Opinião

Winston Churchill, as eleições no Brasil e a promessa do mal

Autor

  • Geraldo Prado

    é investigador do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e do Ratio Legis — Centro de Investigação de Desenvolvimento em Ciências Jurídicas da Universidade Autónoma de Lisboa professor visitante da Universidade Autónoma de Lisboa advogado criminal e autor de livros e artigos sobre processo penal.

23 de outubro de 2018, 19h07

Recentemente, um amigo lembrou resposta atribuída a Churchill, quando um jornalista lhe perguntou, terminada a guerra, se ele também havia sido surpreendido por Hitler. 

Churchill de pronto respondeu que não, "afinal, Hitler apenas cumpriu o que havia prometido por escrito em Mein Kampf (Minha Luta)".

No Brasil, também não há lugar e tempo para surpresas:

1. O candidato do campo da extrema direita em duas oportunidades prometeu fuzilar FHC;

2. No domingo (21/10), prometeu colocar na cadeia todos os esquerdistas que não venham a fugir do país;

3. Seu filho declarou que não aceita resultado eleitoral que não consagre o mito criado em torno de quem até há pouco era considerado uma personagem folclórica na política, radical no discurso, mas sem potencial para a ação;

4. A declaração acima veio em meio a uma sarcástica ameaça, um desafio ao STF, com direito a citar nomes de ministros: bastam um cabo e um soldado para fechar o STF;

5. No âmbito da campanha eleitoral e entre eleitos pela extrema direita, no entanto, essa não foi a primeira vez que ameaçaram fechar o STF, tampouco ignorar o Congresso;

6. Um deputado de ultradireita igualmente ameaçou os ministros e o candidato a vice-presidente afirmou que é possível dispensar o Congresso na elaboração de uma nova Constituição (como em 1969);

7. O presumido responsável pela área econômica da candidatura de extrema direita prometeu, se vier a ocupar o cargo que já foi de Zélia Cardoso de Mello, o de ministro da Economia, extinguir os subsídios agrícolas. Na França, os agricultores já teriam parado o país;

8. O fim dos subsídios agrícolas impactaria toda a economia brasileira, em um efeito em cadeia, atingindo o câmbio e, consequentemente, a inflação, os juros, a capacidade de produção industrial e, na mesma toada, o emprego;

9. A promessa explícita do candidato à Vice-Presidência pela extrema direita, de extinguir o 13º salário e o adicional de férias, não é tão impossível de cumprir, como alguns supõem;

10. Com efeito, o governo Temer facilitou a execução do plano de (suposta) desoneração da folha de pagamento ao ampliar ao infinito os casos de terceirização, trabalho precário e contratação de pessoas como se fossem empresas ou cooperativas (técnicas conhecidas como "pejotização" e "fraudo-cooperativas");

11. Da mesma forma, o eventual ministro da Casa Civil de um suposto governo de extrema direita adiantou que eliminará 80% dos cargos comissionados no serviço público federal, coerente com a proposta de fim da estabilidade. A mutação constitucional dá conta de solucionar juridicamente eventual dúvida sobre a inconstitucionalidade da medida;

12. O projeto de enxugamento da máquina pública explicitamente objetiva reduzir o peso das pensões, benefícios e aposentadorias, excetuando por motivos óbvios às pertinentes aos militares;

13. Isso seria inevitável. Como se observa na Espanha, por exemplo, que até ontem aplicava modernamente o receituário prometido pela extrema direita brasileira, a drástica redução da receita e a ampliação da dívida pública pelos acréscimos a título de juros, necessários ao seu financiamento, cobram algum tipo de restrição que em geral é imposta aos que, segundo essa ótica, são improdutivos: os aposentados;

14. A promessa de favorecer a morte de criminosos pela polícia, para além do evidente apelo emocional que causa no debate político, escora o projeto de conferir mais autonomia à polícia, limitando a intervenção do "sistema de Justiça", tratado como estorvo;

15. Promete-se especialmente à polícia autonomia contra texto da Constituição, de sorte a que essa polícia seja a força auxiliar do regime político que se pretende instaurar. O cabo e o soldado poderão fechar o STF porque receberão ordens diretamente do Executivo, à revelia do Ministério Público e do Judiciário.

Tudo isso está prometido — e muito mais, como a privatização e precarização completa da educação e da ciência. Tudo está escrito e é dito às claras. 

As liberdades estão concretamente limitadas. A violência é realidade. Os mortos e agredidos por psicopatas da ultradireita aumentam em número, diariamente, em medida maior do que aumenta o volume do ódio anunciado. 

Mulheres e homens receiam sair com bottom da campanha adversária e roupas vermelhas. Gente é agredida por se recusar a receber o plástico com o dístico 17.

Se me perguntarem, num futuro possível, se me surpreende a violência e a destruição da sociedade brasileira, de pronto responderei que não,
"afinal, ele apenas cumpriu o que havia prometido por escrito em seu programa de campanha".

Mente a si próprio quem pensa diferente. 

Autores

  • é sócio da Geraldo Prado Consultoria Jurídica, desembargador aposentado do TJ-RJ e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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