Disputa pela PGR

"Direito Penal é instrumento de proteção de direitos humanos"

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26 de junho de 2017, 13h30

A subprocuradora-geral da República Raquel Dodge afirma que o Ministério Público Federal deve não só “debelar” esquemas de corrupção como também cuidar de políticas públicas e atuar contra o chamado custo Brasil – entraves estruturais e econômicos do país. “Ninguém deve estar imune à lei penal, caso cometa alguma infração; e ninguém deve ficar privado de serviços públicos essenciais”, afirma Raquel, que em 2015 ficou em terceiro lugar na disputa pela Procuradoria-Geral da República.

Novamente candidata, é dos oito interessados na cadeira hoje ocupada por Rodrigo Janot. A revista eletrônica Consultor Jurídico publicou entrevista com todos eles, com as mesmas questões, por ordem de resposta aos e-mails enviados pela reportagem.

Associação Nacional dos Procuradores da República / ANPR
Raquel Dodge é mestre pela Universidade Harvard e coordenou 2ª Câmara de Coordenação do MPF (criminal).
ANPR

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) fará consulta ao MPF na terça-feira (27/6), para enviar lista tríplice ao presidente Michel Temer (PMDB). A elaboração dessa lista acontece desde 2001 e tem sido seguida desde 2003, no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), embora o Planalto tenha livre escolha.

Raquel declara atuar “sob a diretriz de que o Direito Penal é instrumento de proteção de direitos humanos”. Afirma ainda que, para o MPF cumprir o que a população espera, é necessário ampla defesa do orçamento da instituição e da remuneração de seus membros e servidores. Se escolhida, planeja pedir que o Congresso envie ao próprio MPF a gestão de recursos para fiscalização das eleições, juntamente com MPs estaduais. Hoje, as verbas são transferidas do orçamento do Judiciário.

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Bacharel em Direito pela UnB e mestre em Direito pela Universidade Harvard, a subprocuradora-geral ingressou no MPF em 1987, atuou nos processos do “mensalão do DEM” no Distrito Federal e hoje é membro suplente da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, responsável por temas envolvendo consumidor e defesa da ordem econômica. Também integrou a 6ª Câmara (populações indígenas e comunidades tradicionais), na época de sua implantação, e comandou a 2ª Câmara (criminal) até 2014, período em que o MPF passou a investir em ações penais contra agentes de repressão no regime militar.

Em 2015, durante evento em Brasília, afirmou que aplicar penas idênticas a traficantes com quantidades muito diferentes de uma mesma droga sugere “elevado grau de autonomia judicial”. Membro do Conselho Superior do MPF, foi criticada por Janot neste ano ao defender critérios no recrutamento de procuradores a forças-tarefas, grupos de trabalho e assessorias no gabinete da PGR, para não desfalcar procuradorias locais.

Leia a entrevista:

ConJur — Por que a senhora quer ser procuradora-geral da República?
Raquel Dodge —
Porque me sinto responsável e posso colaborar. Quero prestar este serviço público ao país. O Brasil é rico, mas é injusto. Há uma imensa parte da população que é marcada pela desigualdade. Carece de acesso a serviços públicos essenciais e tem vários outros direitos cotidianamente violados. O meio ambiente e os povos indígenas precisam de proteção especial, a ser defendida pelo MPF. De outro lado, a corrupção tornou-se sistêmica e precisa ser debelada, porque se apropria das verbas que financiam serviços essenciais. É preciso consolidar o trabalho feito pela “lava jato”, de modo a fazer a lei valer para todos, com resultados concretos e celeremente. Atuo sob a diretriz de que o Direito Penal é instrumento de proteção de direitos humanos, aqueles que são, justamente, os mais importantes.

Como credencial, apresento-lhes uma carreira de quase 30 anos de efetivo trabalho nas áreas cível e criminal, em casos de grande repercussão na imprensa e na sociedade. Fui coordenadora criminal por quatro anos; procuradora federal dos Direitos do Cidadão adjunta por outros quatro anos; atuei na defesa de povos indígenas e minorias por cerca de 10 anos e estou no terceiro mandato no Conselho Superior do MPF, sempre eleita pelo Colégio de Procuradores. Agirei com celeridade e para produzir resultados concretos.

ConJur — Quais principais problemas atuais da PGR a senhora pretende solucionar, caso escolhida?
Raquel Dodge —
O Ministério Público tem duas missões constitucionais de igual relevância: a função criminal e a função de defesa de direitos humanos e do regime democrático. Minha agenda de trabalho visa assegurar que ninguém esteja acima da lei e ninguém esteja abaixo da lei. Em outras palavras, ninguém deve estar imune à lei penal, caso cometa alguma infração; e ninguém deve ficar privado de serviços públicos essenciais, de um meio ambiente saudável, nem de direitos fundamentais.

Essas duas principais funções precisam contar com o mesmo apoio interno e a estrutura adequada, para que produzam resultados céleres, com base na lei. A corrupção deve ser enfrentada ao ponto de ceder espaço à gestão pública eficiente e honesta. A corrupção fere o princípio da separação entre a coisa pública e a coisa privada, que é da essência do estado republicado, e impede que os serviços essenciais sejam prestados ou tenham qualidade. É preciso cuidar do meio ambiente, para proteger a floresta, garantir sustentabilidade e reduzir a emissão de gás carbônico. É preciso atuar para reduzir o custo Brasil, para que a infraestrutura e a energia sejam de melhor qualidade, os serviços de transporte não encareçam os produtos e os empreendedores gerem mais trabalho e renda. Além disso, é preciso cuidar das políticas públicas para os povos indígenas e as minorias; resgatar da miséria e da falta de melhores oportunidades milhões de pessoas que sofrem por falta de acesso a serviços essenciais de saúde, educação, saneamento e infraestrutura.

Fortalecerei a função eleitoral, em defesa do regime democrático. Para promover melhor integração com os Ministérios Público estaduais, solicitarei ao Congresso Nacional que autorize a migração das verbas federais que financiam o trabalho do MPF e dos MPs estaduais, transferindo-as do orçamento do Poder Judiciário para o do MPF, sem qualquer aumento de despesa da União, e com o devido reajuste na lei de responsabilidade fiscal, de modo a atuar por eleições limpas.

O desafio é o de equilibrar a atenção institucional, elegendo prioridades com base em uma seleção dos casos mais graves, complexos e crônicos, com interlocução com representantes da sociedade, com as universidades e institutos de pesquisa, para um bom diagnóstico de situação. Dentro do MPF, os órgãos de coordenação na área criminal e cível e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão terão apoio integral para definir uma boa agenda de trabalho. A área pericial será reforçada para diminuir a fila das perícias. Novas ferramentas de informática para a investigação e integração entre instâncias processuais, bem como o aprimoramento do setor pericial serão adotados para garantir a efetividade do trabalho em prazo menor.

O fortalecimento do MPF é prioridade em minha agenda de trabalho, porque disso dependem os resultados que a população espera de nós, o que exige a defesa do orçamento da instituição e da remuneração de seus membros e servidores.

ConJur — Qual sua avaliação sobre o foro por prerrogativa de função?
Raquel Dodge —
O princípio constitucional da igualdade preconiza que todos recebam tratamento igual perante a lei. A Constituição, no entanto, estabelece o foro por prerrogativa de função como meio de proteger o exercício de algumas funções públicas. Todavia, com o aumento da confiança no bom funcionamento do sistema de justiça criminal, o caminho natural do amadurecimento de todo regime democrático é o de abolir o foro privilegiado, ou limitá-lo a situações muito excepcionais, como já está sendo examinado no Congresso Nacional.

ConJur — A lei atual sobre abuso de autoridade e órgãos de fiscalização (como o CNMP) são suficientes para conter excessos?
Raquel Dodge —
A lei atual tem sido suficiente para punir a maioria dos excessos. Como toda lei, pode ser aprimorada em relação a algumas sanções e para incluir situações que ainda não estão claramente previstas. Todavia, a lei não deve ser modificada para incluir o crime de hermenêutica, que consistiria na punição do ato de interpretar a lei a ser aplicada no caso concreto pelo juiz ou pelo Ministério Público. Ao invés de fortalecer o regime democrático com freios e contrapesos adequados, a tipificação da hermenêutica atuaria como inibidor de algumas funções essenciais ao estado democrático de direito.

O CNMP é órgão de controle de apoio ao bom funcionamento dos Ministérios Públicos. Sua atuação tem auxiliado a produzir efeito inibitório de algumas condutas irregulares e a punir. Seu trabalho principal é o de fortalecer o Ministério Público com meios adequados, planejamento e capacitação de membros e servidores e contenção de excessos.

ConJur — Há critério objetivo para definir o que é obstrução da Justiça/embaraço à investigação?
Raquel Dodge —
A Lei 12.850/13 instituiu o crime de obstrução de justiça para os casos de investigação de crimes praticados por organização criminosa. Apenas esses casos. O tipo penal refere-se ao resultado de uma conduta dolosa, intencional, indevida e pré-ordenada a produzir tais resultados. Todavia, não descreve tal conduta. Algumas condutas que visam impedir ou embaraçar a investigação de quaisquer crimes já eram previstas no Código Penal, como a coação no curso do processo, a falsa perícia, a fraude processual, o falso testemunho e a auto-acusação falsa. No caso concreto, diante do elemento subjetivo (dolo) e das provas, deve-se verificar a subsunção do fato à nova norma.

ConJur — Acordo de colaboração premiada já homologado pode ser submetido a revisão em Plenário?
Raquel Dodge –
O acordo de colaboração premiada é regulamentado pela Lei 12.850/2013. A competência do relator não está prevista nesta lei, mas no Regimento Interno do Tribunal, que também estabelece a competência do Plenário. A princípio, a competência do relator é a mesma do juiz singular, definida pela Lei 12.850/2013, exceto se o Regimento Interno a excepcionar, em atenção ao princípio da reserva de Plenário.

Por sua vez, a competência homologatória do juiz consiste em verificar a validade do acordo segundo os princípios que regem a validade do ato jurídico, ou seja, o exame da capacidade para praticar o ato, se o objeto é lícito e autorizado por lei, voluntariedade, observância de vedações legais e das condições legais. Isso é importante, porque o acordo de colaboração premiada é, a um só tempo, meio de obtenção de prova, condutor de benefício penal relativo ao tamanho da pena e ao seu regime de cumprimento, e condutor de extinção de punibilidade do colaborador. As cláusulas estabelecidas segundo estes critérios estão imunes a nova revisão (artigo 4º, parágrafos 7º e 8º).

ConJur — O que a PGR pode fazer para reduzir o tempo em que um processo fica no gabinete do procurador-geral, aguardando manifestação?
Raquel Dodge — A delegação de atribuições do PGR aos subprocuradores-gerais da República, especialmente em matéria criminal originária e de controle de constitucionalidade; o auxílio prestado por outros membros da instituição que sejam especialistas; a capacitação de assessorias especializadas e o aprimoramento dos métodos de investigação e de controle dos processos em curso imprimirão celeridade e qualidade ao trabalho a ser feito.

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