Opinião

Tema 677 do STJ e sua inaplicabilidade ao Direito Tributário

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  • é advogado no escritório Rubens Naves Santos Júnior consultor no BLTB Advogados graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pós-graduando em Direito Tributário pelo Ibet-SP e especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).

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6 de maio de 2025, 11h17

Evolução jurisprudencial do Tema 677/STJ

homem faz contas na calculadora em sua mesa de trabalho

Em 2014, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça fixou, no REsp 1.348.640/RS, a tese do Tema 677/STJ, prevendo que o depósito judicial do montante integral ou parcial da condenação extinguia a obrigação do devedor nos limites da quantia depositada.

Entretanto, anos após sua fixação, o STJ começou a proferir decisões divergentes, reconhecendo que depósitos em garantia ou penhora não tinham o condão de elidir a mora, gerando agravos e embargos repetitivos nas Turmas de Julgamento (Ortega e Boro, 2024).

Diante desse cenário de conflitos internos, em 7 de outubro de 2020, a Corte Especial acolheu questão de ordem no REsp 1.820.963/SP, proposta pela ministra Nancy Andrighi, para instaurar procedimento de revisão da tese sob o rito dos recursos repetitivos

Após amplo debate, em 19 de outubro de 2022 o STJ alterou a redação do Tema 677/STJ, por estreita margem de 7 a 6, passando a entender que o depósito judicial em garantia ou decorrente de penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento da atualização monetária e do juros de mora, os quais continuam a incidir até o efetivo levantamento dos valores pelo credor.

O caso líder teve como relatora a ministra Nancy Andrighi, que foi acompanhada pelos ministros João Otávio de Noronha, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Benedito Gonçalves e Og Fernandes, que, sendo o último a votar, sugeriu modular os efeitos da nova tese – proposta não aceita pela maioria.

Os ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Jorge Mussi, Luís Felipe Salomão, Mauro Campbell, Raul Araújo e Francisco Falcão, divergiram da relatora, que votaram contrariamente à alteração da tese anterior.

Era importante que o STJ modulasse os efeitos da decisão porque a modulação assegura segurança jurídica e protege a confiança legítima dos jurisdicionados, evitando que atos processuais praticados sob a tese anterior fossem prejudicados retroativamente.

A modulação também atende ao princípio tempus regit actum e às previsões do artigo 927, §§ 3º a 5º, do CPC, que permitem a restrição temporal dos efeitos de decisões jurisprudenciais para garantir transição equilibrada e respeito aos direitos adquiridos, bem como mitigar incertezas sobre a aplicação prospectiva ou retroativa da nova tese.

A modulação coaduna-se com a finalidade do sistema de precedentes do CPC de promover uniformidade e previsibilidade na aplicação do direito, evitando inseguranças decorrentes de mudanças abruptas de orientação jurisprudencial

Depósito judicial

O caso originário da controvérsia jurídica envolveu uma empresa de telecomunicações, que questionava decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) a respeito da responsabilidade pelo pagamento de juros de mora e correção monetária sobre valores depositados judicialmente durante a fase de execução.​

A controvérsia central era determinar se o depósito judicial, integral ou parcial, realizado na fase de execução, extinguia a obrigação do devedor nos limites da quantia depositada, transferindo à instituição financeira depositária a responsabilidade pela atualização monetária.

O depósito judicial sempre foi uma prática habitual nas execuções, permitindo que o devedor/executado depositasse em juízo o valor da obrigação. Esse ato busca garantir o cumprimento da dívida e evitar a continuidade da mora.

Em ações de cumprimento de sentença, o Código de Processo Civil dispõe que a satisfação do crédito exequendo pode se dar pela entrega do dinheiro depositado em juízo ou pela adjudicação de bens penhorados, conforme o artigo 904, I, do CPC, sendo o depósito judicial, portanto, meio legítimo de adimplemento da obrigação.

O Código Civil define que o devedor em mora é aquele que não efetua o pagamento na forma e no tempo legal, sujeitando-se aos juros e à correção monetária (e agora honorários advocatícios – Lei nº 14.905/2024) previstos nos artigos 394 e 395 do CC. Assim, o depósito judicial com animus solvendi acarreta a extinção da mora até o limite do valor depositado.

O Superior Tribunal de Justiça já tinha editado duas súmulas sobre o assunto:

A Súmula 179 do STJ estabelece que “o estabelecimento de crédito que recebe dinheiro, em depósito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos”, enquanto a Súmula 271 dispensa ação específica contra o banco depositário, reforçando que o instituto se presta tanto à extinção do débito quanto à garantia dos consectários (Súmulas 179 e 271 do STJ).

Diante desse panorama, o depósito judicial em ações cíveis passa a exigir atenção à destinação e à forma de realização — se for com vistas a dissolver a mora e extinguir a obrigação, deverá respeitar os requisitos do artigo 904 do CPC e do animus solvendi delineado pelo Tema 677; caso contrário, terá caráter meramente garantidor, não elidindo os consectários da mora.

Inaplicabilidade ao Direito Tributário

A respeito do novo entendimento firmado pelo STJ na revisão do Tema 677, embora tenha sido direcionada somente às disposições da legislação cível, portanto, vinculado ao direito privado, tem sido indiscriminadamente aplicada por juízes e tribunais às execuções fiscais de crédito tributário, bem como requerimentos da Procuradoria Federal para aplicação desse tema.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 1.820.963/SP, tratou especificamente da possibilidade de cessação da incidência de correção monetária e juros de mora em decorrência de depósito judicial, considerando exclusivamente a dinâmica dos processos cíveis — mais precisamente, nas fases de cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa. A análise baseou-se nos dispositivos legais do Código Civil (artigos 394, 395 e 401, inciso I) e do Código de Processo Civil (artigos 904, inciso I, e 906).

Vale destacar que o caso concreto analisado pelo STJ consistia em ação vinculada ao Direito Civil, de cunho indenizatório, em fase de cumprimento de sentença, relacionada à denúncia imotivada de contrato de concessão comercial para revenda de veículos firmado entre as partes.

Nessa medida, o novo posicionamento da corte não poderia irradiar efeitos jurídicos para as execuções fiscais em que se busca a satisfação de créditos tributários, cuja base normativa é típica do Direito Público, tendo em vista o próprio dispositivo legal do artigo 110 do CTN.

Dessa forma, nas execuções fiscais envolvendo créditos tributários, aplicam-se as normas específicas previstas na Lei de Execução Fiscal, especialmente os artigos 9º, §§ 3º e 4º, e 11, § 2º. Esses dispositivos estabelecem que, uma vez efetuado o depósito em dinheiro — seja de maneira voluntária ou compulsória —, o devedor deixa de ser responsável pela incidência de correção monetária e juros de mora, os quais passam a ser de responsabilidade da instituição financeira que administra os valores.

Além disso, é indispensável considerar os fundamentos legais relativos à suspensão da exigibilidade e à extinção do crédito tributário, previstos nos artigos 151 e 156 do Código Tributário Nacional. Esse código, de natureza materialmente complementar conforme o artigo 146, inciso III, da Constituição de 1988, dispõe que o depósito integral do montante questionado suspende a exigibilidade do tributo (artigo 151, II), impedindo, a cobrança de encargos moratórios após sua realização.

Ademais, se ao final do processo o contribuinte for vencido, a quantia depositada será convertida em receita pública, o que implica na extinção do crédito tributário, conforme determina o artigo 156, inciso VI, do CTN. Por isso, no âmbito tributário, não se sustenta a ideia de que o depósito judicial não libera o devedor dos encargos moratórios.

O Supremo Tribunal Federal tem entendido que “o depósito do montante integral do crédito tributário impugnado judicialmente (artigo 151, II, CTN) tem natureza dúplice, porquanto ao tempo em que impede a propositura da execução fiscal, a fluência dos juros e a imposição de multa, também acautela os interesses do Fisco em receber o crédito tributário com maior brevidade” (RE 640.905, relator: Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2016, acórdão eletrônico repercussão geral — publicado em 01-02-2018).

O enunciado da Súmula n° 179 do Superior Tribunal de Justiça elucida a questão do responsável pela atualização monetária dos valores depositados: “O estabelecimento de crédito que recebe dinheiro, em depósito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos”.

Diante desse cenário, conclui-se que a nova tese firmada no Tema 677 do STJ não se aplica às execuções fiscais de crédito tributário, as quais se submetem, a rigor, às disposições da LEF que estipulam inequivocamente que o depósito do valor exequendo faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora, bem como aos enunciados do CTN que atribuem efeitos extintivos do crédito tributário à conversão do depósito judicial em renda. 

 


Referências

ORTEGA, Danilo; BORO, Pedro A. Di Giovanni. Metamorfose do Tema 677/STJ. Conjur, 2024.

CANTANHÊDE, Luis Claudio Ferreira. O depósito judicial no processo tributário e o Tema 677 do STJ. Conjur, 2024.

NEVES, Marcelo Alves. Depósito judicial extingue a obrigação? Entenda o Tema 677 do STJ. Migalhas, 2025.

Autores

  • é advogado no escritório Rubens Naves Santos Júnior, graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pós-graduando em Direito Tributário pelo Ibet-SP, especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).

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