Para o mesmo crime, o juiz federal Marcelo Bretas aplica penas que variam 273%
10 de agosto de 2018, 17h00
Para ganhar mais visibilidade que alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, aperfeiçoou o manual de técnicas do marketing judicial. Do arsenal, sua pièce de résistance é um critério peculiar para a dosimetria de penas: quanto mais famoso o réu, maior a pena. Ou algo parecido com isso.
Gerente da franquia da “lava jato” no Rio de Janeiro, Bretas sentenciou, até agora, 53 réus. Uma comparação entre as penas aplicadas em quatro processos (0100511-75.2016.4.02.5101, 0501634-09.2017.4.02.5101, 0509503-57-2016.4.02.5101 e 0015979-37.4.02.5101) revela diferenças de dosimetria de até 273% para os mesmos crimes.
É o caso, por exemplo, de Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sérgio Cabral. Condenada na operação “eficiência” — Ação Penal 0015979-37.4.02.5101 — por sete atos de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998, artigo 1º), recebeu pena de oito anos de reclusão. Já o réu Thiago de Aragão Gonçalves Pereira e Silva, condenado no mesmo processo por 19 atos de lavagem, pegou dois anos e oito meses.
Em outro processo, fruto da operação “mascate” — Ação Penal 0501853-22.2017.4.02.5101 —, Adriana recebeu pena de dez anos e oito meses de reclusão, e mais 426 dias-multa, pela imputação de quatro atos de lavagem de dinheiro. Pelas mesmas condutas, Luiz Paulo Reis foi condenado a cinco anos a dez meses, além de 200 dias-multa.
Em uma das sentenças, Bretas lista justificativas para a diferença em relação a Adriana: “Usufruiu como poucas pessoas no mundo os prazeres e excentricidades que o dinheiro pode proporcionar”, “desfilou com pompa ostentando o título de primeira-dama” e “empenhou sua honorabilidade para seduzir empresários a falsear operações empresariais e promover atos de lavagem”. Também devido à “mensagem depreciativa que passa ao mundo, associando a imagem deste estado a práticas hodiernamente repudiadas no mundo civilizado” e por “macular a imagem da advocacia nacional”.
Veja exemplos de diferenças de penas:
Réu |
Crime |
Atos |
Pena |
---|---|---|---|
Sérgio Cabral |
lavagem de dinheiro |
184 |
15 anos |
Sérgio Cabral |
lavagem de dinheiro |
10 |
13 anos |
Adir Assad |
lavagem de dinheiro |
224 |
8 anos e 4 meses |
Sandra Maria Malagó |
lavagem de dinheiro |
28 |
4 anos |
Álvaro Novis |
lavagem de dinheiro |
19 |
8 anos |
Olavinho Ferreira Mendes |
lavagem de dinheiro |
6 |
8 anos |
Othon Pinheiro |
corrupção |
4 |
19 anos |
Wilson Carvalho |
corrupção |
2 |
21 anos |
Hudson Braga |
corrupção |
1 |
10 anos |
As maiores punições do juiz, que também são as maiores da “lava jato” até agora, foram para os nomes de maior grife: o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (pena maior que 100 anos), o empresário Eike Batista (pena de 30 anos) e o almirante Othon Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear (pena de 43 anos). Sérgio Cabral foi deputado, senador e governador no Rio por mais de duas décadas; o empresário Eike Batista é fundador de multinacionais que chegaram a valer quase R$ 100 bilhões; o almirante Othon Pinheiro é um réu de 77 anos que tornou possível o enriquecimento de urânio no Brasil. No script, prisões com correntes nas mãos e nos pés e cobertura em tempo real por grandes redes de TV.
A percepção de criminalistas sobre os critérios de Bretas tem sido a sua falta. “O que se vê é um alto grau de subjetividade, de desproporção. Alguns réus tiveram as maiores condenações da ‘lava jato’ sem que a conduta apontada tenha sido diferente da dos demais”, diz um deles.
Administração judicial
Administrador de bilhões em valores e bens apreendidos, o juiz tem se ocupado, sozinho, de alugar imóveis, leiloar veículos e destinar dinheiro para a Polícia, por exemplo. Enquanto zela pelos bens, Bretas ainda tem de decidir sobre o futuro de réus de renome. E tem caído em contradições ao adotar penas até 350% diferentes em relação a condutas idênticas, a depender do réu.
Cuidar dos bens de uma clientela abastada tem ocupado o tempo do titular da 7ª Vara Federal, que despacha até sobre os aluguéis de cada um dos imóveis confiscados. O apartamento da família Cabral no Leblon, por exemplo, foi alugado por R$ 25 mil ao mês, indo R$ 19,6 mil mensais para o proprietário, R$ 5,4 mil para o condomínio e R$ 700 anuais para o IPTU, contou o jornal O Globo.
Em junho, ele disponibilizou, para o Gabinete de Intervenção Federal no Rio R$ 1,132 milhão do dinheiro sob os cuidados da vara, para que fossem comprados equipamentos para a Polícia Civil do estado — do que a própria Justiça Federal se ocupou, segundo o jornal Extra.
Também em junho, o Centro Cultural da Justiça Federal pediu ao juiz, para custear uma mostra, R$ 18,3 mil dos valores recuperados pela “lava jato”. Ao ser informado, o presidente do TRF-2, André Fontes, censurou a atitude. À ConJur disse ter como “princípio intransigível o de que não é possível à administração receber recursos oriundos das partes das ações em tramitação ou julgadas pela Justiça Federal da 2ª Região”.
Além dos valores apreendidos, a conta judicial da vara recebe depósitos de multas impostas em condenações e do pagamento de fianças por réus com prisão preventiva decretada. O banqueiro Eduardo Plass, por exemplo, preso no início do mês, pagou R$ 90 milhões esta semana para ser solto. Plass é acusado de participar do esquema de ocultação de bens de Sérgio Cabral, diz o portal G1.
Há um ano, o inventário de confiscos da “lava jato” no Rio reunia 254 imóveis, duas aeronaves e 24 embarcações, segundo noticiou O Estado de S. Paulo. Pelo menos R$ 1 bilhão também foi confiscado dos acusados de compra de votos para a escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016, entre eles o ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman.
De Eike Batista, o juiz bloqueou outros R$ 900 milhões em investigações da “lava jato”. Em 2016, Bretas já havia bloqueado R$ 1 bilhão de Sérgio Cabral, da multinacional Michelin e de seus executivos, devido a acusações de concessão ilegal de incentivos fiscais.
Os funcionários da 7ª Vara Federal do Rio não suportaram tamanho grau de envolvimento na administração dos bens e o juiz pediu à Presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em maio, um reforço no quadro. A ideia é criar um setor específico para gerir os imóveis de investigados na “lava jato”.
Mercado
Tamanha exposição e tantas atribuições têm evidenciado as contradições. Em palestra dada a estrangeiros no ano passado, em um fórum promovido no Tribunal Superior Eleitoral, o juiz comparou crimes de corrupção a genocídios e disse que “o Poder Judiciário precisa ouvir as ruas”.
Mas o erário ficou em segundo plano quando Bretas decidiu brigar contra uma resolução do Conselho Nacional de Justiça pelo recebimento dobrado de auxílio-moradia — benefício pago a magistrado que não tem imóvel nem reside na cidade onde trabalha. Devido a uma falha processual da Advocacia-Geral da União, ele ganhou uma ação que o autorizou a receber, ao todo, R$ 8.756 mensais como auxílio para si e também para a mulher Simone Diniz Bretas, que também é juíza. Somados, os salários de ambos chegam a R$ 90 mil. Ao todo no Brasil, o auxílio-moradia custa R$ 2 bilhões por ano aos cofres federais. Bretas ainda pediu segurança particular e carro blindado pagos pelo TRF-2, segundo a revista Istoé.
O patrimônio dos Bretas em imóveis é de R$ 6,4 milhões, noticiou a revista Piauí em janeiro. A casa onde mora o casal, de 430 m² e quatro suítes, no bairro do Flamengo e com vista para o Pão de Açúcar, já apareceu em uma revista de arquitetura e design de interiores. Imóvel semelhante foi anunciado em um site de locações com diárias de R$ 4 mil, segundo a colunista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo. Outro imóvel do casal é alugado para o banco Bradesco por R$ 10.865,80 mensais, valor que o juiz tentou dobrar na Justiça antes do prazo contratual de revisão, mas perdeu a ação.
A Lei de Licitações também foi relativizada para que o pai de Marcelo Bretas, Adenir de Paula Bretas, recebesse R$ 338,4 mil em aluguéis de oito salas comerciais para o Ministério Público do Rio. O contrato foi celebrado sem licitação em maio de 2017 devido à “singularidade do imóvel”, segundo informou o órgão à Revista Fórum, e que o órgão não sabia que Adenir é pai do juiz.
O entendimento de Bretas sobre imóveis o levou a ordenar o leilão antecipado de seis apartamentos de Ary Ferreira da Costa Filho, agente fiscal acusado, na operação “mascate”, de participar do esquema de corrupção de Sérgio Cabral. Ele justificou a decisão afirmando que “o mercado imobiliário atravessa momentos de incerteza no cenário nacional” e que “os valores médios dos imóveis na cidade do Rio de Janeiro vêm decrescendo desde a deflagração da operação”.
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