Opinião

TSE reconhece fraude à cota de gênero em cidade baiana

Autores

  • Yuri Oliveira Arléo

    é advogado mestrando em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-graduado em Direito Administrativo e em Direito Eleitoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

  • Yago Nunes dos Santos

    é advogado mestrando em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito (FBD).

27 de junho de 2022, 16h09

Na sessão de julgamento do último dia 21 de junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reformou decisão do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia e reconheceu fraude à cota de gênero praticada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) no município baiano de Uauá. A decisão foi tomada à unanimidade nos autos do Agravo Regimental no Respe nº 0600446-51, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves.

Durante o julgamento, que representa a consolidação do entendimento jurisprudencial do TSE sobre a matéria, a Corte entendeu haver prova do caráter fraudulento da candidatura feminina encabeçada por Carla Daiane da Silva Capistrano, uma vez que ela teve votação zerada, não registrou receitas ou despesas de campanha, jamais se apresentou enquanto candidata e, desde o primeiro dia em que admitida a propaganda eleitoral, passou a praticar atos de campanha em prol de terceiros que, em tese, eram seus concorrentes.

Esse precedente ajuda a elucidar qual o standard probatório exigido pela Justiça Eleitoral para constatar a existência do ilícito fraudatório, cuja dificuldade maior reside na demonstração do intuito de burlar a regra prevista no artigo 10, §3º da Lei nº 9.504/1997, que impõe respeito ao percentual mínimo de candidaturas de cada gênero [1].

Desde setembro de 2019, quando a Corte julgou o leading case acerca da matéria (Respe nº 19392/PI, de relatoria do ministro Jorge Mussi), há um esforço para que sejam fixadas as balizas probatórias necessárias ao reconhecimento da fraude à cota de gênero, norteando a aplicação da sanção de cassação do registro da chapa proporcional, a invalidação dos votos atribuídos a todos os seus integrantes e a desconstituição dos mandatos dos eleitos. No entanto, somente com a análise dos sucessivos precedentes da Corte é que se têm mostrado mais nítidos alguns parâmetros considerados pelo TSE, sendo a decisão para o caso do Município de Uauá, dada a unanimidade, marco da consolidação deste entendimento.

Em maio de 2020, ao apreciar o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 37054, de relatoria do ministro Luis Roberto Barroso, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu existir desrespeito à cota de gênero, por considerar haver nos autos "elementos probatórios suficientes à comprovação da fraude: 1) as candidatas ao cargo de vereador não obtiveram nenhum voto no pleito municipal de 2016; 2) não foram realizados atos de campanha; e 3) houve contradições entre as declarações prestadas pelas candidatas e os demais documentos juntados aos autos, em especial quanto à produção, pagamento dos ‘santinhos’ e à movimentação nas contas bancárias".

Posteriormente, o Tribunal Superior Eleitoral voltou a reconhecer a existência de fraude à cota de gênero no bojo do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 0000008-51.2017.6.21.0110, de relatoria do ministro Sérgio Banhos, no qual prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Og Fernandes. Naquele caso, a fraude foi reconhecida base nos seguintes elementos de prova: 1) votação irrisória das candidatas; 2) candidatas fizeram campanha para outro candidato, sem que houvesse sequer uma postagem nas suas redes sociais noticiando a própria candidatura; 3) algumas candidatas não abriram contas de campanha; 4) algumas candidatas abriram conta mas não realizaram movimentação financeira; 5) ausência, nos autos, de qualquer elemento publicitário em prol das candidaturas femininas em questão.

Mais recentemente, frente a realidade semelhante e julgando casos da eleição de 2020, o TSE deu provimento ao Respe 0600651-94, relatado pelo ministro Sérgio Banhos, reformando acórdão do TRE-BA para, por maioria, reconhecer a fraude à cota de gênero e anular os votos recebidos pelos vereadores do Partido Progressistas (PP) no município de Jacobina, na Bahia. Nesse caso, além de votação zerada e ausência de movimentação financeira, foi objeto de destaque durante o julgamento o fato de parentes próximos da suposta candidata terem feito campanha para seus concorrentes.

Percebe-se assim que o pedido de votos e o pedido de apoio político em prol de terceiros concorrentes tem se mostrado aspecto relevante nas decisões do TSE que, quando somados a outros elementos (como a pífia votação e a ausência de atos de campanha ou de movimentação financeira), conduzem à conclusão da existência do ilícito.

De outro lado, o TSE já entendeu que a falta de votos e de atos significativos de campanha não é suficiente, por si só, para a caracterização da fraude [2], bem como que a eventual desistência da candidatura superveniente ao registro da chapa, ainda que tácita, é fato extintivo da pretensão de cassação da chapa.

Nesse sentido, a Corte entendeu ser "admissível a desistência tácita de participar do pleito por motivos íntimos e pessoais" quando ausente prova robusta do intuito de fraudar [3], bem como já reconheceu a "gestação de alto risco durante a corrida eleitoral" como subsídio à tese de desistência tácita. Assim, a questão da eventual desistência tácita da candidatura, apta a afastar o reconhecimento de candidatura fraudulenta, ainda remanesce não devidamente balizada pelo TSE, o que decorre inclusive da restrição à reanálise de fatos e provas no julgamento do Recurso Especial.  

Com a sucessão de julgados e o julgamento do caso Uauá, é possível afirmar que, ressalvada a hipótese de desistência tácita da campanha, que deve ser analisada pelo tribunal local com especial atenção à alteração da conduta da candidata, o TSE consolidou entendimento no sentido de reconhecer a fraude à cota de gênero quando, para ao menos um candidato (a), concomitantemente: 1) não se reconhecerem atos de campanha; 2) não houver movimentação financeira de campanha; 3) não forem atribuídos votos ou for atribuída votação ínfima.


[1] Em que pese a Lei 9.504/1997 se referir a um percentual mínimo de candidaturas "de cada sexo", a terminologia correta é utilizada pelo TSE: "Malgrado inexista menção ao sexo feminino no artigo 10, §3º, da Lei nº 9.504/97, é evidente tratar-se de ação afirmativa que visa à superação do déficit democrático oriundo da sub-representação das mulheres nas casas legislativas, o que não guarda nenhuma incompatibilidade com o reconhecimento dos direitos dos (as) candidatos (as) a serem computados nas cotas feminina ou masculina, de acordo com sua identidade de gênero". (Consulta nº 060405458, relator ministro Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação 03 abr. 2018)

[2] Respe nº 060000172, relator ministro Mauro Campbell Marques, Publicado em 29 abr. 2022

[3]AgR–REspe 799–14/SP, relator ministro Jorge Mussi, DJE de 7/6/2019; e Respe nº 50662, relator ministro Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação em 18 mar. 2022.

Autores

  • é advogado, mestrando em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-graduado em Direito Administrativo e em Direito Eleitoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

  • é advogado, mestrando em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito (FBD).

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