Disputa pela PGR

"O próprio MP tem interesse de aperfeiçoar lei de abuso de autoridade"

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26 de junho de 2017, 13h30

Segundo colocado na consulta que escolheu Rodrigo Janot para a Procuradoria-Geral da República, em 2015 (799 votos a 462 ), Mario Luiz Bonsaglia volta a disputar a vaga para o próximo biênio. Participar de eleições internas tem sido comum na carreira – o que, segundo ele, o fez “pensar estrategicamente” o Ministério Público Federal para uma “redefinição de rumos”, sem deixar de lado as medidas contra a corrupção no país.

O subprocurador-geral é dos oito candidatos à cadeira hoje ocupada por Rodrigo Janot. A revista eletrônica Consultor Jurídico publicou entrevista com todos eles, com as mesmas questões, por ordem de resposta aos e-mails enviados pela reportagem.

Associação Nacional dos Procuradores da República / ANPR
Ex-conselheiro do CNMP, Mario Bonsaglia é vice-presidente do Conselho Superior do MPF e coordena a 7ª Câmara de Revisão.
ANPR

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) fará consulta ao MPF na terça-feira (27/6), para enviar lista tríplice ao presidente Michel Temer (PMDB). A elaboração dessa lista acontece desde 2001 e tem sido seguida desde 2003, no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), embora o Planalto tenha livre escolha.

Para Bonsaglia, a norma atual sobre abuso de autoridade precisa de aperfeiçoamento. “É, aliás, de interesse do próprio Ministério Público que tal aconteça, já que lhe cabe responsabilizar os agentes públicos que cometem abusos”. O problema, afirma, é se as mudanças criarem conceitos vagos que sejam usados contra membros do MP e da magistratura, de forma retaliatória. O subprocurador também se preocupa com os impactos da Emenda Constitucional 95, que instituiu o corte de gastos.

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Mario Bonsaglia é membro do Ministério Público Federal desde 1991, é vice-presidente do Conselho Superior do MPF e coordena hoje a 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do órgão, responsável por acompanhar a atuação de procuradores no controle externo da atividade policial e do sistema prisional. Atuou como procurador do estado (entre 1985 e 1991), foi diretor da ANPR no biênio 1999-2001 e integrou o Conselho Nacional do Ministério Público (2009-2013). É doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).

Antes de ingressar na carreira, foi escrivão de polícia e funcionário do Banco do Brasil, como narra em seu site pessoal. No ano passado, redigiu voto do Conselho Institucional do MPF reconhecendo que portais eletrônicos que divulgam notícias produzidas por terceiros não são considerados empresa jornalística e, portanto, podem ter participação estrangeira em seu capital. Meses depois, foi voto vencido no mesmo órgão ao declarar que é crime importar pequena quantidade de sementes de maconha, sendo “de rigor” a atuação do MPF.

Leia a entrevista:

ConJur — Por que o senhor quer ser procurador-geral da República?
Mario Bonsaglia —
Ingressei no Ministério Público Federal em 1991, muito entusiasmado com o novo perfil que a Constituição de 1988 deu ao Ministério Público. Dediquei-me com muita intensidade à carreira de procurador da República. Além da atuação na área criminal durante boa parte de meu tempo de serviço, trabalhei ainda como procurador regional eleitoral (2004-2008); fui conselheiro do CNMP (2009-2013) e, depois de promovido a subprocurador-geral da República em 2014, passei a integrar o Conselho Superior do MPF (desde 2014).

Ocupei esses cargos sempre a partir de processos eleitorais internos, envolvendo amplos debates e, no caso do CNMP, houve também a aprovação de meu nome pelo Senado, por duas vezes, após sabatina na CCJ. Em certo momento da carreira, voltei à academia para fazer doutorado na área do direito do Estado, tendo defendido minha tese sobre “Federalismo e direitos humanos” em 2005, na USP.

Enfim, aprendi a pensar estrategicamente a instituição ao longo desse tempo, assim como a compreender melhor os desafios externos que cercam o MPF. Em 2015 fui o segundo colocado na eleição da lista tríplice. Penso que tenho uma contribuição sólida a dar numa necessária redefinição de rumos que o MPF terá que implementar, sem prejuízo de sua principal atuação do momento, o combate à corrupção sistêmica representado pela operação “lava jato” em suas diversas frentes, que deve ter plena continuidade. Os membros do MPF anseiam por uma renovação interna substanciosa, mas sem rupturas traumáticas e brigas fraticidas. Minha postura de diálogo e de busca de soluções consensuais, sempre que possível, certamente será muito útil nessa difícil tarefa.

Por outro lado, olhando para o contexto externo, será necessário conduzir com segurança o Ministério Público Federal pelo oceano revolto em que as instituições se encontram hoje. Aqui também o meu perfil pessoal, marcado por posições firmes e técnicas, serenas e equilibradas, e sem arestas políticas, poderá ajudar tanto a preservar a independência do Ministério Público em face dos riscos externos, quanto a propiciar, segundo práticas republicanas, uma vivência no plano institucional do quanto prescreve o artigo 2º da Constituição Federal, que estabelece que os órgãos de poder devem guardar uma relação de independência e harmonia entre si, vale dizer, cada qual exercendo plenamente suas atribuições constitucionais.

ConJur — Quais principais problemas atuais da PGR o senhor pretende solucionar, caso escolhido?
Mario Bonsaglia — A instituição precisa se adaptar urgentemente aos novos tempos de restrições orçamentárias, tendo em vista a Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o teto de gastos públicos. Ao mesmo tempo o MPF precisa expandir sua atuação, valorizando mais o trabalho na tutela coletiva, ou seja, na defesa dos interesses difusos e coletivos, assim como dos direitos humanos.

A necessidade de respeitar os limites restritos da Emenda Constitucional 95 vai obrigar corte de despesas fixas e redução de gastos com atividades não prioritárias. Outra providência será o estabelecimento de prioridades de atuação, mediante critérios objetivos e regulamentação pelo Conselho Superior após amplo e público debate, sempre levando em conta o interesse público. Isso implicará, consequentemente, definir também o que não será priorizado. Além disso, vamos ter de rever o processo de interiorização do MPF. Nosso desafio deverá ser “fazer mais com menos”. O MP deve sempre honrar a confiança da sociedade, mostrando-se transparente e apresentando resultados concretos nas diversas áreas em que atua.

ConJur — Qual sua avaliação sobre o foro por prerrogativa de função?
Mario Bonsaglia — O principal problema do foro por prerrogativa de função é o número excessivo de autoridades contempladas, sobrecarregando os tribunais, especialmente STF e STJ. Veja-se o caso do STF, ao mesmo tempo uma corte constitucional e corte penal, além da competência para julgar inúmeras causas em grau recursal. Daí resulta, dentre outras inconveniências, o risco de andamento mais moroso das ações penais originárias e/ou de prejuízo às demais atividades do Tribunal. Sou favorável, pois, a uma redução drástica das hipóteses de foro por prerrogativa de função.

ConJur — A lei atual sobre abuso de autoridade e órgãos de fiscalização (como o CNMP) são suficientes para conter excessos?
Mario Bonsaglia — É preciso lembrar que hoje tanto a magistratura quanto o Ministério Público estão submetidos a órgãos nacionais de controle externo (CNMP e CNJ), integrado não apenas por membros das instituições controladas, mas, também, por representantes indicados pelo Congresso Nacional, pela OAB e pelo próprio Judiciário (no caso do CNMP). Todos os conselheiros, ademais, tiveram seus nomes submetidos à aprovação do Senado. As respectivas Corregedorias Nacionais têm amplo poder disciplinar, conhecendo de reclamações contra os membros dessas instituições e podendo levar o caso ao plenário, para deliberação quanto à aplicação de sanções.

Sem dúvida que a atual lei de abuso de autoridade precisa ser aperfeiçoada. É, aliás, de interesse do próprio Ministério Público que tal aconteça, já que lhe cabe responsabilizar os agentes públicos que cometem abusos. Há apenas que se tomar cuidado para não se estabelecer tipos penais muito vagos ou que, na prática, acabem criminalizando condutas que se situem no campo da interpretação da lei penal ou processual penal, abrindo margem a atitudes retaliatórias a membros do Ministério Público e da magistratura.

ConJur — Há critério objetivo para definir o que é obstrução da Justiça/embaraço à investigação?
Mario Bonsaglia — A ilicitude da prática de quem age para impedir ou tumultuar processos criminais justifica a prisão preventiva por “conveniência da instrução processual”, havendo provas do crime e indícios de autoria, conforme previsão do Código de Processo Penal. A partir de 1989, essas práticas ilícitas também passaram a servir de fundamento para a prisão preventiva, nos termos da Lei 7.960/89, ou seja, quando “imprescindível para as investigações”, havendo elementos fundamentados indicando autoria ou participação em determinados crimes.

Além disso, várias dessas práticas, conforme o caso concreto, podem constituir crimes já previstos no ainda vigente Código Penal de 1941, dentre os quais coação no curso do processo, fraude processual, favorecimento pessoal ou real etc., ou, desde a Lei 9613/98, crimes de lavagem de ativos. Por fim, sem pretender esgotar toda a legislação, em 2013, com a Lei 12.850, tipificou-se penalmente a conduta de “quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”. Como se vê, há vários dispositivos legais já disciplinando a matéria.

ConJur — Acordo de colaboração premiada já homologado pode ser submetido a revisão em Plenário?
Mario Bonsaglia — Os atos praticados devem gozar de segurança jurídica e, uma vez havendo a homologação pelo Judiciário, a revisão ou revogação somente pode ocorrer em caso de descumprimento do acordado ou de violações das cláusulas. Nesse sentido, o STF, no julgamento do HC 127.483, entendeu que

“Nos termos do art. 21, I e II, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o relator tem poderes instrutórios para ordenar, monocraticamente, a realização de quaisquer meios de obtenção de prova (v.g., busca e apreensão, interceptação telefônica, afastamento de sigilo bancário e fiscal). 3. Considerando-se que o acordo de colaboração premiada constitui meio de obtenção de prova (art. 3º da Lei nº 12.850/13), é indubitável que o relator tem poderes para, monocraticamente, homologá-lo (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13)”.

ConJur — O que a PGR pode fazer para reduzir o tempo em que um processo fica no gabinete do procurador-geral, aguardando manifestação?
Mario Bonsaglia — Segundo o portal de transparência do MPF, em maio de 2017, um processo demorava 19 dias, em média, na PGR. É bem próximo do prazo de 15 dias, como regra geral, previsto no artigo 50, §1º, do Regimento Interno do STF. Portanto, há margem para alguma melhora, mas não se vislumbra, em princípio, problema estrutural. Talvez um ou outro feito, em face da complexidade, demore significativamente mais. Se for constatada situação que se repita em feitos relevantes, será o caso de investir mais recursos para propiciar mais agilidade.

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