Ambiente jurídico

A proteção das florestas no âmbito do Direito internacional

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12 de março de 2022, 16h08

Apesar das pesquisas astronômicas indicarem a elevada probabilidade de outros planetas conterem alguma forma de vida, admite-se hoje que a Terra é o único planeta em que abriga a vida como a conhecemos e que a colonização de outros planetas ou mundos não ocorrerá em futuro próximo. Não temos hoje um plano B e aqui se confina o nosso mundo com sua teia de vida, em uma intrincada e delicada relação entre os seres vivos e inertes. É um sistema complexo em que a alteração de um ponto reflete, necessariamente e em diferente grau, em outro ponto. Tratamos em artigos anteriores da tragédia dos bens comuns1, dos mares e suas leis2 e das águas doces ou terrestres3; vamos dedicar agora algumas linhas às florestas e sua proteção internacional.

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A proteção das florestas tem cada vez mais ocupado ambientalistas, economistas, biólogos, juristas, políticos e a população em geral e gerado diferentes posições, propostas e perspectivas; o tema central é a perda da cobertura florestal em velocidade crescente e seu reflexo na teia da vida. Florestas são ecossistemas que abrigam a biodiversidade, sequestram carbono e protegem a atmosfera, regulam o clima nas regiões onde se localizam, protegem a quantidade e qualidade das águas; são também um recurso econômico relevante que movimenta bilhões de dólares no comércio mundial, fornece matéria prima para uso imediato dos humanos (madeira, papel, aquecimento, energia e tantos outros) e ocupa grandes áreas de terras que podem ser utilizadas para outro fim, no interesse humano.

É um tema que vem suscitando intenso debate e acentua a divisão das nações. De um lado, as nações onde elas se localizam defendem a soberania e o interesse nacional em explorá-las e utilizá-las em seu desenvolvimento e crescimento econômico; de outro lado, a crescente consciência dos reflexos de sua destruição gera a pressão dos demais países para sua preservação. É uma discussão que divide as nações desenvolvidas e as nações em desenvolvimento, acirrada pelo conhecimento insuficiente das possíveis formas de exploração, da sustentabilidade de seu uso, das consequências a médio e longo prazo da substituição das florestas naturais por florestas plantadas que geram uma biodiversidade pobre, ou por recomposição florestal, que não reproduz por inteiro o ecossistema antes existente. Há consenso em que as florestas, se utilizadas, devem sê-lo de forma sustentável (ainda que não esteja clara a forma dessa exploração).

As florestas são classificadas em três categorias básicas: tropicais, temperadas e boreais, que refletem a composição das espécies, clima e latitude. A comunidade internacional tem se ocupado mais das florestas tropicais, pois estas têm sofrido uma perda maior nas últimas décadas e porque abrigam a mais rica biodiversidade e ecossistemas do planeta; mas a preocupação vem aumentando também em relação às florestas temperadas e boreais, que representam 50% da cobertura florestal do planeta4. Também se distinguem as florestas primárias, que nunca foram cortadas e são cada vez mais raras, hoje menos de 20% do total, com um ecossistema mais saudável e localizadas principalmente na Sibéria, Canadá setentrional, Papua Nova Guiné, Amazonia e na bacia do Rio Congo, na África; e as florestas secundárias ou de reflorestamento que compreendem os outros 80% e não abrigam parte das espécies antes existentes.

Não há convenção ou tratado internacional cogente sobre a proteção das florestas, mas apenas estudos e instrumentos não obrigatórios ('soft law'). Em 1990 o G-7 propôs que se fizesse um instrumento para redução do desflorestamento, proteger a biodiversidade, estimular ações positivas e discutir as ameaças às florestas do mundo; mas a divisão Norte-Sul que logo se estabeleceu nas discussões preparatórias da Conferência das Nações Unidas sobre Economia e Desenvolvimento, a Rio-92, impediu a confecção de um instrumento vinculante. O foco se dirigiu a um instrumento não vinculante para o desenvolvimento sustentável que, embora o primeiro documento a refletir um consenso global sobre a gestão das florestas, indicou a relutância dos governos de aceitar a sua gestão ecológica; foi, e continua sendo, o triunfo dos interesses econômicos nacionais sobre as questões ambientais internacionais, da soberania dos Estados sobre a preocupação geral5.

Em substituição, os países anuíram na Rio-92 a um conjunto de princípios conhecidos como a Declaração Autoritativa Não-Vinculante de Princípios para o Consenso Global sobre a Gestão, Conservação e Desenvolvimento Sustentável de todos os Tipos de Florestas e a inclusão na Agenda 21 do Capítulo 11 sobre o combate ao desflorestamento. Os Princípios6 reconhecem o papel vital das florestas na estabilidade dos ecossistemas, confirmam a necessidade de assistência financeira para a gestão sustentável das florestas e reconhecem a importância das comunidades, mulheres e grupos indígenas na sua gestão.

Os Princípios reconhecem o direito soberano e inalienável dos Estados de utilizar, gerir e desenvolver suas florestas de acordo com a necessidade de seu desenvolvimento e o nível de seu desenvolvimento socioeconômico, incluindo a conversão de áreas para uso diverso; e reconhecem também que os recursos florestais e as terras florestadas devem ter uma gestão sustentável que respeite as necessidades sociais, econômicas, ecológicas, culturais e espirituais das presentes e das futuras gerações (Princípios 1(a) e 2 (a) e (b)).

A 3ª Reunião da Comissão das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável instituiu em 1995 o Painel Intergovernamental sobre Florestas (IPF), substituído em 2000 pelo Fórum Internacional para Florestas (IFF), para rever as iniciativas internacionais sobre florestas, aperfeiçoar sua coordenação e formular políticas em um nível global; é o mais alto corpo internacional em questões florestais e sua missão é “buscar o consenso e propostas coordenadas para ações de suporte à gestão, conservação e desenvolvimento sustentável das florestas”, baseado na Declaração do Rio, nos Princípios sobre as Florestas, no Capítulo 11 da Agenda 21. Seu trabalho resultou em 270 propostas de ações para a gestão de florestas.7

A impossibilidade de acordo entre as nações para a elaboração de um documento vinculante é considerada um fracasso ambiental; mas as negociações internacionais deram forma a um consenso de que o manejo sustentável das florestas deve ser o objetivo da política florestal, um dos meios mais relevantes para reduzir ou eliminar a perda florestal. Ao lado do esforço global para o manejo das florestas, outros acordos envolvendo o mercado mundial de madeira, a certificação da madeira exportada e a importância dos povos indígenas e da comunidade foram objeto de discussão. Voltaremos ao tema.


1 ConJur – Abundância natural não transforma "bens comuns" em inesgotáveis

2 ConJur – A lei do mar, a obrigação de proteção e o direito de exploração

3 ConJur – A declaração dos juízes sobre a justiça das águas (parte 2)

4 Rússia, Canadá e Estados Unidos da América abrigam 70% das florestas temperadas e boreais. De acordo com a FAO – Food and Agricultural Organization, não se nota declínio significativo; mas as estatísticas podem ocultar, ou não demonstrar, um aumento de florestas comerciais ou industriais e monoculturas, com redução da biodiversidade e redução ou perda de sua função econssistêmica. In DAVID HUNTER, JAMES SALZMAN e DURWOOK ZAELK, ‘International Environmental Law and Policy’, University Casebook Series, Foundation Press, 1998, Nova Iorque, pág. 1109, de onde extraída parte deste artigo.

5 DAVID HUNTER, citado, pág. 1117.

6 Sua última versão foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 17-12-2007 e pode ser vista em UNITED, acesso em 12-3-2022.

7 United Nations Forum on Forests – Wikipedia

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