Opinião

Parasita semântico venenoso: insultos como armas de persuasão

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13 de setembro de 2022, 14h05

O insulto sempre fez parte dos debates e tem até um nome famoso: falácia do argumento ad personam.

Spacca
No clássico "A Arte de Ter Razão", Schopenhauer mapeou vários estratagemas que argumentadores sem ética costumam utilizar para vencer qualquer debate.

No último estratagema, ele arrematou sarcasticamente:

"quando percebermos que o adversário é superior e que perderemos o debate, devemos nos tornar ofensivos, insultantes, indelicados. O caráter ofensivo consiste em passar do objeto da contenda (pois nele o caso está perdido) para o contendor, atacando de alguma maneira a sua pessoa. Poderíamos chamar isso de argumentum ad personam, para diferenciá-lo do argumento ad hominem: este se afasta do puro objeto em questão para se ater ao que o adversário disse ou admitiu a respeito. No caráter ofensivo, porém, abandona-se completamente o objeto e dirige-se o próprio ataque à pessoa do adversário: tornamo-nos, portanto, insolentes, maliciosos, insultantes, indelicados. Trata-se de uma apelação das forças intelectuais àquelas do corpo ou à animalidade" (p. 52).

Nessa perspectiva, o ataque à pessoa serviria para desviar o foco, ferir o ego do interlocutor e atrapalhar a transmissão da mensagem.

Porém, o papel do insulto nos debates mudou completamente, graças a uma estratégia de persuasão teorizada por Robert Cialdini e aprimorada, em contexto real, por Donald Trump, durante as eleições de 2016.

A nova função do insulto, dentro de um método chamado "poison parasite defense" ("defesa dos parasitas venenosos"), não se limita a irritar o adversário. O objetivo é inocular um parasita semântico venenoso que irá minar antecipadamente a confiabilidade do oponente perante a audiência.

Durante as eleições de 2016, Trump usou e abusou dessa estratégia, criando apelidos para ativar gatilhos na mente do público capazes de envenenar a mensagem do adversário.

Scott Adams, no espetacular livro "Ganhar de Lavada", denominou essa estratégia de "linguistic kill shot" ou "tiro linguístico matador".

O "linguistic kill shot" consiste na atribuição de apelidos com o objetivo de sugestionar o eleitor a associar o adversário a alguma característica desprezível. Quando o apelo se refere a um elemento visível, a imagem do adversário ridicularizado, por si só, irá gerar uma pré-disposição na mente do eleitor de interpretar as informações sobre o candidato insultado com as propriedades produzidas pelo apelido.

Com alguns exemplos, isso ficará mais claro.

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Ainda nas prévias republicanas, o principal adversário de Trump era o pré-candidato Jeb Bush. Trump apelidou de Jeb "Low Energy" (Jeb "Pouca Energia"). Assim, toda vez que Jeb falava com seu jeito calmo, o eleitor já estava sugestionado a identificar uma falta de entusiasmo, bloqueando a recepção da mensagem que ele — Jeff Bush — pretendia transmitir.

Além de criar uma pré-disposição negativa, o apelido também tem o poder de ativar um alerta da mente do eleitor para detectar com rapidez as informações que estão de acordo com o apelido. Ou seja, eventos posteriores que possam confirmar os atributos negativos gerados pelo apelido serão percebidos com muito mais facilidade, por força do viés de confirmação.

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Um exemplo ilustrativo foi o apelido "Crooked Hillary", atribuído à adversária democrata. A expressão “crooked” tem duplo sentido: (1) torto, curvo ou torcido; (2) desonesto. Dessa forma, toda vez que Hillary, que estava com problemas de saúde, aparecia perante o público de modo “torto” o apelido criava uma associação automática com a ideia de desonestidade.

Nesse caso, o "kill shot" tem alta capacidade de desqualificação do adversário, pois, além do poder visual, gera o vínculo imediato com a mentira, o engodo e a desonestidade, algo que também sondava a campanha democrata.

Mirando no contexto brasileiro, o insulto tem sido bastante usado desde as eleições de 2018, inclusive com explícita inspiração na campanha trumpista. Bolsominions, petralhas, bozonazi, poste, genocida, luladrão etc. são apenas alguns exemplos de apelidos que procuram desqualificar os candidatos.

A rigor, há uma diferença entre esses apelidos e a técnica do "kill shot". É que, na estratégia trumpista, a eficiência do apelido está relacionada a algum atributo físico que gere uma desqualificação automática no rival, produzindo uma imagem parasitária que enfraquece qualquer mensagem que o interlocutor queira transmitir.

Talvez, no Brasil, o apelido que mais se aproxima do "linguistic kill shot" seja o apelido "marreco", para se referir a Sergio Moro. Esse apelido ativa um rótulo de "desajeitado" toda vez que o ex-juiz se pronuncia, potencializando a mensagem de que o candidato não tem habilidade política.

Em seus estudos de persuasão, Robert Cialdini demonstrou que esse tipo de estratégia pode ser um eficiente mecanismo para reduzir o valor da mensagem do adversário. Contudo, por mais eficiente que seja, é bastante questionável, em uma perspectiva ética, aceitar o uso do "linguistic kill shot". Desqualificar o adversário, sobretudo por meio de insultos relacionados a atributos físicos, nunca será uma estratégia compatível com a ética argumentativa.

Além disso, no caso de apelidos com componente preconceituoso ou difamatório, o discurso poderá configurar abuso da liberdade de expressão, autorizando a sua limitação ou repressão em dados contextos. Por isso, é preciso criar uma cultura para combater esse método de persuasão ou, pelo menos, minar o seu efeito pernicioso. Ter consciência da sua existência e entender o seu funcionamento é o primeiro passo nessa direção.

Se você quiser aprofundar, vale conferir o livro "Ganhar de Lavada: persuasão em um mundo onde os fatos não importam", de Scott Adams. É uma espécie de "estudo de caso", em que Adams explica como previu, antes de todo mundo, que Donald Trump iria ganhar as eleições contra Hillary Clinton, em 2016. Para isso, ele mapeia as estratégias de persuasão usadas por Trump e explica porque são tão eficientes. Se você for anti-Trump, leia com o espírito da arte da guerra: conheça seu inimigo para poder vencê-lo. Se você for pró-Trump, leia como um investigador que quer descobrir os segredos de um influenciador eficaz.

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Veja também: "Os Melhores Livros de Persuasão e Argumentação".

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