Licitações e Contratos

Contratos de entes públicos do Brasil com empresas estrangeiras

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

28 de julho de 2023, 19h13

Como é a execução dos contratos de entes públicos do Brasil com empresas estrangeiras?

Spacca
Antes de responder a essa pergunta, cabe lembrar que a licitação internacional "não funciona" sem o correto regramento das etapas posteriores à licitação, bem como, mesmo contratos não licitados possuem questões práticas e legais diferenciadas.

Não basta partir da limitada definição de licitação internacional que consta do artigo 6º, inciso XXXV, da Lei nº 14.133/21: "licitação processada em território nacional na qual é admitida a participação de licitantes estrangeiros, com a possibilidade de cotação de preços em moeda estrangeira, ou licitação na qual o objeto contratual pode ou deve ser executado no todo ou em parte em território estrangeiro". E a questão não se resume a alegar ampliação de competição.

Primeiro, nem há competição ampla sem uma isonômica publicidade da informação também no exterior, em plataformas como o www.dgmarket.com, que nasceu de iniciativa do Banco Mundial e tem divulgação de contratações públicas de mais de 170 países, além da circulação com os mais de cem Setores de Promoção Comercial (Secoms), do Ministério das Relações Exteriores, pontos oficiais de presença do Brasil no exterior.

Ademais, o edital deve ser preparado para a real e efetiva participação de estrangeiros, inclusive quanto ao futuro contrato, o que inclui o regramento de cláusulas que envolvem aspectos de representação legal, direito regulatório, comércio exterior, aduaneiro, com os procedimentos específicos que se aplicam a grande parte dos objetos licitados, com menção a Termos de Comércio Internacional — Incoterm, Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) — que tem similaridade com o Harmonized System (HS) —, pagamento ao contratado estrangeiro via carta de crédito ou transferência bancária internacional, logística, indicação de despachante que possa ser incluído no Siscomex para atuação em nome do ente público a ser o eventual importador, garantias contratuais e respectivas prorrogações, eventuais certificações que sejam obrigatórias, além de outras especificidades.

Isso significa que edital de licitação "nacional", atualmente, ainda não viabiliza tais situações, o que demandaria ajustes para ser viabilizada a efetiva participação de empresas estrangeiras.

E os contratos com empresas estrangeiras, realmente, possuem diferenciações que vão além da listagem de cláusulas gerais previstas no artigo 92 da Lei nº 14.133/21, inclusive, do que consta do seu parágrafo primeiro:

1) ainda que a Lei nº 14.133/21 não mais mencione a obrigatoriedade para a empresa estrangeira de constituir um representante legal (procurador) com residência e domicílio no Brasil, isso ainda é essencial para ambas as partes do contrato, pois a administração, pelo curso da execução do contrato, tem uma pessoa no Brasil para direcionar notificações administrativas (inclusive de fiscais e gestores) e citações em eventuais ações judiciais, sendo que, de outro lado, para a contratada estrangeira é importante viabilizar a prática de atos no país, sobre o próprio contrato, não apenas para evitar perdas de prazos de respostas, defesas em processos sancionatórios, petições de reequilíbrio econômico-financeiro e outras, recursos e atos em geral, bem como, evitar a perda de tempo com medidas de burocracia, que incluiriam resposta a eventual carta rogatória de citação judicial no exterior, além de evitar dificuldades de atuação rápida no Brasil e destravamento de eventuais questões de assuntos regulatórios e aduaneiros da entrada de produtos no Brasil, sem esquecer a viabilidade de acesso direto a tribunais de contas e à via judicial, para eficaz defesa de direitos e interesses pertinentes;

2) ao contrário do contrato "nacional", o "internacional" precisa de regras de direito regulatório, por exemplo, de agências como Anvisa, Anatel e outros anuentes como Exército e Polícia Federal, além de questões de comércio exterior e aduaneiro, como a previsão sobre pontos de entrega, Termos de Comércio Internacional (Incoterm), Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) — sem isso nem se consegue fazer classificação fiscal e tratamento para cada anuente de importação —, pagamento via carta de crédito — meio de pagamento mais utilizado na execução de contratos com estrangeiros, que não podem ser obrigados a ter conta bancária no Brasil — e ou transferência bancária internacional — que fasta os estrangeiros quando não é antecipada, pelo menos em parte, para certos objetos —, aspectos de logística — isso inclui onde desembaraçar mercadoria e se algo será montado no Brasil e quem paga despesas de porto ou aeroporto, manuseio de carga, como fica prazo de contêiner e como serão os testes de certos produtos e a logística diferenciada etc.;

3) a depender o objeto, como veículos blindados, aeronaves, embarcações e outros, que são fabricados por demanda, é preciso considerar que existem riscos diferenciados com potencial de tempo de entrega muito maior e sujeito a interferências de problemas em cadeia logística entre países e outros aspectos, como os de direito regulatório, que tem essa mesma potencialidade de demora adicional para entregas;

4) é preciso considerar diferenças nas garantias bancárias vindas do exterior, para que tenham a possibilidade de serem acionadas via algum banco com presença no Brasil;

5) também importante atentar para coerência de prazos e processos de fabricação e exportação, para evitar que haja repetida prorrogação de carta de crédito da importação, porque isso onera demais o custo, em razão de multiplicadas despesas bancárias (exemplo: prorrogação com carta de crédito de seis ou 12 meses, que a cada período implica em 2% ou 3% do contrato no seu valor global, uma perda significativa de viabilidade do próprio contrato);

6) em contratos de concessões, permissões e de parcerias público-privadas, em geral, observar questões de separação financeira do projeto em relação à contabilidade das próprias empresas que formarão consórcios ou sociedades de propósitos específicos;

7) na área de obras ou serviços de engenharia, observar as regulamentações do Confea sobre o registro provisório da própria empresa estrangeira para executar projetos no Brasil, além do registro provisório dos seus engenheiros estrangeiros, no Crea do local do serviço ou da obra, também conforme regras do Confea.

Feitas tais ponderações, cabe tratar, em separado, o que consta do parágrafo primeiro do artigo 92 da Lei nº 14.133/21, assim apresentado:

"Art. 92…

§ 1º. Os contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as domiciliadas no exterior, deverão conter cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, ressalvadas as seguintes hipóteses:

I – licitação internacional para a aquisição de bens e serviços cujo pagamento seja feito com o produto de financiamento concedido por organismo financeiro internacional de que o Brasil faça parte ou por agência estrangeira de cooperação;
II – contratação com empresa estrangeira para a compra de equipamentos fabricados e entregues no exterior precedida de autorização do Chefe do Poder Executivo;
III – aquisição de bens e serviços realizada por unidades administrativas com sede no exterior". (o grifo não é do original)

Quanto ao primeiro inciso acima, trata-se de norma redundante, porque os contratos firmados com recursos do Bid, do Bird e de outros organismos de cooperação, há anos, já possuem foro de solução de conflitos no Brasil, porque são firmados pelo ente público licitante (existe até uma linha jurisprudencial dominante no sentido de que uma eventual ação judicial sobre o contrato recairia sobre os agentes públicos brasileiros ou o ente público de vinculação, não o organismo estrangeiro que com concedeu o empréstimo ou fez a doação para o projeto).

Quanto ao segundo inciso, a lógica da exceção mencionada para foro contratual no exterior é de Direito Internacional, vez que, pela soberania de cada país, o Brasil não poderia regrar execução de algo a ter força em território de outro país.

Por fim, quanto ao terceiro inciso, ligado à aquisição de bens e serviços realizada por unidades administrativas com sede no exterior, segue-se a mesma lógica do Direito Internacional, sendo essa a razão pela qual embaixadas e consulados e outras repartições do Brasil no exterior firmam contratos com foro nos países onde estão instaladas, sendo interessante o exemplo de cláusula da Comissão do Exército Brasileiro em Washington, para arbitragem em Nova York, o que, depois, viabilizará homologação perante o Judiciário no Brasil.

Portanto, contratos governamentais com empresas estrangeiras possuem muitas diferenciações, que já devem constar desde o respectivo edital de origem, pois sem a segurança jurídica do que vem após a licitação não se consegue atrair, efetivamente, as empresas estrangeiras para o processo competitivo.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!