo 168 do CTN se refere ao início do processo de compensação, e não à sua conclusão. No mesmo sentido tem sido o entendimento dos Tribunais Regionais Federais da 3ª e 4ª Região, a exemplo das Apelações de nº 5002120-41.2020.4.03.6100 e de nº 5059351-35.2022.4.04.7100/RS, respectivamente.

Mesmo diante de decisões judiciais que lhe são contrárias, a Receita vem mantendo a sua postura, como se verifica do teor da Solução de Consulta Cosit nº 239 de 2019 e da Solução de Consulta Disit/SRRF01 nº 1007, de 28 de outubro de 2021.

Portanto, a análise das regras prescricionais da Receita para a compensação tributária revela uma clara dissonância com os princípios da legalidade e da razoabilidade, impondo um ônus desproporcional aos contribuintes sem base legal adequada. A revisão dessas diretrizes é essencial para alinhá-las com a legislação e as expectativas de justiça fiscal, reforçando a confiança na estrutura tributária e aumentando sua eficácia, refletindo assim os princípios éticos de um sistema tributário justo e eficiente.

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