Opinião

Eleições deste outubro correrão com responsabilidade e serenidade

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22 de setembro de 2022, 12h02

Em 1994, ao publicar meu primeiro livro sobre direito eleitoral, registrei esta opinião sobre a essência da Justiça Eleitoral: "Rara será a função estatal que, desempenhada com desacerto ou insuficiência, possa ferir tão fundo, a tantos, quanto aquela de administrar o processo eleitoral. Não há sentimento maior de frustração cívica coletiva do que o de se descobrir fraudulento, viciado ou corrupto o que só se pode admitir legítimo e válido conforme a lei. É rica a História em exemplos de convulsões sociais, muitas não contidas pela força estatal, outras sufocadas ao custo de vidas inúmeras, heróis anônimos, cujo libelo fora clamar por eleições livres, legitimadas, a um só tempo, pelo assentimento dos eleitores e pelo desempenho reto de sua Justiça Eleitoral. O papel da Justiça Eleitoral é, diante da República, este: garantir aos titulares da soberania que o processo institucional se realizou legitima e validamente e que seus representantes eleitos foram escolhidos legítima e validamente. A ausência desta certeza fere de morte a República".

Roberto Jayme/TSE
Roberto Jayme/TSE

Não foram poucas as intervenções do Tribunal Superior Eleitoral — em consonância inequívoca com sua essência, que marcaram a vida constitucional do país. Relembro três. Em 1945, em resposta a consulta (processo administrativo não contencioso), decidiu o Tribunal que as eleições gerais daquele ano não eram referendo à Carta do Estado Novo de 1937, mas a formação de uma assembleia constituinte com poderes originários para a recriação do estado democrático de direito. Em 1966 o TSE cassou o registro da candidatura de Sebastião Paes de Almeida a governador de Minas Gerais por abuso de poder econômico — a primeira das centenas de decisões proferidas desde então sob este fundamento. Em 1984, definiu o TSE como órgão extraconstitucional o colégio eleitoral que elegeria o presidente da República em janeiro de 1985, donde inaplicável a disciplina partidária com perda do mandato para os seus membros que não votassem no candidato de seu partido. Quedou assim aberto, no quadro constitucional, o caminho para a eleição de Tancredo Neves.

O constituinte de 1988 não inseriu na Constituição a competência da Justiça Eleitoral — escolheu remeter a matéria à lei complementar. Recepcionado como lei complementar o Código Eleitoral de 1965, no que pertinente à organização e competência de seus órgãos, tiveram força renovada normas fundamentais à essência da Justiça Eleitoral. De especial monta estas duas na competência privativa do TSE: "expedir as instruções que julgar conveniente à execução deste Código"; "tomar quaisquer outras providências que julgar conveniente à execução da legislação eleitoral" (artigo 23, IX e XVIII). Em passo análogo a competência privativa do Tribunais Regionais para "determinar, em caso de urgência, providência para a execução da lei na respectiva circunscrição" (artigo 30, XVII). Na Constituição norte-americana, essas são as chamadas necessary and proper clauses — ou seja, aquela competência aberta que confere capacidade legislativa para a edição das normas derivadas inerentemente necessárias e adequadas à eficácia da norma criadora do sistema.

A Constituição de 1988, omissa embora quanto à competência da Justiça Eleitoral, trouxe normas abertas a sinalizar parâmetros ao legislador ou valores à preservação do intérprete — proteção à probidade administrativa, moralidade para o exercício do mandato considerada a vida pregressa do candidato, moralidade e legitimidade do mandato isento à influência do poder econômico ou do abuso do poder político ou administrativo, da corrupção ou da fraude. Neste espaço é que se pôs sempre a tarefa judicial de harmonização das disputas e dos interesses políticos.

Não são de estranhar, por conseguinte, as muitas tarefas que a Justiça Eleitoral desempenha antes, durante e após o pleito. Não é só cuidar da logística de preparação e distribuição de 600 mil urnas eletrônicas e de selecionar e treinar mesários. De cuidar dos sistemas de confidencialidade e credibilidade dessas mesmas urnas. De fiscalizar a conduta e os meios de ação das dezenas de milhares de candidatos e de decidir os conflitos quando judicializados.

Esta estrutura uniforme e harmônica, vale dizer, (i) a normatização constitucional de princípios, (ii) a revitalização de normas infraconstitucionais reconhecidas e (iii) a capacidade da Justiça Eleitoral de se engajar na evolução dos significados normativos e dos meios operacionais necessários, numa história de 80 anos, é que confere à sociedade civil — pela voz das cidadãs e dos cidadãos responsáveis, a certeza de que — em bom tempo e no melhor modo, as eleições deste outubro correrão com responsabilidade e serenidade.

Autores

  • é vice-presidente executivo da Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade (InvestSP), ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral e da Transparência, Controladoria Geral da União e da Justiça.

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