Após mais de seis anos sem quaisquer resultados práticos, o inquérito aberto pela Polícia Federal para investigar a suposta ocorrência do crime de gestão fraudulenta pelo empresário Walter Faria, dono do Grupo Petrópolis, foi trancado por excesso de prazo, em decisão do Superior Tribunal de Justiça.
Na terça-feira (18/3), a 6ª Turma deu provimento a recurso em Habeas Corpus de forma unânime por entender que a investigação ofendeu a duração razoável do processo, pois, desde fevereiro de 2015, não conseguiu comprovar que a substituição das garantias dadas em dois empréstimos feitos pelo grupo empresarial no Banco Nordeste foi fraudulenta.
A investigação foi aberta a partir de notícia jornalística explicando que a Cervejaria Petrópolis obteve os valores, de cerca de R$ 300 milhões, para construir duas fábricas na Bahia.
Inicialmente, a garantia dada foi a carta-fiança, posteriormente substituída pela garantia hipotecária do próprio complexo industrial. Essa alteração, que teria ocorrido contrariamente às normas internas do banco, seria a gestão fraudulenta.
Em 2017, a Polícia Federal apontou que as supostas fraudes contratuais foram feitas para desviar valores e financiar doações eleitorais ilegais para a campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2014, prática que ficou conhecida como "caixa três".
O que se seguiu, então, consistiu em um desdobramento da "lava jato" — na qual a cervejaria é inclusive citada por delatores da Odebrecht —, com quebra de sigilo fiscal dos investigados. Em mais de seis anos, o inquérito foi prorrogado 15 vezes sem reunir indícios de gestão fraudulenta que pudessem embasar oferecimento de denúncia à Justiça federal.
Relator, o ministro Saldanha Palheiro apontou que nada justifica o longo tempo de tramitação do feito, inclusive por sua simplicidade: bastaria apurar qual foi o risco implementado com a substituição da carta-fiança pela garantia hipotecária. "Na minha apreciação, o risco foi diminuído. Você tem uma garantia real. Ela está plantada no solo", indicou.
O voto foi seguido pelos ministros Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti. Não votou, impedida, a ministra Laurita Vaz. Defendeu o empresário no processo o advogado Tracy Reinaldet.
Justiça que tarda, falha
A possibilidade de usar Habeas Corpus para determinar o arquivamento de um inquérito policial ainda não atingido por causa extintiva de punibilidade ou por outra razão usualmente aceita — a atipicidade evidente da conduta e a completa falta de justa causa — é admitida na jurisprudência do STJ sempre com ressalvas.
Na terça-feira, a subprocuradora da República Raquel Dodge, que atua na 6ª Turma, também foi favorável ao trancamento e reconheceu o excesso de prazo. Afirmou, nessa linha, que há uma grande preocupação com as falhas de investigação do nosso sistema de Justiça. "Não há instituição mais preocupada com a morosidade das investigações do que o próprio Ministério Público", disse.
Ao acompanhar o relator, o ministro Sebastião Reis Júnior manifestou indignação. Apontou que não houve nenhum cuidado de apresentar justificativa plausível para a demora nas investigações, mesmo após a impetração do HC. "Se a denúncia tivesse sido oferecida, essa impetração perderia o objeto. Mas não. Vejo isso como um descaso. Até uma falta de respeito", criticou.
É em situações como essa que o colegiado admite a ocorrência de constrangimento ilegal, mesmo sem indiciamento ou cautelares mais gravosas, como a prisão preventiva. Por isso, o ministro Rogerio Schietti voltou a defender que o STJ defina, no momento oportuno, critérios para controle judicial de inquérito policial via HC.
"Havendo falha do Estado, vamos ter que indicar alguns critérios onde houve desídia, inércia, atraso e omissão para, aí sim, atender a interesse da pessoa indiciada. O Brasil está caminhando para um amadurecimento democrático que exige isso: eficiência de todas as instituições. Todos concordamos que a Justiça que tarda, falha", disse Raquel Dodge.
Patrimônio imaterial
O ministro Schietti destacou que eventuais restrições patrimoniais deferidas nas investigações — como as quebras de sigilo, no caso da cervejaria — não são objeto de proteção de tutela por Habeas Corpus, mas sinalizam algo que interfere decisivamente na avaliação da existência de indícios de autoria.
"Se após essa providência, que é gravosa — não tanto quanto outras —, nem assim o Ministério Público reuniu elementos suficientes para, nos quatro anos seguintes, oferecer uma denúncia, evidentemente que há injustificável atraso", disse.
"No caso da pessoa investigada, é o patrimônio imaterial que traz a maior angústia", apontou o ministro Antonio Saldanha Palheiro. "Para a sociedade, é a mesma coisa se ele está sendo investigado ou já processado. É suspeito de prática delitiva. O dano ao patrimônio imaterial é inegável. Qual é remédio mais célere? É o Habeas Corpus", acrescentou.
Ao votar, o ministro Sebastião Reis Júnior fez a mesma avaliação. "Há uma ideia de que não há nenhum ônus ao investigado. Só o fato de existir uma investigação já é um peso sobre qualquer pessoa. Dormir e acordar sabendo que está sendo investigado', disse. "E, nesse caso, todo mundo sabe, foi parar no jornal. Pela dimensão, tem que haver um cuidado maior do Ministério Público e da Polícia Federal para acelerar e dar um fim ao inquérito", concluiu.
RHC 135.299