Opinião

Revisão do Tema 677 do STJ: avanço ou retrocesso?

Autor

  • Wesley Louzada

    é advogado mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito de Campos (FDC-RJ) doutor em Direito Civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e especialista em responsabilidade civil extracontratual pela Universidad Castilla La Mancha (Espanha).

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7 de fevereiro de 2023, 21h43

Em recente julgado, de 16 de dezembro de 2022, houve por bem o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rever o entendimento consolidado daquela corte referente ao depósito em dinheiro da quantia exequenda. Era o seguinte o entendimento consubstanciado no Tema 677: "na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada".

Com a aplicação do citado entendimento, até então prevalente na corte, ao final do processo caberia ao credor levantar a quantia depositada, com os acréscimos originados de correção monetária e juros remuneratórios pagos pela instituição financeira responsável por administrar a quantia depositada. Não se falaria em juros de mora, na medida em que a quantia não ficou em posse do devedor durante o tempo de duração do processo.

De outra parte, com a alteração do entendimento, passou a ser a seguinte a redação do Tema 677: "na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial".

O que se põe em debate é saber se o devedor, que foi privado da quantia em dinheiro, deverá, ao fim do processo, arcar com eventual diferença entre a correção monetária e os juros de mora que remuneraram o depósito e os reflexos da mora impostos por lei, o que pode lhe trazer impacto considerável.

Adotou o STJ, em apertada votação (sete votos favoráveis e seis votos contrários) uma solução mais favorável ao credor, imputando ao devedor ônus que até então não lhe assistia. Data venia, entendemos que o novo entendimento da corte mais constitui um retrocesso que um avanço, por algumas razões que buscaremos expor aqui de forma suscinta, devido à exiguidade do espaço.

– DO "RETARTAMENTO CULPOSO NO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO" COMO RAZÃO PARA ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO.
Consta do voto vencedor:

"18. Por oportuno, convém esclarecer que não caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por parte do Banco depositário, e dos juros remuneratórios, a cargo do devedor, haja vista que são diversas a natureza e a finalidade dessas duas espécies de juros. De fato, enquanto os juros remuneratórios têm por finalidade a simples remuneração ou rendimento pelo uso do capital alheio (são frutos civis do capital), os juros moratórios têm natureza indenizatória e sancionadora, que deriva do retardamento culposo no cumprimento da obrigação." (grifamos)

O argumento utilizado pelo voto condutor, data venia, não colhe, na medida em que o devedor que deposita o valor em juízo a fim de discutir a existência ou o exato montante do débito, não está, a nosso ver, retardando culposamente o cumprimento da obrigação.

Está, por outro lado, exercendo seu legítimo e constitucional direito ao contraditório e à ampla defesa e não está auferindo qualquer benefício de uma eventual demora no deslinde do processo, que somente pode ser imputada ao Estado Juiz, não à parte que legitimamente exercita seu direito.

– DO DUPLO CRITÉRIO CONFORME A NATUREZA DO BEM PENHORADO: O ARGUMENTO QUE É, EM VERDADE, UM CONTRA-ARGUMENTO.
Ainda do voto vencedor, colhe-se:

"25. Veja-se, ainda, que isso poderia resultar em uma discrepância na evolução do débito exequendo a depender da natureza do bem penhorado e depositado judicialmente, quer se trate de dinheiro em depósitos ou aplicações financeiras (art. 835, I, do CPC), que se trate de outro bem qualquer. Com efeito, quando há penhora de bens que exijam a passagem pela fase de alienação judicial, não se costuma questionar acerca da atualização da dívida segundo os critérios dispostos no título executivo, até integral satisfação do crédito, com a entrega ao credor dos valores obtidos em leilão. Não obstante, ao se admitir a isenção do devedor do pagamento dos encargos da mora após o bloqueio e transferência de ativos financeiros seus para a conta vinculada ao juízo da execução, culmina-se por tornar essa espécie de penhora – considerada pela Lei como prioritária – mais prejudicial ao interesse do credor se comparada com a penhora de outros bens de menor liquidez (por exemplo, imóveis), o que não pode ser tolerado."

Data venia, aqui, o argumento utilizado a fim de subsidiar uma mudança de entendimento presta-se, em verdade, para justificar a manutenção do entendimento anteriormente esposado.

A apontada discrepância na evolução do débito conforme a natureza do bem penhorado é real, porém, tem razão de ser, na medida em que em se tratando de dinheiro penhorado o devedor passa a não mais fruir do bem a partir do momento da penhora; por outro lado, em se tratando de imóvel, o devedor, após a penhora e até a alienação em leilão e imissão do adquirente na posse do bem, continuará a fruir do mesmo, seja por uso próprio, seja mediante cessão a terceiros por locação, hipóteses (ambas) nas quais terá um proveito econômico que poderá, inclusive, superar os juros moratórios que pagará no curso da execução. Assim, o argumento utilizado torna-se um contra-argumento, fundamentando a manutenção do anterior entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Conclusão
Em época de pós pandemia e inflação alta influenciada por um contexto de guerra que gera efeitos globais, na qual o cumprimento pontual das obrigações torna-se cada vez mais difícil, seja para pessoas físicas, seja para empresas, não nos parece oportuno trazer mais um ônus ao devedor, notadamente aquele devedor — exceção — que no curso da execução deposita o valor do débito, parcial ou totalmente, tornando certa a satisfação do credor, que aguardará apenas o curso regular do processo para ver satisfeito seu crédito.

Tendo em vista se tratar de entendimento adotado por estreita maioria, esperemos que STJ analise melhor a questão e retome a posição anterior, muito mais equânime e equilibrada, preservando, a um só tempo, os legítimos interesses de credor e devedor.

Autores

  • é advogado, mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito de Campos (FDC-RJ), doutor em Direito Civil pela Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e especialista em Responsabilidade Civil Extracontratual pela Universidad Castilla La Mancha, na Espanha.

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