Violação ao CPP

TJ-RJ ordena delegacia a excluir foto de homem negro de álbum de suspeitos

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18 de outubro de 2022, 13h39

É possível e legal a elaboração do álbum fotográfico de suspeitos sem a anuência do investigado. No entanto, é proibida a sua apresentação para vítimas ou testemunhas de crimes para fins de reconhecimento pessoal com o objetivo de afastar o procedimento estabelecido pelo artigo 226 do Código de Processo Penal.

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Inclusão de foto em álbum de suspeitos deve ser justificada, disse TJ-RJ
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Com esse entendimento, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou, na última quinta-feira (13/10), recurso do Ministério Público e manteve decisão que determinou a exclusão da foto de um homem negro do cadastro de suspeitos da 57ª Delegacia da Polícia do Rio.

Em razão de uma foto incluída no álbum de suspeitos em 2016, o homem se tornou alvo de sucessivos reconhecimentos, que resultaram em nove denúncias contra ele pelo crime de roubo. Ele não foi condenado em nenhum dos casos — já foi absolvido em sete, e outros dois seguem em tramitação.

A defensora pública do Rio Rafaela Garcez impetrou mandado de segurança pedindo a que a foto fosse excluída do álbum policial. Em setembro de 2021, o juiz Alberto Fraga concedeu liminar para obrigar que a 57ª Delegacia de Polícia do Rio retirasse a fotografia do homem do álbum de suspeitos. A cautelar foi confirmada em março de 2022.

O relator do caso no TJ-RJ, desembargador Peterson Barroso Simão, apontou que o Superior Tribunal de Justiça tem declarado a nulidade do reconhecimento fotográfico como única prova em um inquérito. Para a Corte, isso viola o princípio da presunção de inocência, ainda mais quando envolve a questão da discriminação racial, acarretando seletividade penal.

O magistrado ressaltou que não é desarrazoado que a polícia trabalhe com álbum de suspeitos sem a anuência dos investigados. Mas disse ser ilegal tornar as fotos públicas.

"O que é desproporcional e desconforme com a legalidade e com as garantias e direitos fundamentais é que este álbum seja tornado público de modo a ser utilizado pelos policiais para análise pelas vítimas ou testemunhas de crimes de possíveis identificações com intuito de reconhecimento e induzimento à autoria, as quais podem, no entender da jurisprudência dos tribunais superiores acima apontada, causar falsas memórias e possíveis erros judiciários", ressaltou Simão.

"Forçosa a conclusão, portanto, de que a publicação de álbuns fotográficos de suspeitos de crimes para possíveis vítimas ou testemunhas destes traduz-se em ilegalidade que vulnera os princípios da presunção de inocência e do devido processo legal e viola o direito à imagem, à privacidade e à intimidade", avaliou o relator.

Defensoria comemora
A defensora Rafaela Garcez afirmou que a decisão demonstra como o reconhecimento fotográfico feito de maneira abusiva pode prejudicar a vida de uma pessoa inocente.

"Essa vitória nas duas instâncias só demonstra o quão era evidente a ilegalidade da manutenção da foto no álbum de suspeitos. Isso mostra o quanto o reconhecimento fotográfico vem sendo utilizado de forma abusiva. Conseguir essa retirada da foto de uma pessoa inocente traz de volta a paz para a vida dela", reforçou Rafaela.

A coordenadora da Defesa Criminal da Defensoria Pública, Lucia Helena Oliveira, ressalta a inexistência de regulamentação para evitar esses erros.

"Muito importante que tenhamos atenção aos casos de prisões ou condenações injustas em razão de reconhecimento fotográfico, realizado com violações à lei processual penal, sobretudo diante da necessidade de serem observadas as garantias constitucionais da pessoa, notadamente os princípios da presunção de inocência e devido processo legal", disse a coordenadora.

Já a subcoordenadora de Defesa Criminal, Isabel Scheprejer, afirma que a exclusão definitiva da fotografia do álbum de suspeitos vem corrigir a grave injustiça da qual o homem foi vítima, assim como são tantos outros, que têm suas imagens expostas desta forma.

"É preciso conferir segurança e transparência ao procedimento de reconhecimento de pessoas e, nesse contexto, os álbuns de suspeitos não podem continuar sendo utilizados da maneira como são hoje", declarou Scheprejer.

Decisão do STJ
Em dezembro de 2020, o Superior Tribunal de Justiça absolveu o homem do roubo de uma motocicleta, crime pelo qual ele havia sido condenado em segunda instância após ter sua fotografia selecionada pela vítima. A decisão foi baseada no entendimento de que um reconhecimento pessoal não pode ser a única prova para a condenação.

As colunistas da ConJur Janaina Matida e Marcella Mascarenhas Nardelli comentaram a decisão. Segundo elas, prova dependente da memória deve, necessariamente, ser combinada a outros elementos de prova, não sendo suficiente para superar o standard probatório elevado que o processo penal impõe. Com informações da Assessoria de Imprensa da Defensoria Pública do Rio.

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Processo 0006376-54.2021.8.19.0036

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