Opinião

A Anacrim e a defesa da democracia

Autores

  • James Walker Júnior

    é advogado professor e presidente da Anacrim.

  • Marcio Guedes Berti

    advogado graduado em Direito pela Unipar (Universidade Paranaense) campus de Umuarama (2003) especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário de Cascavel - Univel (2009) mestre em Filosofia pela Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) campus de Toledo (2017) doutorando em Filosofia pela Unioeste campus de Toledo. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito na Unipar Campus de Cascavel. Coordenador da pós-graduação em Direito Penal Processual Penal e Criminologia da Unipar campus de Cascavel.

23 de novembro de 2022, 16h14

Ministros do Supremo Tribunal Federal sofreram ameaças e xingamentos no exterior, por brasileiros insatisfeitos com o resultado das eleições. Cogitou-se, inclusive, que uma deputada estaria estimulando tais atos, o que foi negado.

Ataques assim estão se tornando cada vez mais frequentes (recentemente o ministro Luís Roberto Barroso foi hostilizado em Santa Catarina) e são inaceitáveis, sobretudo, porque o pano de fundo é questionar, por vias transversas, o resultado das eleições; logo, diz com a soberania popular e com a própria essência da democracia.

Nos termos da Constituição, a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado democrático de Direito (artigo 1º), sendo que a soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (artigo 14).

No Brasil, as eleições são periódicas e só se pode concorrer à reeleição uma única vez, justo para que haja alternância de poder e para que o debate eleitoral sobre os destinos da sociedade, e do país, possa ser travado publicamente pelos candidatos junto aos eleitores de tempos em tempos.

As eleições são disputadas e, como em qualquer pleito, há ganhadores e perdedores, porém, é preciso uma releitura sobre o que significa perder uma eleição. Não se trata, obviamente, de desqualificar o candidato que perde, e seria até mesmo preferível substituir os termos ganhador e perdedor por eleito e não eleito. Qualquer candidato que dispute o pleito eleitoral, ainda que não seja eleito, contribui sobremaneira com a democracia, porque estabelece e força o debate de ideias que, no campo da política e, portanto, na esfera pública, possui uma abrangência enorme e significativa, pois, para além de políticas sociais, econômicas, de saúde e segurança públicas, não raro abarca discussões sobre religião, costumes e ideologias.

Mas não basta viver em uma democracia; é preciso saber viver em uma democracia. A democracia cobra um preço alto, porque dá prevalência à vontade da maioria, o que pressupõe não se tratar da vontade de todos. Logo, é preciso maturidade e sobretudo respeito à vontade popular. Não se pode, a pretexto de defender a liberdade, pedir intervenção militar; não se pode, por descontentamento com o resultado das urnas, bloquear estradas e ruas impedindo o direito de locomoção dentro do território nacional, assim como se não pode sair por aí xingando e ofendendo pessoas e autoridades públicas por descontentamento com o resultado das urnas. Isso, além de antidemocrático, não é civilizatório.

A Anacrim acompanha perplexa as manifestações em frente aos quartéis, as hostilizações às instituições e às autoridades da República e ao sistema eleitoral. A democracia brasileira foi conquistada após muito derramamento de sangue, e passados 34 anos desde a promulgação da Constituição de 1988, já era esperado que houvesse a consolidação da democracia. É preciso consciência e responsabilidade social, porque o futuro se constrói no presente.

Desde a Declaração de Virgínia sugere-se como pauta de progresso e consenso político-jurídico a soberania popular, a igualdade entre os homens, direitos inalienáveis, busca à felicidade, e a formulação de Estado a garantir a segurança e o bem comum.

Nesse contexto, o Direito ganha relevância ímpar, porque é exatamente através dele que se garante a liberdade e a igualdade, razão porque, na acepção de Habermas, no Direito moderno, a democracia é o elemento que legitima as normas, exigindo-se que o ordenamento assegure de modo equitativo autonomia de todo sujeito de direito, como direitos humanos, e essa autonomia privada é condição da esfera pública, o espaço participativo dos diálogos comunitários para formação de adesões e consensos [1].

Registre-se que uma relação interna entre Direito e Democracia se pontua pelos direitos humanos, sendo que nos termos da Constituição um dos fundamentos da República é justamente a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III).

Na etnologia da democracia, demos é o povo, e kratos o poder. Arqué em grego também é poder ou princípio.

Max Weber define o poder segundo conceito clássico e apresenta aporias que flexibilizam a ideia, porquanto toda chance no interior da relação social de impor a própria vontade, mesmo contra resistências e não importando saber a finalidade da imposição passa a ser cenário de poder [2].

Muito embora os juízes exerçam poder, seu exercício é conferido e limitado pela lei e, por óbvio, a atuação jurisdicional, no mais das vezes contramajoritária, causará descontentamentos.

É preciso ter presente que, dentre os três Poderes da República, o Judiciário não representa o povo; e isso se dá por um motivo muito simples: Magistrados não são eleitos, pois precisam de independência funcional para dizer o direito, não importando se (des)agradarão a opinião pública. O que é imposto aos julgadores, em face do sistema civil law, é respeitar a legalidade (seu fundamento primeiro).

Nas manifestações contemporâneas, é recorrente ouvir que o povo é soberano, contudo, a ideia de "popular" não pode ser associada à multidão, conquanto archè sempre remeterá a uma instância decisória das políticas que visam o bem comum.

Em uma democracia como forma de governo, no regime republicano, confere-se ao demos o exercício, e não à multidão, porquanto a Constituição se reporta ao povo e, malgrado isso, a execução do poder se faz mediante representação.

A falta de educação e de conscientização sobre sua própria história, faz com que parcela da sociedade adote tom golpista contra o Estado Democrático de Direito e suas instituições, forçando uma ruptura institucional e o estabelecimento de uma ditadura a pôr fim ao governo civil, o que é de se lamentar profundamente; e para além disso, é também de se repudiar profundamente!

No Livro VIII, Capítulo I, da Política de Aristóteles, o filósofo sacramenta que:

"Ninguém pode pôr em dúvida que a atenção do legislador deve estar centrada, acima de tudo, na educação da juventude; negligenciar a educação é promover grandes danos à Constituição. O cidadão deveria ser educado em harmonia com a forma de governo sob a qual vive, pois cada governo tem um caráter peculiar que o acompanha desde a sua origem e que ele preserva com o passar do tempo. O caráter democrático gera democracia, e o caráter oligárquico gera oligarquia; e é fato que quanto mais sólido for o caráter, melhor o governo será [3]."

Portanto, passado e finalizado o pleito eleitoral de 2022, a Anacrim externa seu total e irrestrito apoio às instituições da República, ao mesmo tempo em que reitera seu compromisso com a defesa do Estado democrático de Direito e da Advocacia Criminal Brasileira, o que, por evidente, engloba todo o sistema de justiça.

A Anacrim conclama a sociedade para que o debate político seja realizado democraticamente, sem violência, sem incitação ao ódio, sem atentados à democracia e ao Estado de Direito, com respeito ao resultado das urnas e à pluralidade de ideias.

A Associação Nacional da Advocacia Criminal repudia toda e qualquer manifestação que tenha por intento a intervenção federal/militar, bem como, solidariza-se com os ministros do Supremo Tribunal Federal que foram hostilizados no exterior.

Não se pode, no presente, repetir-se os erros do passado. A sociedade brasileira já sofreu sobremaneira com os governos autoritários de outrora, sendo preciso consolidar a democracia e o respeito às instituições a cada pleito eleitoral, independentemente do seu resultado.


[1] HABERMAS Jungen. A Inclusão do Outro. Estudos de Teoria Política. Tradução de George Speber e Paulo Astor Sohete. Edições Loyola, 2.002, p. 280.

[2] Max Weber. Economia e Sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva. Vol. 2, Tradução Reges Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. São Paulo: UNB, 2.004, p. 28.

[3] Aristóteles. A Política. 6ª ed. 2001. Tradução Pedro Constantin Tolens. Editora Martin Claret Ltda. São Paulo — SP, p. 267.

Autores

  • é advogado, professor e presidente da Anacrim.

  • é doutorando em Filosofia pela Universidade do Oeste do Paraná, mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Unipar e professor da graduação em Direito do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas.

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