Ambiente Jurídico

A Licença Prévia e o licenciamento ambiental

Autor

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

29 de julho de 2023, 10h58

O licenciamento ambiental é, a rigor, dividido em várias etapas, cada uma de acordo com a fase específica em que se encontra o empreendimento, pois no Brasil se adota como regra o sistema trifásico. O Decreto 99.274/1990, que regulamenta a Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), disciplina a matéria,

Art. 19. O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:

I – Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento de atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação, observados os planos municipais, estaduais ou federais de uso do solo;

II – Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acordo com as especificações constantes do Projeto Executivo aprovado; e

III – Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificações necessárias, o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação.

(…)

Spacca
Em igual sentido, o art. 8º da Resolução 237/1997 do CONAMA denomina e explica com idêntica redação as três espécies de licença ambiental, que são a Licença Prévia, a Licença de Instalação e a Licença de Operação. Isso implica dizer que o licenciamento se desdobra em três fases, devendo cada uma dessas três etapas culminar com a concessão da licença ambiental compatível com a tramitação processual. Existem, obviamente, exceções a essa divisão, quando estiverem em jogo aqueles empreendimentos de menor potencial poluidor, ou empreendimentos cujas peculiaridades materiais requeiram um procedimento próprio, consoante prevê a citada resolução[1].

No plano nacional, a origem dessa divisão foi o revogado Decreto 88.351/1983, que foi o primeiro a regulamentar a Política Nacional do Meio Ambiente. Anteriormente a isso, alguns Estados incorporavam a Licença Prévia à Licença de Instalação, fazendo uso do licenciamento ambiental bifásico.

A etapa anterior sempre condiciona a seguinte, de maneira que em não sendo concedida a Licença Prévia não se pode conceder as Licenças de Instalação e de Operação, e em não sendo concedida a de Instalação a de Operação também não pode ser concedida já que uma é o corolário da outra. Cada modalidade de licença ambiental possui um objetivo e um perfil distintos, cabendo à Licença Prévia definir a concepção, a Licença de Instalação a construção e finalização e a Licença de Operação o funcionamento da atividade. Observa-se o cuidado da norma em não utilizar as terminologias comuns ao licenciamento urbanístico, como licença de construção ou licença de funcionamento, a fim de não permitir confusão entre este e o licenciamento ambiental.

Como a Licença de Instalação viabiliza a construção e finalização do empreendimento, e a Licença de Operação o seu funcionamento, é muito comum a Licença Prévia ser tratada como um ato administrativo ambiental de menor importância, ou até mesmo como uma formalidade desnecessária. A justificativa para tal compreensão é que de posse dessa licença o empreendedor não consegue instalar nem fazer funcionar a sua atividade, sendo assim desprovida de utilidade na prática.

Cuida-se, no entanto, de um equívoco, pois o modelo adotado no Brasil reserva à Licença Prévia o papel de fase mais decisiva do licenciamento ambiental, que é aprovar a localização e a concepção da atividade, bem como certificar a sua exequibilidade. Não se pode esquecer que o art. 19 do Decreto 99.247/90 e o art. 8º da Resolução 237/97 do CONAMA a definem como a licença concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental, e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região já decidiu sobre o assunto:

"(…) 3. A Licença Prévia é expedida na fase preliminar do planejamento de atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação (art. 19, I, do Decreto 99.274/1990)" (TRF-1. AGRSLT 0037123-76.2014.4.01.0000/MT. Rel. des. Cândido Ribeiro, j. 15/1/2015. e-DJF1, 30 jan. 2015).

Trata-se de uma espécie de chancela para o planejamento da atividade, uma vez que qualquer estudo ou planejamento anterior é suscetível de modificação, tendo em vista que a finalidade do licenciamento ambiental é adequar as atividades econômicas à legislação ambiental e aos corretos procedimentos de gestão ambiental. Por ser a oportunidade para que sejam efetuadas as maiores definições e mudanças estruturais, é possível afirmar que a Licença Prévia é, nessa perspectiva, a mais relevante de todas, pois é a que determina a concepção do projeto, os impactos gerados e as medidas mitigatórias e compensatórias.

Antônio Inagê de Assis Oliveira[2] pondera que a Licença Prévia desempenha um papel de maior importância dentro do licenciamento em relação à licença de instalação e à licença de operação, posto que é nessa fase em que se levantam as consequências da implantação e da operação do empreendimento e em que se determina a localização do empreendimento. A Cartilha de Licenciamento Ambiental do Tribunal de Contas da União[3] destaca a relevância da Licença Prévia no atendimento aos princípios da prevenção e da precaução, tendo em vista que é nessa fase que os impactos ambientais são levantados e avaliados e que são determinadas as medidas mitigadoras ou compensatórias em relação a esses impactos.

É nessa fase que o empreendedor manifesta a intenção de realizar a atividade, devendo ser também elaborados os estudos de viabilidade do projeto. Após a análise, a discussão e a aprovação desses estudos, o órgão ambiental concederá a Licença Prévia, que por ser a primeira licença ambiental deverá funcionar como um alicerce para a edificação de todo o empreendimento.

A avaliação de impacto ambiental é um instrumento de defesa do meio ambiente, constituído por um conjunto de procedimentos técnicos e administrativos que visam à realização da análise sistemática dos impactos ambientais da instalação ou operação de uma atividade e suas diversas alternativas, com a finalidade de embasar as decisões quanto ao seu licenciamento. O inciso I do art. 8º da Resolução 237/97 do CONAMA, ao dizer que a Licença Prévia é “concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação”, faz na verdade referência à avaliação de impactos ambientais. A esse respeito, Érika Bechara afirma o seguinte:

O órgão ambiental licenciador só terá condições de aprovar ou desaprovar um empreendimento ou de impor medidas mitigadoras ou eliminadoras de impactos se conhecer muito bem o projeto que se pretende implementar – estamos falando de sua localização, das características do entorno, do tipo de atividade, dos resíduos a serem gerados, da poluição atmosférica, hídrica, sonora, visual, eletromagnética etc. a ser produzida, da necessidade de desmatamento, dentre outros aspectos relevantes.

Grande parte desse conhecimento sobre o empreendimento o órgão ambiental encontrará na avaliação de impactos ambientais. Daí por que a avaliação de impactos ambientais é o instrumento de informação e de subsídio para o órgão ambiental, podendo ser definida como o processo que permite ao órgão ambiental conhecer e ponderar sobre os efeitos de uma dada intervenção humana no equilíbrio ambiental – e não estamos aludindo apenas a obras e atividades, mas também, como adverte Antônio Inagê de Assis Oliveira, a planos, programas, políticas etc[4].

Em vista disso, a avaliação de impactos ambientais deve ocorrer em regra antes da concessão da Licença Prévia, já que é por meio desse instrumento que serão identificados os aspectos positivos e negativos da atividade, devendo ser determinadas as condicionantes na forma de medidas mitigadoras ou compensatórias. Na verdade, a análise e aprovação da avaliação de impactos ambientais deve ser entendida como um requisito à concessão da Licença Prévia, pelo menos na maioria dos casos.

É nessa fase também que, em regra, o projeto deve ser mais discutido com a comunidade, especialmente nos casos em que existe a possibilidade de realização de audiência pública. Afinal de contas, a participação social deverá ser maior na discussão da concepção do empreendimento, e não quando o mesmo já estiver decidido ou já em plena instalação ou em vias de operar.

O Tribunal de Contas da União, a exemplo do que ocorreu no Acórdão 1.140/2005-Plenário, tem pacificado o entendimento de que o procedimento licitatório somente pode ser iniciado após a obtenção da licença ambiental prévia, de forma que o lançamento do certame sem sua presença é um erro grave. Como se cuida de um instrumento de análise de viabilidade ambiental, é possível que o órgão ambiental constate a necessidade de adequações ou mesmo a inviabilidade da proposta, o que comprometeria a licitação. É o caso de um projeto cuja construção não se enquadra nas hipóteses legais de intervenção em área de preservação permanente ou no bioma mata atlântica, o que vai resultar na nulidade do certamente, gerando atraso na prestação dos serviços públicos e perda de recursos do erário.

Nos casos em que a administração assumir a responsabilidade pelo licenciamento de uma obra pública, a Licença Prévia deve ser obtida antes da divulgação do edital, nos termos do § 4º do art. 115 da Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos). Por outro lado, caso o edital traga a previsão de que caberá ao contratado a obtenção dessa licença, nessa hipótese não haverá certeza sobre a viabilidade da obra nem de seus termos até que a Licença Prévia seja obtida, o que pode resultar em perda de tempo e de dinheiro para a Administração Pública.

Destarte, no modelo vigente, a Licença Prévia deve ser compreendida como a modalidade mais importante de licença ambiental, pois representa segurança jurídica para o setor privado e para o Poder Público. Muitas vezes o empreendedor obtém tal licença para comprovar a viabilidade do projeto e, assim, poder atrair investidores para o seu negócio, como se tal ato fosse na prática uma espécie de ativo empresarial.

Trata-se de um instrumento de planejamento ambiental, que deveria ser mais valorizado pela sociedade e pelos próprios órgãos ambientais, que às vezes tentam deslocar a análise da viabilidade ambiental do empreendimento para as outras fases, subvertendo a legislação ambiental e a própria lógica. A rigor, isso só deveria acontecer no licenciamento corretivo https://www.conjur.com.br/2017-mai-20/licenciamento-corretivo-papel-necessario-administracao-publica, ou de regularização, e em outras situações absolutamente excepcionais.

A despeito disso, não se ignora a discussão a respeito da incorporação da Licença Prévia à Licença de Instalação. Nesse contexto, José Cláudio Junqueira Ribeiro[5] lembra que no início da implementação do licenciamento ambiental no país o modelo predominante não previa a Licença Prévia, pois se espelhava no modelo estadunidense, o qual abarcava apenas o correspondente à Licença de Instalação e à Licença de Operação. Nada impede que essa sistemática torne a ser implementada no plano nacional, desde que haja na Licença de Instalação uma fase preliminar de análise de viabilidade ambiental da atividade, o que poderia se dar na forma de uma certidão ou relatório técnico aprovado pela autoridade competente. Essa mudança pode e deve ser discutida publicamente, desde que a sua implementação seja feita sem diminuir a qualidade do controle ambiental.

[1] O próprio art. 8º da Resolução 237/1997 do CONAMA determina, em seu parágrafo único, que “As licenças ambientais poderão ser expedidas isolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza, características e fase do empreendimento ou atividade”. Já o art. 9º dispõe que “O CONAMA definirá, quando necessário, licenças ambientais específicas, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento e, ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação”. Por fim, o art. 12 estabelece o seguinte: “Art. 12. O órgão ambiental competente definirá, se necessário, procedimentos específicos para as licenças ambientais, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento e, ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação. § 1º. Poderão ser estabelecidos procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, que deverão ser aprovados pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente. § 2º. Poderá ser admitido um único processo de licenciamento ambiental para pequenos empreendimentos e atividades similares e vizinhos ou para aqueles integrantes de planos de desenvolvimento aprovados, previamente, pelo órgão governamental competente, desde que definida a responsabilidade legal pelo conjunto de empreendimentos ou atividades. § 3º. Deverão ser estabelecidos critérios para agilizar e simplificar os procedimentos de licenciamento ambiental das atividades e empreendimentos que implementem planos e programas voluntários de gestão ambiental, visando a melhoria contínua e o aprimoramento do desempenho ambiental”.

[2] OLIVEIRA, Antônio Inagê de Assis. Introdução à legislação ambiental brasileira e licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 362.

[3] BRASIL. Cartilha de licenciamento ambiental. Brasília: Tribunal de Contas da União, Secretaria de Fiscalização de Obras e Patrimônio da União, 2004, p. 13.

[4] BECHARA, Érika. Licenciamento e compensação ambiental: na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. São Paulo: Atlas, 2009, p. 109.

[5] RIBEIRO, José Cláudio Junqueira. O que é licenciamento ambiental. In: RIBEIRO, José Cláudio Junqueira (Org.). Licenciamento ambiental: herói, vilão ou vítima? Belo Horizonte: Arraes, 2015, p. 4.

Autores

  • é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE, pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

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