Disputa pela PGR

"Combater a corrupção é uma forma de promover o regime democrático"

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25 de junho de 2017, 9h30

A agenda do vice-procurador-geral eleitoral Nicolao Dino tem sido intensa nas últimas semanas. Ele teve de conciliar quase todo o tempo da disputa pela Procuradoria-Geral da República com o processo de cassação da chapa Dilma-Temer — foi ele quem representou o Ministério Público no processo, alegando que novas provas poderiam ser incluídas em ação em curso.

Segundo ele, atuar contra quem pratica abusos eleitorais é uma das principais tarefas do MP brasileiro. O combate à corrupção, afirma, é uma das formas de se promover o regime democrático e eixo fundamental do Ministério Público, ao lado da preocupação em fazer cumprir os interesses difusos e coletivos.

Associação Nacional dos Procuradores da República / ANPR
Nicolao Dino autuou no caso Dilma-Temer e foi um dos porta-vozes das propostas do MPF para reformar o Código de Processo Penal.
ANPR

Dino está entre os oito candidatos à cadeira hoje ocupada por Rodrigo Janot. A revista eletrônica Consultor Jurídico publica até a próxima segunda-feira (26/6) entrevista com todos eles, com as mesmas questões, por ordem de resposta aos e-mails enviados pela reportagem.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) fará consulta ao MPF na terça-feira (27/6), para enviar lista tríplice ao presidente Michel Temer (PMDB). A elaboração dessa lista acontece desde 2001 e tem sido seguida desde 2003, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, embora o Planalto tenha livre escolha.

Nicolao Dino afirma que o MP funciona “como um grande escritório de advocacia da causa pública, em âmbito nacional, e tem que se estruturar sempre, e mais, de modo a atender às crescentes demandas”. Sobre as propostas para mudar a lei de abuso de autoridade, diz que “criminalizar a hermenêutica gera insegurança jurídica e grave instabilidade ao sistema de controle e persecução”.

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Maranhense, o subprocurador-geral da República graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Maranhão em 1987. É mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e professor assistente da Universidade de Brasília. Coordenou a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que discute temas relacionados a corrupção e na fiscalização da atuação do órgão em atos de improbidade administrativa.

Nesse período, foi um dos porta-vozes do projeto do Ministério Público Federal de reforma do Código de Processo Penal chamado por eles de “10 Medidas Contra a Corrupção”. O tema sempre está presente em suas publicações no Facebook e no Twitter. Em artigo publicado em 2003 em Revista do Senado, declarou que o neoliberalismo representa uma “neobarbárie”, que faz interesses individuais se submeterem ao objetivo de grandes corporações. É irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Adotou como lema de campanha a frase “Caminhar e construir juntos”, conforme seu site pessoal.

Leia a entrevista:

ConJur — Por que o senhor quer ser procurador-geral da República?
Nicolao Dino —
Ser procurador-geral da República é muito mais que ocupar um cargo de elevada estatura na máquina pública. Esse cargo pressupõe compreender o papel social e político reservado à nossa instituição, como relevante componente do regular funcionamento do sistema de freios e contrapesos do Estado.

O desafio de ser procurador-geral da República deve ser encarado como consequência de uma trajetória de vida funcional, e não como um objetivo a ser perseguido. Ninguém escolhe a si mesmo para essa empreitada. Trata-se de um conjunto de fatores que se complementam ao longo da rota funcional, e que vão determinando gradativamente seus espaços de atuação no Ministério Público Federal. Acredito na possibilidade de servir à instituição e à sociedade nessa estratégica posição, a partir da experiência acumulada em diversas áreas de atuação.

Quando ingressei no MPF, em 1991, escolhi a função de servir ao público, à sociedade. E é com essa visão que encaro a possibilidade de ser PGR. Servir de forma qualificada à sociedade, exercendo, com firmeza, serenidade e responsabilidade as tarefas conferidas ao cargo de procurador-geral da República na propulsão do controle de constitucionalidade, no enfrentamento da macrocriminalidade, na observância dos preceitos fundamentais e em todas as demais atribuições inerentes a essa função.

ConJur — Quais principais problemas atuais da PGR o senhor pretende solucionar, caso escolhido?
Nicolao
Dino O artigo 127 da Constituição aponta uma agenda para o Ministério Público bem ampla e conectada com a promoção da cidadania e dos valores democráticos. O combate à corrupção é uma das formas de se promover o regime democrático, conforme a Convenção de Mérida. Por isso, considero que o enfrentamento da corrupção, sob todas suas formas, e a realização dos interesses difusos e coletivos constituem eixos de importância fundamental para a atuação do Ministério Público. Pretendo fortalecer essas duas linhas de atuação.

Num país tão assimétrico como o nosso, com várias metas de bem-estar coletivo pendentes, é necessário robustecer nossa atuação como agentes de propulsão de políticas públicas em educação, saúde, solução de conflitos agrários, direito ao meio ambiente sadio, entre outras questões. Há, também, problemas gravíssimos acumulados em regiões de fronteira que carecem da definição de políticas públicas mais fortes.

O MPF tem atuado nessas questões, e minha ideia é assegurar um olhar específico a isso, que tem, inclusive, reflexos inegáveis no campo da segurança pública, haja vista a rota de narcotráfico e o contrabando de armas.

Preocupa-me, ainda, no contexto da defesa do regime democrático, o papel do Ministério Público como fiscal da legitimidade e da normalidade das eleições. A formação da representação política apresenta-se como um fator importante para o cumprimento das diversas tarefas a cargo do Estado. Nesse sentido, considero extremamente importante a atuação do Ministério Público no combate ao abuso de poder eleitoral.

Tenho propostas, também, no plano da organização interna. Liderar uma instituição cujos membros possuem independência funcional (e dela precisam para atuar correta e serenamente) pressupõe compreender a pluralidade de ideias como valor fundamental de sua estrutura e de seu funcionamento, bem como buscar a construção dialógica e a implementação de planos e metas de forma compartilhada com os órgãos de governança da Casa, em especial com o Conselho Superior do Ministério Público Federal, com as Câmaras de Coordenação e Revisão e com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão).

Outra prioridade não menos importante é o fortalecimento do MPF, em suas diversas áreas de atuação. Nosso papel no combate à corrupção cresceu a olhos vistos, tornando-se até mesmo referência internacional, em face dos resultados que vem sendo alcançados. Esse é um campo a ser permanentemente fortalecido, sem dúvida. A atuação regionalizada do Ministério Público Federal é, também, uma prioridade. O MPF é uma instituição de âmbito nacional, mas sua divisão em unidades ainda segue, em regra, a divisão territorial do Estado brasileiro.

Isso não permite extrair, no grau máximo de efetividade, o potencial de atuação em questões de âmbito regional ou nacional. Tome-se como exemplo a questão do meio ambiente, em relação à qual se verifica fortemente o caráter transfronteiriço do dano ambiental. Nesses e em vários outros casos muito mais eficiente poderá ser a atuação do MPF por intermédio de ofícios (áreas de atuação) regionais.

Na questão indígena também é possível atuar a partir de ofícios ou grupos especializados. Em síntese, é preciso sair da “caixinha” para avançar mais. Por fim, penso em investir mais em atuações sincronizadas entre as diversas instâncias do MPF, de modo a assegurar que as causas iniciadas na primeira instância tenham acompanhamento direto e permanente até o último grau de jurisdição. Isso já é uma preocupação presente em nossa Casa; temos investido muito nisso, e podemos avançar muito mais nessa direção.

O Ministério Público funciona como um grande escritório de advocacia da causa pública, em âmbito nacional, e tem que se estruturar sempre, e mais, de modo a atender às crescentes demandas. E digo isso não apenas na esfera do MPF. As questões do Ministério Público dos estados que chegam ao STJ, por exemplo, também recebem acompanhamento direto do Ministério Público Federal, por intermédio dos subprocuradores-gerais da República que ali atuam.

Muitas ações penais, ações de improbidade administrativa, ações civis públicas ambientais, entre outras questões não menos relevantes, que, embora não sendo da órbita federal exigem a presença efetiva do MPF, pois chegam às instâncias superiores e definem a jurisprudência em nível nacional. Trabalhar de forma articulada e integrada sempre foi meu traço característico em todos os postos por quais já passei. Quero levar essa marca à atuação como PGR, se vier a ser escolhido.

ConJur — Qual sua avaliação sobre o foro por prerrogativa de função?
Nicolao
Dino O foro por prerrogativa de função, na forma como está na Constituição, atenta contra o princípio da igualdade. Além de não ser republicano, é incompatível com a função precípua dos tribunais, que é a de atuar como órgãos revisionais da atuação jurisdicional em primeira instância. Em relação às instâncias extraordinárias, a situação é ainda mais sensível.

Veja-se o caso do STF, corte constitucional por excelência, assoberbado com questões de natureza penal. Há no Brasil uma hipertrofia de situações ensejadoras de foro especial, sem paralelo no mundo. Entendo que deva haver uma profunda mitigação das hipóteses de foro especial por prerrogativa de função, dando-lhe caráter absolutamente excepcional, tal como se discute agora no Congresso Nacional.

ConJur — A lei atual sobre abuso de autoridade e órgãos de fiscalização (como o CNMP) são suficientes para conter excessos?
Nicolao
Dino O CNMP constitui um importante órgão de controle. Seu poder disciplinar exerce um papel de contenção, tendo forte efeito dissuasório. Onde o controle interno não funciona, tem-se a presença do CNMP para conter eventuais desvios funcionais. A Lei de

Abuso de Autoridade também constitui importante filtro contra excessos. Ninguém é contra sua existência, pois num estado democrático de direito é necessário haver mecanismos de correção contra quem abusa do poder inerente a um cargo ou uma função. Ninguém está acima ou à margem da lei. Todavia, o que não se pode admitir é que, em nome disso, se estabeleçam instrumentos de intimidação à legítima atividade investigatória, persecutória ou à atividade jurisdicional.

Criminalizar a hermenêutica, como já tantas vezes dito, gera insegurança jurídica e grave instabilidade ao sistema de controle e persecução, tornando bastante vulneráveis os agentes do Estado. A tipificação penal excessivamente aberta também potencializa um cenário de insegurança jurídica. Buscando remediar esses problemas e contribuindo para o debate democrático, o procurador-geral da República apresentou ao Parlamento uma proposta alternativa, fruto de exaustivo trabalho de um grupo interinstitucional.

ConJur — Há critério objetivo para definir o que é obstrução da Justiça/embaraço à investigação?
Nicolao
Dino Não existe uma tipificação absolutamente fechada quanto a obstrução de justiça. Há inúmeras formas de obstruir ou embaraçar investigações ou o curso de processos. Isso há de ser mensurado em cada caso concreto.

ConJur — Acordo de colaboração premiada já homologado pode ser submetido a revisão em Plenário?
Nicolao
Dino Falando em tese, considero que acordos de colaboração premiada se inserem na órbita da fase investigativa ou da condução de um processo, devendo ser da competência do relator, em órgãos colegiados, as medidas concernentes à sua homologação. Uma vez homologado o acordo, penso que seja inviável cogitar-se de revisão, pelo Judiciário, das cláusulas estabelecidas entre o Ministério Público e o colaborador.

ConJur — O que a PGR pode fazer para reduzir o tempo em que um processo fica no gabinete do procurador-geral, aguardando manifestação?
Nicolao
Dino São múltiplas e complexas as tarefas conferidas ao PGR. O volume processual é muito grande. A gestão e o estabelecimento de rotinas processuais têm contribuído para a redução do tempo de tramitação dos processos em gabinete. Já há muito investimento interno em relação a esse tema.

Descentralizar mais, com a ampliação do número de subprocuradores-gerais da República atuando por delegação do PGR junto ao STF, pode ser um bom caminho, mas é preciso avaliar o impacto disso na atuação do MPF perante o STJ, onde o volume de processo é muito grande.

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