Justiça que tarda, falha

STJ tranca inquérito que embasou suspeita de 'caixa três' por cervejaria

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18 de março de 2021, 21h04

Após mais de seis anos sem quaisquer resultados práticos, o inquérito aberto pela Polícia Federal para investigar a suposta ocorrência do crime de gestão fraudulenta pelo empresário Walter Faria, dono do Grupo Petrópolis, foi trancado por excesso de prazo, em decisão do Superior Tribunal de Justiça.

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Investigação começou após substituição
de garantia dada em empréstimos
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Na terça-feira (18/3), a 6ª Turma deu provimento a recurso em Habeas Corpus de forma unânime por entender que a investigação ofendeu a duração razoável do processo, pois, desde fevereiro de 2015, não conseguiu comprovar que a substituição das garantias dadas em dois empréstimos feitos pelo grupo empresarial no Banco Nordeste foi fraudulenta.

A investigação foi aberta a partir de notícia jornalística explicando que a Cervejaria Petrópolis obteve os valores, de cerca de R$ 300 milhões, para construir duas fábricas na Bahia.

Inicialmente, a garantia dada foi a carta-fiança, posteriormente substituída pela garantia hipotecária do próprio complexo industrial. Essa alteração, que teria ocorrido contrariamente às normas internas do banco, seria a gestão fraudulenta.

Em 2017, a Polícia Federal apontou que as supostas fraudes contratuais foram feitas para desviar valores e financiar doações eleitorais ilegais para a campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2014, prática que ficou conhecida como "caixa três".

Rafael Luz/STJ
Para o ministro Palheiro, nada justifica o longo tempo de tramitação do feito
Rafael Luz/STJ

O que se seguiu, então, consistiu em um desdobramento da "lava jato" — na qual a cervejaria é inclusive citada por delatores da Odebrecht —, com quebra de sigilo fiscal dos investigados. Em mais de seis anos, o inquérito foi prorrogado 15 vezes sem reunir indícios de gestão fraudulenta que pudessem embasar oferecimento de denúncia à Justiça federal.

Relator, o ministro Saldanha Palheiro apontou que nada justifica o longo tempo de tramitação do feito, inclusive por sua simplicidade: bastaria apurar qual foi o risco implementado com a substituição da carta-fiança pela garantia hipotecária. "Na minha apreciação, o risco foi diminuído. Você tem uma garantia real. Ela está plantada no solo", indicou.

O voto foi seguido pelos ministros Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti. Não votou, impedida, a ministra Laurita Vaz. Defendeu o empresário no processo o advogado Tracy Reinaldet.

Justiça que tarda, falha
A possibilidade de usar Habeas Corpus para determinar o arquivamento de um inquérito policial ainda não atingido por causa extintiva de punibilidade ou por outra razão usualmente aceita — a atipicidade evidente da conduta e a completa falta de justa causa — é admitida na jurisprudência do STJ sempre com ressalvas.

José Alberto
Ministro Schietti falou da  necessidade de definir parâmetros para controle de inquérito
José Alberto

Na terça-feira, a subprocuradora da República Raquel Dodge, que atua na 6ª Turma, também foi favorável ao trancamento e reconheceu o excesso de prazo. Afirmou, nessa linha, que há uma grande preocupação com as falhas de investigação do nosso sistema de Justiça. "Não há instituição mais preocupada com a morosidade das investigações do que o próprio Ministério Público", disse.

Ao acompanhar o relator, o ministro Sebastião Reis Júnior manifestou indignação. Apontou que não houve nenhum cuidado de apresentar justificativa plausível para a demora nas investigações, mesmo após a impetração do HC. "Se a denúncia tivesse sido oferecida, essa impetração perderia o objeto. Mas não. Vejo isso como um descaso. Até uma falta de respeito", criticou.

É em situações como essa que o colegiado admite a ocorrência de constrangimento ilegal, mesmo sem indiciamento ou cautelares mais gravosas, como a prisão preventiva. Por isso, o ministro Rogerio Schietti voltou a defender que o STJ defina, no momento oportuno, critérios para controle judicial de inquérito policial via HC.

"Havendo falha do Estado, vamos ter que indicar alguns critérios onde houve desídia, inércia, atraso e omissão para, aí sim, atender a interesse da pessoa indiciada. O Brasil está caminhando para um amadurecimento democrático que exige isso: eficiência de todas as instituições. Todos concordamos que a Justiça que tarda, falha", disse Raquel Dodge.

José Alberto SCO/STJ
Ministro Reis Júnior citou que não houve cuidado de apresentar justificativa
José Alberto SCO/STJ

Patrimônio imaterial
O ministro Schietti destacou que eventuais restrições patrimoniais deferidas nas investigações — como as quebras de sigilo, no caso da cervejaria — não são objeto de proteção de tutela por Habeas Corpus, mas sinalizam algo que interfere decisivamente na avaliação da existência de indícios de autoria.

"Se após essa providência, que é gravosa — não tanto quanto outras —,  nem assim o Ministério Público reuniu elementos suficientes para, nos quatro anos seguintes, oferecer uma denúncia, evidentemente que há injustificável atraso", disse.

"No caso da pessoa investigada, é o patrimônio imaterial que traz a maior angústia", apontou o ministro Antonio Saldanha Palheiro. "Para a sociedade, é a mesma coisa se ele está sendo investigado ou já processado. É suspeito de prática delitiva. O dano ao patrimônio imaterial é inegável. Qual é remédio mais célere? É o Habeas Corpus", acrescentou.

Ao votar, o ministro Sebastião Reis Júnior fez a mesma avaliação. "Há uma ideia de que não há nenhum ônus ao investigado. Só o fato de existir uma investigação já é um peso sobre qualquer pessoa. Dormir e acordar sabendo que está sendo investigado', disse. "E, nesse caso, todo mundo sabe, foi parar no jornal. Pela dimensão, tem que haver um cuidado maior do Ministério Público e da Polícia Federal para acelerar e dar um fim ao inquérito", concluiu.

RHC 135.299

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