Licitações e Contratos

A interface entre a economia circular e a Lei nº 14.133/2021

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

4 de agosto de 2023, 8h00

A economia circular é um modelo que associa desenvolvimento sustentável com o melhor uso dos recursos naturais, abandonando, mesmo que parcialmente, a economia linear fruto das revoluções industriais anteriores, sobretudo após "A Grande Aceleração", cujos indicadores de consumo e desenvolvimento ganharam maior propulsão — e consequente crescimento exponencial — a partir da década de 1950.

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Temas como conservação da natureza, limitação da toxicidade, produtividade (e melhor aproveitamento) dos recursos, ecologia social e cultural, tudo passou a transcender as usuais práticas de negócios, desaguando na maior necessidade de incisivas inversões em capital natural, com ênfase no "design sistêmico holístico", em que tecnologias inovadoras são adotadas e as práticas deletérias são reconsideradas, tanto no estilo como as empresas alocam capital, bem assim na forma com que o poder público estabelece políticas públicas e tributação.

No contexto das normas de contratação pública, são perceptíveis alterações no texto original da Lei nº 8.666/1993, o que ocorreu, sobretudo, após as alterações promovidas pela Lei nº 12.349/2010, alertando, como princípio licitatório, o desenvolvimento nacional sustentável.

Auspiciosamente, a Lei nº 14.133/2021 foi além, inserindo não apenas o desenvolvimento nacional sustentável como um dos princípios norteadores do processo de contratação pública, como também dispondo, ao longo do corpo normativo, sobre as mais diversas políticas públicas relacionadas ao tema, adotando critérios de apreciação das propostas dos licitantes nem sempre relacionadas ao menor preço.

Os inputs circulares, quase sempre apontando para reciclagem, renovação, segurança e proteção, embarcam em iniciativas de cadeias de suprimentos para recuperar o valor dos refugos, calculando todos os materiais como nutrientes potenciais para futuros produtos.

A estratégia da sustentabilidade, desacoplando crescimento e recursos, impõem-se como prática integrante da estratégia de negócios, tal porque os custos de matérias-primas tendem a continuar aumentando, encorajando inovações para recuperar e reutilizar soluções quando sempre mais valiosas. Bem por isso, o viés da vantajosidade encontrado na Lei nº 14.133/2021 é medida que vai ao encontro não apenas do desenvolvimento sustentável, empurrando o modelo de negócio do licitante para ofertas de produtos e serviços mais modulares, duráveis e reparáveis.

Ocorre que a prática da boa governança em todo território nacional (independentemente da esfera) encontra-se quase sempre limitada a um dever de satisfação aos órgãos de controle, em que o rigor — não raramente abusivo e desproporcional — conduz a um imensurável e infindável séquito de prestações de contas. Nesse sentido, o controle externo, por vezes usurpando funções típicas da própria administração pública, dita diretrizes rígidas para o combate à corrupção e para as boas práticas de gestão, quase sempre de forma indiscriminada, sem respeitar as peculiaridades de cada região e sem se atentar que há algo paralelo — e não menos importante — ao controle contábil e orçamentário.

Como testilha a sigla ESG, o enfoque das políticas públicas no processo de contratação pública não pode ser reduzido ao plano da governança, cuja eficiência, boas práticas administrativas e, nomeadamente, combate à corrupção são, sem prejuízo de outras metas, incontestes desafios.

ESG também contempla um modelo de economia circular, indo além de uma simples retaguarda ou de um simplório dever de obediência. As provocações ambientais, como também as relacionadas à responsabilidade social, igualmente significam, podendo gerar ativos incalculáveis não só à iniciativa privada, Segundo Setor, como também ao Primeiro Setor — poder público, fiel indutor de políticas públicas.

O pensamento sistêmico não pode se limitar a uma gama, ainda que ampla, de stakeholders, considerando-se, nomeadamente, que o administrado é o mais legítimo interessado na gestão e nos resultados de um projeto ou organização da administração pública.

À vista disso, a afinidade de interesses entre os dois setores (público e privado) perpassa por uma incauta busca de agendas, podendo se transformar em ativos não apenas disponíveis à iniciativa privada, como, por igual, ao poder público, a depender das estratégias adotadas.

Aderente ao conceito de vantajosidade, que se agrega, em larga escala, ao desenvolvimento nacional sustentável, o enfoque na economia circular, para além da governança, torna o diálogo com a iniciativa privada mais propício a um bom ambiente de negócios.

Observando o escopo e a escala das mudanças, como também a velocidade da transição que nos acompanha, é indispensável começar por uma verificação rápida das prioridades e da propensão à transformação, que ajuda a definir o esboço inicial do projeto que mais importa: priorizar uma administração eficiente a serviço do administrado.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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