Competência cível

Decisão de acesso de Lula a cooperação da "lava jato" com os EUA não é penal, diz STJ

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18 de novembro de 2020, 10h28

A competência para decidir, em mandado de segurança, sobre o pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para acessar pedidos de cooperação internacional formulados entre as autoridades brasileiras e americanas, tendo por foco as ações penais da “lava jato”, não é do juízo criminal.

Gustavo Lima/STJ
Relator, ministro Herman Benjamin não conheceu do conflito de competência
Gustavo Lima/STJ

A conclusão foi alcançada por unanimidade pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que na manhã desta quarta-feira (18/11) não conheceu do conflito de competência suscitado pela União. Assim, a análise do pedido será feita pela 1ª Seção do tribunal, que julga matéria de Direito Público. O relator é o ministro Sérgio Kukina.

No caso concreto, um mandado de segurança foi impetrado porque o Ministério da Justiça se negou a fornecer informações pedidas pela defesa de Lula sobre a cooperação internacional. O entendimento da União é de que seria necessária autorização judicial para prestar as informações, já que materialmente os acordos advêm de processos judiciais criminais.

Relator do conflito, o ministro Herman Benjamin apontou sua inexistência por dois fatores. Primeiro, porque se busca acesso a documentos em posse de autoridade administrativa, matéria adstrita à 1ª Seção. E segundo, porque o mesmo pedido não foi feito no juízo criminal.

“Fica ressalvada a hipótese de o juízo com competência chegar à conclusão, no mandado de segurança, de que há risco à investigação e que, portanto, a negativa de deferimento do pedido se justificaria na perspectiva da proteção do interesse público”, ressaltou o ministro Herman Benjamin, seguido à unanimidade.

Precedente perigoso
A União manifestou preocupação com o precedente porque a cooperação jurídica internacional é apenas um meio de troca de informação entre as autoridades, enquanto o sigilo das mesmas é determinado pelo magistrado competente para julgar a demanda. Assim, não caberia à administração pública definir se esse sigilo deve ou não ser levantado.

Ricardo Stuckert - Divulgação
Defesa de Lula quer saber se interação entre "lava jato" e FBI foi mediada pelo DRCI
Ricardo Stuckert – Divulgação

Com a competência da 1ª Seção, será possível ao julgador cível determinar se a ordem judicial de sigilo do julgador criminal deve ser levantada pela administração pública. Não se deve falar em aplicação da Lei de Acesso à Informação, porque a matéria de fundo é essencialmente criminal, segundo o diretor do Departamento de Assuntos Internacionais da Advocacia-Geral da União, Homero Andretta Junior.

“Esse caso pode ensejar precedente bastante negativo e termos de como o sigilo vai ser tratado em processos criminais. Poderemos ter investigações sob sigilo e que devem ser mantidas assim, sob risco grave de que esse sigilo venha a ser quebrado na esfera administração porque se invoca o descumprimento da Lei de Acesso à informação, quando na verdade é necessidade que decorre de legislação processual e aplicada pelo Judiciário”, disse.

Direito ao acesso
O pedido da defesa de Lula, representada no caso pelo advogado Cristiano Zanin, visa o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça com atuação prevista em lei nos acordos de cooperação internacional e que deve explicações em relação aos atos que pratica ou deixa de praticar.

A informação sobre eventual atuação do DRCI em cooperação internacional entre lava jato e autoridades norte-americanas é importante porque a inexistência desses registros implicará na inobservância do Decreto 3.810/2001, o acordo que prevê essa cooperação entre os países e que exige atuação do DRCI como autoridade central.

Emerson Leal
Ministro Sérgio Kukina é relator do mandado de segurança impetrado por Lula
Emerson Leal

Se isso se confirmar, abre-se a hipótese de nulidade de quaisquer atos de cooperação que não tiveram a intermediação do DRCI. E como mostrou a ConJur, não são poucos os pontos de intersecção entre o grupo de procuradores de Curitiba e as autoridades americanas.

Até o momento, o mandado de segurança tinha liminar conferida pelo ministro Sérgio Kukina para que o Ministro da Justiça informasse sobre a existência ou não de pedido de cooperação internacional formulado por autoridade brasileira ou americana com base no acordo no decreto 3810/2001. A liminar foi suspensa até o julgamento do conflito de competência e não chegou a ser cumprida.

Investigação defensiva
Além da Lei de Acesso à Informação, o pedido da defesa de Lula no Provimento 188/2018 do Conselho Federal da OAB, que regulamenta o exercício da prerrogativa de realização de diligências investigatórias para instrução em procedimentos administrativos e judiciais.

Assim, os advogados podem solicitar a órgãos públicos e privados informações que possam ser do interesse da sua atuação profissional, para levar ou não aos processos que estão sob a sua atuação.

“Vincular essa técnica a qualquer processo judicial específico seria tornar ineficaz essa técnica, seria aniquilar regramento da OAB que em tão boa hora instituiu essa técnica para que o advogado possa exercer a profissão na sua plenitude e assegurar ao constituente o direito à ampla defesa na extensão prevista na Carta da República”, apontou Cristiano Zanin.

CC 174.706
MS 26.627

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