Guerra dos canudos

Candidato questiona escolha de professor da USP

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24 de fevereiro de 2011, 10h02

A Congregação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) vai avaliar, nesta quinta-feira (24/2), a partir das 13h30, o recurso apresentado pelo professor associado Heleno Taveira Torres contra decisão da comissão julgadora do concurso para professor titular de Direito Tributário do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da USP, em outubro de 2010. A relatora do recurso é a professora titular Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

A expectativa em relação à decisão da assembleia é grande. Torres pede que seja reconhecida a nulidade do relatório, bem como sua não homologação. Alega  desobediência ao artigo 4º da Constituição do Estado de São Paulo e ao artigo 8º da Lei Estadual 10.177/98, pelo fato de o professor catedrático da Universidade de Coimbra, Diogo Leite de Campos, que participou da banca, não ter motivado sua escolha pelo candidato Humberto Bergmann Ávila, que venceu o certame.

O professor destacou, ainda, que o dever de motivação em concursos públicos está determinado no artigo 37 da Constituição e também no artigo 93, incisos IX e X, que exigem, respectivamente, que sejam “fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” e que “as decisões administrativas dos tribunais sejam motivadas”. Em atenção ao princípio de eficiência da administração pública, o professor pede que seja aberto novo concurso público de provas e títulos para provimento do cargo de professor titular de Direito Tributário.

O concurso
O concurso público foi feito dos dias 25 a 28 de outubro do ano passado. Além de Torres e Ávila, também concorreu o professor da USP Estevão Horvath. Após a defesa da tese dos candidatos, do exame de memorial e da prova de erudição, foram abertos os envelopes lacrados com as notas atribuídas pelos examinadores. O professor titular da USP Hermes Marcelo Huck, que presidiu a comissão, e o professor Luiz Edson Fachin, da Universidade Federal do Paraná, indicaram Heleno Torres. Já Eros Grau, também da USP, e Cesar Saldanha de Souza Junior, titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, indicaram Ávila. Coube então o desempate a Campos.

O problema é que o catedrático de Coimbra atribuiu a mesma nota aos dois candidatos. Dessa forma, o presidente da banca solicitou que ele optasse por um dos dois, uma vez que o Regimento Geral da USP não prevê a possibilidade de não haver indicação. O professor limitou-se, segundo o recurso de Torres, a citar o nome de seu indicado, sem destacar os motivos ou justificativas, a partir dos critérios previstos no Edital do concurso ou pela legislação regente, de sua escolha.

“(…) de acordo com os meus critérios e os meus parâmetros de avaliação, se for de 0 a 10, 9 é nota máxima e se for de 0 a 20, 18 é a nota máxima. Nunca dei, e na Faculdade de Direito de Coimbra, nos últimos setecentos anos, nunca se deu… nunca, ninguém deu mais de 18. 18 é o máximo. Pronto. De maneira que eu preciso, como parâmetro, único parâmetro é 9. Nove é a expressão da mais alta consideração e apreço que posso indicar a alguém. Sabendo que esta pessoa, apesar de tudo, não é perfeita. Pronto. Nem nunca seria perfeita. Ora bem, mas neste momento, eu tenho de fazer uma coisa que nunca quis fazer, ou seja, ser juiz… Tenho de escolher um dos candidatos. E o candidato que vou escolher é o Dr. Humberto Ávila”, cita o recurso, com base na transcrição do concurso.

De acordo com o Regimento Geral da USP a “indicação” deve ser feita ao candidato segundo as notas atribuídas individualmente pelo examinador. Porém, o professor Heleno Torres alega que, quando as notas são idênticas para dois candidatos, a indicação deve ser acompanhada da motivação. “O dever de ‘indicar’ pressupõe, inexoravelmente, o dever de motivar”, diz o recurso.

Em entrevista à ConJur, Torres afirmou que a motivação é extremamente importante para dar validade ao ato administrativo. “Não há como haver controle administrativo por meio de critérios subjetivos. Se até despacho deve ser motivado, segundo a Constituição de São Paulo, por que a escolha para cargo de professor titular numa das mais importantes instituições públicas de ensino do país não seria?”. No recurso, o professor também destaca que houve violação aos princípios de impessoalidade e da moralidade, o que implica a nulidade do ato, uma vez que Campos fez sua indicação, sem motivação, após saber das notas e das escolhas dos outros examinadores. “Essa atitude fere de morte a neutralidade e a individualidade das indicações, rompe com o princípio de impessoalidade e descumpre inteiramente todas as regras regimentais pertinentes à atribuição e classificação mediante notas”.

O recurso de Torres cita parecer de 15 de março de 2004 da própria relatora, professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em relação à orientação dos examinadores: “devem desempatar as notas dos candidatos ou fazer a indicação por critério diverso, devidamente justificado, hipótese em que a mesma deve constar de relatório parcial inserido em envelope fechado a ser aberto no momento da abertura dos envelopes e divulgação do resultado final do concurso”.

A avaliação
De acordo com o Regimento Geral da USP a indicação para cargo de professor titular deve ser feita ao candidato segundo as notas atribuídas individualmente pelo examinador. Precedentes apontados pelo professor em seu recurso dão conta de que tem sido aceita, em caso de empate, a indicação ser feita por outro critério que não o da nota, desde que essa indicação seja devidamente justificada.

Em um deles, em que concorreram quatro candidatos para vaga na Faculdade de Medicina e que todos receberam média dez dos examinadores, a indicação foi feita individualmente e motivada por ato escrito de cada um deles, resultando na escolha de um dos candidatos, que obteve três indicações. Ao analisar recurso interposto no caso, a Comissão de Legislação e Recursos e o Conselho Universitário entenderam que é possível a indicação do candidato por outro critério que não a nota, na hipótese em que o examinador dê nota idêntica a dois ou mais candidatos, com motivação. “Tal entendimento foi mantido na esfera judicial, em primeira instância (em decisão proferida em 11-9-92, pela MM. Juíza da 12ª Vara da Fazenda Pública – Processo nª 912/92) e no Tribunal de Justiça, na Apelação Cível nº 194.550-1/5”, destaca o recurso.

O recurso afirma, ainda, que não foi considerada a diferença quantitativa e qualitativa das atividades acadêmicas e de produção intelectual entre os candidatos. No quesito produção científica, que tem peso 3, Torres possui 17 livros publicados, 33 artigos completos em periódicos e 64 capítulos de livros publicados. Ávila, no entanto, possui cinco livros, com sete reedições; 24 artigos e 20 capítulos publicados.

Para Torres, Campos descumpriu o Regimento Geral da USP ao não diferenciar os candidatos, dando nota máxima 9 a todos, e ao não examinar os títulos, segundo pesos diferenciados. “Esse tipo de atitude, aceita como praxe em nossos concursos, e os demais examinadores fizeram o mesmo (com atribuição da nota 10 – dez), é extremamente perversa com os professores que dedicam seu tempo e produção científica à pesquisa, à extensão e ao ensino na Faculdade, ou mesmo à gestão administrativa dos órgãos e comissões”.

A suspeição
Torres também questionou a participação do professor César Saldanha de Souza Júnior. Segundo o recurso, o titular da UFRGS não poderia participar da banca por motivo de suspeição, uma vez que há diferenças e rusgas pessoais entre ele e Ávila, por conta de disputas internas na universidade gaúcha. Para Torres, ao indicar Ávila, Saldanha teria inconscientemente, a intenção de “exportar o problema” para a USP. Heleno Torres só não impugnou a indicação do titular da UFGRS por falta de tempo hábil. Saldanha era o penúltimo em uma lista de sete suplentes aprovados pela Congregação, somente participando após a desistência dos demais.

Dessa forma, Torres invocou o artigo 12 do Código de Ética da USP, que afirma que “nenhum servidor docente ou não docente devem participar de decisões que envolvam a seleção, a contratação, promoção ou rescisão de contrato, pela Universidade, de membro de sua família ou de pessoa com quem tenha relações que comprometam julgamento isento”.

Motivações posteriores
Ao ser obrigado a se colocar na posição de juiz, Diogo Leite de Campos optou pelo candidato do Sul em detrimento daquele que já é da casa. Heleno Taveira Torres é professor associado de Direito Tributário da USP desde 2003 e desempenha várias atividades administrativas na faculdade.

As versões sobre os motivos que levaram Campos a optar por Ávila são diversas. Uma delas é de que o português não sabia que não poderia atribuir notas iguais aos candidatos e que, devido ao empate, decidiu seguir o decano – o ministro Eros Grau –, como acontece na Universidade de Coimbra. Em outra, teria afirmado que foi orientado a dar notas iguais aos dois candidatos, pois todos fariam assim, tendo constatado depois que fora enganado. Ele teria afirmado também que nem precisaria pedir perdão no dia seguinte por ter feito qualquer injustiça, já que também fora enganado.

Clique aqui para ler o recurso.

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