Comprar x plantar

Opções lícitas de CBD levam STJ a reavaliar salvo-conduto para plantio de maconha

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10 de agosto de 2023, 7h50

A possibilidade de adquirir óleo canabidiol de forma lícita nas farmácias brasileiras e de obrigar o poder público a custear o medicamento levou o ministro Messod Azulay a propor à 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça que deixe de conceder salvo-conduto para que pessoas enfermas plantem maconha sem o risco de serem presas.

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Óleo canabidiol importado pode ser comprado em farmácias pelo Brasil
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Em voto nesta quarta-feira (9/8), ele defendeu que a via do Habeas Corpus preventivo não é adequada para permitir o exercício de uma atividade potencialmente ilegal e afirmou que decisões em sentido contrário representam ativismo judicial, em substituição aos órgãos habilitados para definir o assunto.

O julgamento foi interrompido por pedido de vista do desembargador convocado Jesuíno Rissato. Adiantou voto para acompanhar o relator o também convocado João Batista Moreira. Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o julgamento desafia jurisprudência recentemente pacificada sobre o tema.

Até então, 5ª e 6ª Turmas entendiam que a conduta de plantar maconha não poderia ser considerada crime se a finalidade fosse a realização de direito à saúde, garantido pela Constituição e baseado em prescrição médica.

O canabidiol que se busca nessas ações é o óleo com propriedades reconhecidamente medicinais extraído da maconha. Ele não contém o princípio ativo entorpecente. Como não pode ser produzido no Brasil, só chega ao mercado importado, o que implica alto custo.

Diante desse cenário, juízos de primeiro grau, de juizados especiais e até Tribunais de Justiça com posicionamento penalmente rigoroso, como o de São Paulo, passaram a entender que não cabe a persecução penal quando o plantio de maconha, nos limites da lei e sob fiscalização de órgãos sanitários, destina-se à extração do óleo.

Também se somaram ao avanço paulatino do canabidiol no Brasil decisões judiciais que, por exemplo, determinaram que planos de saúde fornecessem de medicamentos à base de canabidiol e que autorizaram farmácias de manipulação a comercializar esse tipo de produto.

Azulay, que não participou dos julgamentos sobre o tema no STJ porque só tomou posse no cargo em dezembro de 2022, divergiu justamente com base no avanço da regulamentação feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Hoje, o canabidiol pode ser importado e vendido em farmácias, enquanto a importação de cannabis sativa (maconha) in natura segue proibida. Em sua análise, se o problema é a urgência ou o alto custo do medicamento, a alternativa mais plausível seria recorrer ao Judiciário para obrigar o Estado a custear rapidamente o medicamento.

Pedro França/Agência Senado
"De onde virão as sementes para o plantio da maconha?", indagou o ministro Messod 
Pedro França/Agência Senado

“Não sou nem a favor nem contra a maconha. Sou a favor de cumprir o que o Estado determina. Se ele resolver liberar, ótimo. Pode plantar. No momento, não liberaram. Não parece que um Habeas Corpus possa suprir essa necessidade, sobretudo quando há outras alternativas eficazes e lícitas”, disse.

“O Habeas Corpus não é o remédio adequado porque a parte pode pedir o custeio do medicamento, que está na farmácia, a um juizado especial. Se ele tem advogado que é capaz de chegar ao STJ, ele pode ir direto ao juizado e conseguir uma decisão que determine a entrega do remédio na casa dele”, acrescentou.

Novos motivos
O voto do ministro Messod Azulay se referiu à jurisprudência do STJ como “não consolidada” e usou o que definiu como “fatos novos e recentes” para propor a posição divergente: a edição da resolução RDC 660/2022 e a Nota Técnica 35/2023, ambas pela Anvisa.

A primeira definiu critérios e os procedimentos para a importação de produto derivado de maconha, e a segunda esclareceu que a importação de flores e partes da planta não está permitida mesmo após o processo de estabilização e secagem ou mesmo nas formas rasuradas, trituradas ou pulverizadas.

“Se está proibida a importação, de onde serão fornecidas as sementes para plantio caseiro?”, indagou o ministro Messod Azulay. Ele também criticou o fato de que os salvo-condutos concedidos não preveem prazo de validade, nem se relacionam com a evolução do tratamento médico. “O sujeito pode plantar maconha para o resto da vida”, afirmou.

Além disso, há o fato de os salvo-condutos criarem para o Poder Executivo a obrigação de fiscalizar eternamente a produção do óleo. Por fim, destacou a impossibilidade de, em um procedimento caseiro, haver um controle adequado dos resultados, pois a fabricação do óleo canadibiol requer conhecimento detalhado e certos cuidados para garantir a eficácia e a segurança do produto.

Rafael Luz/STJ
Revisão da jurisprudência recente passará mensagem contrária à desejada estabilidade dos precedentes, alertou ministro Sebastião
Rafael Luz/STJ

Por que revisar?
Na opinião do ministro Messod Azulay, a jurisprudência do STJ sobre o tema não está consolidada, e a análise nunca foi feita levando em conta esses argumentos. "Sei que sou novato, mas não posso chegar ao STJ e não expor minha posição", afirmou.

A possibilidade de revisão da posição que admite salvo-condutos apenas nove meses depois da consolidação levantou preocupação. O ministro Sebastião Reis Júnior destacou que não se trata de uma posição consolidada há anos e aplicada automaticamente em diversos casos.

"Se cada um que chegar [ao tribunal] começar a questionar entendimentos anteriores, vamos passar uma mensagem para o jurisdicionado, Ministério Público, magistratura e advocacia de que não existe estabilidade. E sempre há uma ideia nova, uma circunstância nova", disse.

O ministro Rogerio Schietti concordou e acrescentou preocupação também quanto ao momento em que se propõe a revisão – enquanto a legalização da maconha avança progressivamente em diversos países do mundo e o Supremo Tribunal Federal, no Brasil, discute a descriminalização de sua posse e uso

Para Schietti, isso representaria um retrocesso. "Estamos contrariando uma jurisprudência assentada há poucos meses. Isso traz efeito, digamos, perigoso para a jurisdição, na medida em que sinalizamos com possível mudança de entendimento."

HC 802.866
HC 783.717

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