Dever de motivar

Concurso para professor titular da USP é anulado

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28 de abril de 2011, 20h00

Por 32 votos a 16, a Congregação da Faculdade de Direito da USP anulou o concurso público para escolha do professor titular de Direito Tributário da instituição, feito em outubro de 2010. O colegiado confirmou o relatório da professora titular Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem a indicação feita pelos membros da banca tem de ser motivada de forma explícita. A decisão é importante para pacificar o dever de motivar como critério para as indicações da comissão julgadora.

Após pedidos de vista dos professores Elival da Silva Ramos (atual procurador-geral do estado de São Paulo) e Miguel Reale Junior, o recurso do professor Heleno Taveira Torres voltou à pauta da congregação nesta quinta-feira (28/4). Ele pedia a nulidade do relatório da banca examinadora e sua não homologação, alegando falta de motivação na escolha do professor catedrático da Universidade de Coimbra, Diogo Leite de Campos, pelo candidato Humberto Bergmann Ávila, vencedor do certame.

Segundo Torres, houve violação ao artigo 4º da Constituição do estado de São Paulo e ao artigo 8º da Lei Estadual 10.177/98, que determinam que as decisões sejam motivadas. Ao apresentar suas alegações, o professor Humberto Ávila afirmou que a legislação não exige a motivação das indicações individuais dos examinadores e que houve "evidente motivação". Ele citou ainda o princípio utile per inutile non vitiatur, que permitiria à Congregação, no caso de reconhecer a nulidade de sua indicação por falta de motivação, aplicar o artigo 161, parágrafo 3º, do Regimento Geral da USP, que permite que o colegiado use outro critério para o desempate, no caso a média geral, que garantiria a vaga a Ávila da mesma forma. A média de Heleno Torres ficou em 9,44. Humberto Ávila atingiu média de 9,59.

A sessão que avaliou o recurso durou cerca de duas horas. Ao afirmar em seu voto que não houve qualquer tipo de motivação na escolha de Campos, uma vez que ele não expôs as razões que o levaram a sua decisão, a relatora pontuou que a motivação é obrigatória do ponto de vista jurídico. O voto cita ainda trecho da tese sobre discricionariedade administrativa que garantiu a Maria Sylvia o cargo de professora titular de Direito Administrativo: "A motivação é necessária tanto para a verificação da existência ou veracidade dos motivos invocados, como para verificação da adequação entre os motivos e o resultado obtido".

O professor Régis Fernandes de Oliveira, chefe do Departamento de Direito Econômico-Financeiro, leu seu voto seguindo a linha da relatora. Do lado oposto, os professores Miguel Reale Junior e Elival da Silva Ramos entenderam que houve motivação implícita por parte de Campos. Porém, os argumentos não foram suficientes para convencer a maioria.

"A decisão é muito importante, por respeitar o artigo 4ª da Constituição do estado de São Paulo, que determina que todo procedimento administrativo tem como princípio o despacho das decisões motivadas. Além disso, a decisão da Congregação também se incorpora à cultura jurídica do dever de motivar. Em um Estado Democrático de Direito, esse ponto tem de ser observado", destacou Torres.

Agora, de acordo com o regimento da universidade, o Conselho Universitário da USP, maior órgão deliberativo da universidade, deve apreciar a decisão da congregação. Caso a nulidade seja confirmada, o concurso está extinto administrativamente e a Faculdade de Direito deverá iniciar um novo processo seletivo. Não há um prazo para que o conselho aprecie a decisão da congregação.

O concurso
O concurso para escolha do professor titular de Direito Tributário do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da USP foi feito nos dias 25 a 28 de outubro de 2010. Concorreram Torres, Ávila e o professor da USP Estevão Horvath. O professor titular da USP Hermes Marcelo Huck, que presidiu a comissão, e o professor Luiz Edson Fachin, da Universidade Federal do Paraná, indicaram Heleno Torres. Já Eros Grau (ministro aposentado do Supremo), também da USP, e Cesar Saldanha de Souza Junior, titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, indicaram Humberto Ávila.

Campos atribuiu a mesma nota a Torres e Ávila. Dessa forma, o presidente da banca pediu que ele optasse por um dos dois, uma vez que o Regimento Geral da USP não prevê a possibilidade de não haver indicação. O professor, então, citou o nome de seu indicado, sem destacar os motivos ou justificativas, a partir dos critérios previstos no Edital do concurso ou pela legislação regente, de sua escolha.

Antes deste caso, o último concurso anulado pela Congregação da Faculdade de Direito foi o da banca que aprovou o professor Miguel Reale, em 1940. A decisão teve cunho política. Em seu livro Destinos Cruzados, o jurista conta que havia uma preferência por um catedrático tomista, porém, ele seguia a linha neo-kantista. Com a anulação de seu concurso, Reale recorreu administrativamente da decisão ao interventor. Este, por sua vez, consultou Getúlio Vargas, que mandou que fosse lavrada a nomeação de Reale. Ele assumiu a cátedra de Filosofia de Direito da USP e só se aposentando em 1980, aos 70 anos.

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