Licitações e Contratos

Lei 14.133/21: compras militares devem ser abertas a estrangeiros

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

    View all posts

11 de agosto de 2023, 20h55

Quando a Constituição Federal estabelece isonomia, igualdade de tratamento entre licitantes e, ainda, livre concorrência, respectivamente, em seu artigo 37, caput e inciso XXI, e em seu artigo 170, inciso IV, isso indica que edital de licitação, mero ato administrativo, não pode ter afirmação genérica de proteção à indústria nacional de defesa.

Spacca
Isso se confirma quando se observa que, mesmo diante da competência da União para "autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico", nos termos do artigo 21, inciso VI, ainda da Constituição Federal, não há lei que faça restrições de modo geral, para produtos e serviços estrangeiros, quanto ao acesso a licitações e contratações diretas no Brasil.

A mais relevante norma que chega nesse tipo de matéria é a Lei nº 12.598/2012, que estabelece normas especiais para as compras, as contratações e o desenvolvimento de produtos e de sistemas de defesa e dispõe sobre regras de incentivo à área estratégica de defesa, que não tem uma indiscriminada e genérica barreira para estrangeiros. Incentiva empresas com controle de brasileiros, nesse segmento, mas não tem descontrolado bloqueio de acesso a estrangeiros, apenas pontuais previsões de algumas licitações especiais limitadas a brasileiros.

A conclusão é de que o finado "Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105)", que em sua última edição estava posto no Decreto nº 3.665/2000, limitando a importação de armamentos e outros produtos controlados que tivessem similar nacional, sempre foi inconstitucional, porque tratava de proibição em decreto de algo não proibido em lei.

Na verdade, se verificada toda a cadeia normativa até as origens da matéria de produtos militares controlados, será possível chegar a uma antiga restrição de importação apenas de munição que era prevista em decreto-lei editado no intervalo da Primeira para a Segunda Guerra Mundial. Mas a proibição era motivada por um período histórico conturbado e limitadíssima naquele objeto.

Jamais a cadeia de décadas do R-105 poderia ter avançado ao ponto de fechar o mercado de segurança e defesa nacional com as negativas genéricas e padronizadas de existência de um produto similar nacional, por exemplo, simplesmente, por haver no Brasil uma mesma pistola de um mesmo calibre que uma outra estrangeira. Isso sempre prejudicou o avanço do Brasil.

Reservas de mercado sempre atrasaram o país, como se tinha, por exemplo, em "informática", por anos e anos seguidos, além de outras áreas.

Agora cabe enfatizar que, especialmente após o Decreto nº 10.030/2019, que veio aprovar o novo Regulamento de Produtos Controlados, deixou de existir a antiga e inconstitucional regra de bloqueio de importação de similar de produto nacional. Isso foi, no fundo, uma correção que há anos deveria ter sido feita pela via do Judiciário ou pelo Congresso Nacional. Mas acabou ocorrendo por ato do próprio Executivo, em seu poder-dever de legalidade.

Apenas se teve, em seguida, uma condicionante: para não haver descompasso grande entre os produtos, o Exército Brasileiro, pela Portaria nº 189-EME, 18 de agosto de 2020, veio estabelecer, dentro das "Normas Reguladoras dos Processos de Avaliação de Produtos Controlados", mais especificamente no seu artigo 51, a exigência de Certificado de Conformidade válido, expedido por Organismo de Certificação Designado (OCD). Basicamente, quando se postular Certificado Internacional de Importação, deve haver instrução documental com essa outra certificação.

Mas é de se notar que não se trata de uma norma a impedir licitantes estrangeiros em pregões.

Trata-se de norma de comércio exterior, a balizar a similaridade entre brasileiros e estrangeiros, mas que, com profunda vênia, nem precisaria existir, considerando-se que as armas e muitos outros produtos controlados estrangeiros já possuem certificações até mais rigorosas que as normas técnicas de base para os testes que precisarão ser realizados para o acesso ao mercado brasileiro. Em resumo: uma norma regulatória para esses produtos, mas que se liga a testes mais antigos que aqueles que, atualmente, se tem no exterior.

Entrave e custo, sim, mas possível de solução, embora com perda de tempo e despesas que poderiam ser evitadas se, simplesmente, fossem apresentadas certificações até mais avançadas que existem no exterior.

Essencial que se advirta que confusões ocorreram em entendimento de que essa previsão seria aplicável a importações pelos próprios órgãos públicos, mas isso não procede, porque o artigo 51 da Portaria nº 189-EME/2020 apenas exige o certificado de conformidade de "fornecedor-importador de PCE", ou seja, corporações militares nem precisam disso como uma condição de suas importações, decorrentes de licitações ou contratações internacionais.

Feitas todas essas considerações acima, cabe concluir alertando que, do lado da administração pública, a Lei nº 14.133/21, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, além de ter permissão de moeda estrangeira como incentivo, que somente existe na licitação internacional, conforme o seu artigo 6º, inciso XXXV, proíbe tratamento diferenciado entre empresas brasileiras e estrangeiras, conforme o seu artigo 9º, inciso II.

Enfim, um mercado controlado, mas que nem está fechado do lado regulatório, nem de comércio exterior e nem de licitações e contratações públicas.

E assim deve continuar aberto o mercado de segurança pública e defesa nacional.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!