Paradoxo da Corte

Mais uma inovação do STJ sobre honorários de sucumbência

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

1 de dezembro de 2023, 8h00

Os honorários de sucumbência arbitrados em sede recursal, denominados “honorários recursais”, estão contemplados, como novidade, no artigo 85, parágrafo 11, do vigente Código de Processo Civil, ao dispor que: “O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação dos honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§2º e 3º para a fase de conhecimento”.

Spacca

Justifica-se essa complementação da verba honorária, como facilmente se infere, pelo trabalho adicional do advogado, na esfera recursal, que também deve ser remunerado. No entanto, ao lado desta finalidade, é igualmente possível sustentar que o objetivo desta regra é o de refrear a interposição de recursos inconsistentes, fadados a serem desprovidos pelo tribunal. Nesta situação, o advogado que tem a obrigação profissional de ministrar orientação técnica ao seu cliente, deve lhe submeter a questão, explicando-lhe qual a melhor estratégia, baseada nas chances reais de êxito numa eventual investida contra a decisão que lhe é desfavorável.

Cumpre-me ainda aduzir que tal esclarecimento é deveras importante, porque o subsequente parágrafo 12 do artigo 85 do diploma processual é muito claro ao preceituar que, detectada a litigância de má-fé ou ato atentatório à dignidade da justiça, a parte deverá ser condenada ao pagamento de multa e, cumulativamente, de honorários recursais, uma vez que estas verbas têm diferente natureza e são independentes. Eis aí a prova cabal da responsabilidade do advogado, que não raramente abusa do direito de recorrer sem compartilhar qualquer confidência com o seu constituinte.

Saliente-se, por outro lado, que o supra transcrito artigo 85, parágrafo 11, não faz qualquer alusão à extensão do eventual êxito em sede recursal implicativa do descabimento da majoração da verba honorária de sucumbência ao ensejo do julgamento do recurso. O dispositivo simplesmente, de forma objetiva, refere-se ao trabalho adicional do advogado do vencedor. Ponto final!

Assim, valendo-me de conhecido critério hermenêutico, invoco, nesse particular, o velho aforismo ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus, para reafirmar que a norma legal em apreço não prevê a “medida” da vitória obtida pelo julgamento do recurso, relacionada à incidência ou não do artigo 85, parágrafo 11.

Não obstante, no julgamento do Recurso Especial n. 1.864.633/RS, da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça foi suscitada a tese no sentido de que a majoração dos honorários de sucumbência fixados anteriormente somente deve ocorrer se o resultado for de não conhecimento ou integral improvimento do recurso. E isso, porque, na hipótese de ser parcialmente provido, por menor que seja a extensão desse veredito, não se aplica o artigo 85, parágrafo 11.

Trata-se do Tema 1059, que foi afetado à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos, especificado nas seguintes premissas:

“1. Delimitação da controvérsia: (im)possibilidade da majoração, em grau recursal, da verba honorária estabelecida na instância recorrida, quando o recurso for provido total ou parcialmente, ainda que em relação apenas aos consectários da condenação.
2. Recurso Especial afetado ao rito do artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015 (artigos 256-E, II, e 256-I do RISTJ).
3. Determinada a suspensão da tramitação apenas dos recursos especiais e agravos em recurso especial cujos objetos coincidam com a matéria afetada.
4. Acolhida a proposta de afetação do recurso especial como representativo da controvérsia para que seja julgado na Corte Especial.”

Com arrimo nessa diretriz, a Corte Especial acabou estabelecendo, com acerto, uma interpretação lógica mais restritiva para a incidência da referida regra do Código de Processo Civil em vigor.

Trilhando esse posicionamento, quando o recurso for parcialmente provido,  mesmo sem alterar o resultado da demanda, a Corte Especial decidiu, por maioria de votos, que em tais situações não incide o artigo 85, parágrafo 11.

Assim, por exemplo, se o recorrente conseguiu apenas o provimento do recurso para alterar o índice da correção monetária, ou a diminuição da condenação do dano moral, não há se falar em aumento da verba honorária em prol de seu respectivo patrono, visto que a parte recorrida continuou sendo vencedora.

Daí a aprovação pela Corte Especial de duas teses correlatas, a saber:

A majoração dos honorários de sucumbência prevista no artigo 85, parágrafo 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente”; e
Não se aplica o artigo 85, parágrafo 11, do CPC, em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento ou limitada a consectários da condenação.”

A posição do ministro Paulo Sérgio Domingues, que continuou relator perante a Corte Especial por força do disposto no artigo 256-I do Regimento Interno, parte do pressuposto de que o disposto no indigitado artigo 85, parágrafo 11, tem por finalidade desestimular o uso protelatório e contraproducente do recurso, atuação essa que conspira contra o princípio da duração razoável do processo.

É evidente — assevera o ministro relator — que nas situações nas quais a impugnação deduzida pelo recorrente se revela proveitosa, mesmo que mínima, seria um inequívoco paradoxo ampliar a condenação em benefício do advogado da parte recorrida, quando o recorrente vence em grau recursal, ainda que apenas para alterar os consectários fixados na decisão recorrida. Na verdade, destacou o ministro Paulo Sérgio Domingues: “não cabe penalizar o recorrente, majorando os honorários do advogado da parte vencedora, se a alteração do resultado do julgamento, mesmo que mínima, constitui decorrência direta da interposição do recurso”.

Importa outrossim refletir sobre o contundente argumento sufragado pelo ministro Humberto Martins, que, ao instaurar a divergência de entendimento, enfatizou que a majoração dos honorários sucumbenciais resulta do trabalho complementar executado pelo advogado. Desse modo, se o recurso foi parcialmente provido, mas a parte vencedora, a despeito desta circunstância, continuou com a vitória, é cabível o aumento da verba honorária em benefício de seu advogado. A rigor, acrescentou o ministro Humberto Martins: “A lei processual não faz distinção entre advogados das partes para o fim de saber em que hipótese cabe majoração da verba honorária sucumbencial. Se a legislação não traz essa exclusão, não caberá ao Judiciário fazê-la, sob pena de violação da legalidade”.

Anote-se que essa orientação divergente, que restou vencida, contraria a lógica e, ademais, a vontade do legislador. Como majorar os honorários do patrono do recorrido na hipótese de o recurso do recorrente ser parcialmente provido?

Ressalto, por fim, que, de fato, a alvitrada distinção encontrada pela expressiva maioria dos integrantes da Corte Especial compatibiliza-se, a meu ver, com a mens legis, bem como com a própria redação do artigo 85, parágrafo 11, do Código de Processo Civil, que alude à “fixação dos honorários devidos ao advogado do vencedor”. Por vencedor deve-se entender o litigante que figura como recorrido, mesmo que o recorrente obtenha uma posição de vantagem por ter conseguido, no julgamento do recurso, decotar algum item da condenação.

E isso significa que o advogado da parte vencedora não pode receber acréscimo aos honorários de sucumbência já fixados, pelo trabalho efetivado perante grau superior de jurisdição, quando o recurso da parte contrária, que fora derrotada, tenha sido parcialmente provido.

Autores

  • é sócio do Tucci Advogados Associados, ex-presidente da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!