STF x pejotização: qual a decisão que deve prevalecer?
1 de maio de 2025, 10h14
As últimas semanas foram marcadas pela grande repercussão, nos mais diversos veículos de imprensa, da decisão proferida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, envolvendo a temática da pejotização, na qual houve a determinação da suspensão nacional de todos os processos do país onde se discute a (i)licitude dessa forma de contratação.

A propósito, no final do ano de 2024, o assunto também foi abordado nesta coluna [1], de sorte que foram feitas algumas reflexões sobre este tema e quais seriam as perspectivas para o ano de 2025. Assim, considerando a superveniência do ato de paralisação dos andamentos das ações judiciais em todos os órgãos do Poder Judiciário, o assunto foi novamente indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana, na coluna Prática Trabalhista nesta ConJur [2], razão pela qual agradecemos o contato.
Atual contexto no STF
Nos últimos tempos, centenas de milhares de casos levados à Suprema Corte trouxeram o debate em torno da legitimidade de outras formas de trabalho e de prestação de serviços mediante terceirização, que não aquelas típicas de vínculo empregatício regidas pela tradicional sistemática da CLT, a fim de privilegiar sobretudo o princípio constitucional da livre iniciativa, que assegura aos agentes econômicos ampla e plena liberdade para escolher as suas estratégias empresariais dentro do marco legislativo hoje vigente, vez que as proteções constitucionais não exigem que todo serviço remunerado configure necessária e automaticamente uma relação de emprego.

De um lado, em apoio à legalização deste novo formato de contratação, é a “ratio decidendi” firmada na ADPF 324, ADC 48, ADI 3.961, ADI 5.625, bem como no Tema 725 da Tabela de Repercussão Geral do STF. Lado outro, reafirmando o caráter fraudulento das contratações, as quais serviriam apenas para mascarar verdadeiras relações de emprego, são as normas de ordem pública e imperativas dos artigos 2º, 3º e 9º da CLT.
Entrementes, a partir do momento em que a Suprema Corte passou a decidir pela validade da terceirização via pejotização, observou-se uma enxurrada de reclamações constitucionais com o objetivo de cassar decisões proferidas pela Justiça do Trabalho que reconheciam o liame empregatício em razão do desrespeito aos precedentes vinculantes do Pretório Excelso.
Lição de especialista
Impende destacar que os estudos e debates em torno das fraudes envolvendo a pejotização são muito antigos, sendo válidos aqui citar, por exemplo, os ensinamentos de Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva [3]:
“Exigir que o trabalhador abra uma empresa de prestação de serviços para contratá-lo é um artifício fraudulento, porque viola o artigo 3º da CLT. Tal prática inadmissível exibe crescente incidência no contexto de uma acirrada competitividade mercadológica em que os empregadores buscam soluções mágicas para afastar o vínculo empregatício e, com isso, maximizar lucros e minimizar custos em detrimento das conquistas trabalhistas. Essa prática ficou conhecida pelo neologismo pejotização (derivado da abreviatura da expressão pessoa jurídica) e define a situação do empregado compelido à abertura de uma empresa de fachada, não raro formada por uma única pessoa física, aquela que continua a realizar as mesmas funções que exercia na ex-empregadora agora transformada em sua contratante no falso contexto empresarial. Por meio de contratos pretensamente civis de prestação de serviços, a atuação diária do PJ sai mais barata e a exempregadora, que o contrata nesses moldes, não arca mais com os encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e do FGTS.”
Tema 1.389 da Tabela de Repercussão Geral
Como dito, o ministro Gilmar Mendes, do STF, no dia 15 de abril de 2025, determinou a suspensão nacional de todos os processos que abordam a temática da pejotização [4]. Nesse desiderato, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.532.603 [5], o Plenário reconheceu a repercussão geral da matéria, que envolve não apenas a validade desses contratos, mas também a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de suposta fraude e a definição sobre quem deve arcar com o ônus da prova.
Eis o novo Tema 1389 da Tabela de Repercussão Geral do STF: “Competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade
O leading case discute, à luz do entendimento consolidado na ADPF 324, a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, bem como o ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil. E como pressuposto, será analisada a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas que tratam da existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços.
No caso, a discussão do processo piloto refere-se ao reconhecimento do vínculo de emprego entre um corretor e uma seguradora, em face da existência de um contrato de prestação de serviços, cujo vínculo de emprego havia sido afastado pelo Tribunal Superior do Trabalho. A Corte Superior Trabalhista, na ocasião, já havia derrubado a decisão do Tribunal Regional.
Em sua decisão, o ministro Gilmar Mendes fez a seguintes ponderações:
“A controvérsia sobre esses temas tem gerado um aumento expressivo do volume de processos que tem chegado ao STF, especialmente por intermédio de reclamações constitucionais. Como já destaquei na manifestação sobre a existência de repercussão geral, parcela significativa das reclamações em tramitação nesta Corte foram ajuizadas contra decisões da Justiça do Trabalho que, em maior ou menor grau, restringiam a liberdade de organização produtiva. Esse fato se deve, em grande parte, à reiterada recusa da Justiça trabalhista em aplicar a orientação desta Suprema Corte sobre o tema. Conforme evidenciado, o descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas. Essa situação não apenas sobrecarrega o Tribunal, mas também perpetua a incerteza entre as partes envolvidas, afetando diretamente a estabilidade do ordenamento jurídico. (…). Entendo que essa medida impedirá a multiplicação de decisões divergentes sobre a matéria, privilegiando o princípio da segurança jurídica e desafogando o STF, permitindo que este cumpra seu papel constitucional e aborde outras questões relevantes para a sociedade.”
Tribunal Superior do Trabalho
Vale lembrar que já estava em tramitação dois Incidentes de Recursos de Revista Repetitivos (IRRs) que abordam a questão da pejotização (Tema 30) e da terceirização (Tema 29) no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho [6].
Em nota pública, a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) demostrou repúdio e enorme preocupação com a determinação da suspensão de todos os casos em que se discute a fraude nos contratos de emprego ou a licitude da contratação de pessoa física como jurídica, ponderando que:
“O caso eleito para o Tema 1389, com repercussão geral (Recurso Extraordinário com Agravo 1.532.603 PR), bem demonstra que a Justiça do Trabalho tem cumprido adequadamente a sua missão constitucional de analisar, caso a caso, a existência de contrato de emprego e relações de trabalho, sem contrariar precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a reclamação trabalhista em discussão, na qual se alegava vínculo de emprego, foi julgada improcedente, com Acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST).” [7]
Entrementes, o reconhecimento da repercussão geral se deu com um placar expressivo de 10 a 1 em sessão virtual pela Suprema Corte, de modo que somente o ministro Edson Fachin havia se posicionado contra o tema [8].
Conclusão
Por certo que tal análise pela Suprema Corte demanda muita cautela, eis que poderá impactar fortemente não só o futuro do mercado de trabalho, como também na competência da Justiça Especializada que tem como missão principal a pacificação dos conflitos sociais. Vale lembrar que acordo com o artigo 114, I, da Constituição, reconstruído que foi há vinte anos pelo legislador após a grande reforma do Poder Judiciário trazida pela EC 45/2004, desde então sempre competiu à Justiça Laboral processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho latu sensu.
Ora, esta atual e nova rediscussão em torno dos limites competência da Justiça do Trabalho, como também os contornos acerca da terceirização ampla e irrestrita através da pejotização, por certo exigem um debate plural e heterogêneo mediante a participação do governo, empresários, sindicatos, partidos políticos, entidades de classes, organizações, advogados, professores e de tantos outros legitimados aptos a contribuir para uma melhor decisão que atenda aos anseios da sociedade.
_______________________________________
[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!