Opinião

Reconhecimento do direito à licença-maternidade para mãe não-gestante em união homoafetiva

Autor

  • Rafaela Lobato

    é delegada na 1ª Deam em Mato Grosso do Sul. Pós-graduada em Direito Penal Processual Penal e Direito Público. Especialista em Direito da Mulher e Inteligência Policial. Foi Fundadora do 1ª Escritório de Advocacia para Mulheres e LBGT+ do Tocantins.

27 de março de 2024, 15h14

O Supremo Tribunal Federal, corte brasileira maior, fixou a tese,  por unanimidade, no dia 13 de março de 2024, de que a mãe servidora ou trabalhadora não-gestante, em união homoafetiva, tem direito ao gozo de licença-maternidade (Recurso Extraordinário – RE 1.211.446). O que não andou bem, foi o adiante.

Este artigo busca analisar criticamente os aspectos dessa decisão, destacando a importância do reconhecimento da diversidade familiar e da equidade de gênero, enquanto questiona a diferenciação de direitos com base no sexo biológico.

A mesma corte decidiu que, caso a companheira tenha utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade.

O ministro-relator do caso, Luiz Fux, propôs a tese de que que a trabalhadora não-gestante, regida pela CLT, e em união estável homoafetiva, tem direito ao gozo de licença-maternidade, mas, caso a companheira tenha usufruído do benefício, ela fará jus ao período análogo ao da licença-paternidade.

Nesse ponto, entra-se em um paradigma: qual das mães terá direito à licença-maternidade e qual das mães terá direito à licença-paternidade, na medida em que ambas são “consideradas como genitoras” e, indiscutivelmente, não caberia ao Estado escolher quem fará o papel de pai, até mesmo porque esse “cargo” nesta família não é exercido por um homem.

A recente decisão do STF representa, por um lado, um avanço notável na luta pela igualdade de direitos para casais homoafetivos, ao reconhecer que o vínculo afetivo e parental não está limitado à gestação biológica.

Direito além da biologia

É fundamental reconhecer que o conceito de maternidade vai além da biologia, envolvendo cuidado, afeto e responsabilidade parental. Negar o direito à licença-maternidade para mães não-gestantes em uniões homoafetivas seria perpetuar estereótipos de gênero que limitam a parentalidade às mulheres biológicas. A equiparação dos direitos de licença-maternidade é essencial para promover a equidade de gênero e garantir que todas as formas de parentalidade sejam reconhecidas e valorizadas.

Spacca

A diversidade familiar é uma realidade na sociedade contemporânea, e as leis e políticas devem refletir essa pluralidade. O reconhecimento da licença-maternidade para mães não-gestantes fortalece os laços afetivos e a coesão familiar, garantindo que todas as crianças tenham acesso ao cuidado e à proteção, independentemente da composição de sua família.

Nesse aspecto, houve crítica por parte do ministro Alexandre de Moraes, que destacou a inviabilidade de replicar o modelo tido como tradicional de casamento para a união estável homoafetiva.

“A abordagem de ‘essa é a mãe, essa outra é o pai’ reproduz o paradigma tradicional, contrário ao espírito da Constituição. Essa classificação de uma das mulheres como pai, concedendo-lhe licença-paternidade, levanta divergências sobre a identidade materna. Conclui-se que é necessário equiparar o tratamento dado à licença adotante dupla, reconhecendo ambas as mulheres como mães”, afirmou.

Nesse aspecto, concordamos com a última tese. A diferenciação de direitos com base no sexo biológico perpetua desigualdades de gênero e discriminação. Enquanto as mulheres têm direito à licença-maternidade, os homens são frequentemente excluídos desse benefício, reforçando a ideia de que a responsabilidade parental é exclusiva das mulheres. Esta distinção não apenas marginaliza pais não-gestantes em uniões homoafetivas, mas também reforça normas de gênero antiquadas.

Valorização de ambas as mães

Uma abordagem mais equitativa seria a concessão de dois períodos de licença-maternidade, um para cada mãe, em uniões homoafetivas. Isso reconheceria e valorizaria o papel de ambas as mães na criação e no cuidado da criança, sem perpetuar estereótipos de gênero ou discriminação com base na orientação sexual.

Para Priscila De Oliveira Morégola Pires, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do IBDFAM, o caso chama a atenção para a necessidade de reconhecimento e proteção dos direitos das famílias formadas por casais do mesmo sexo, “garantindo que todas as mães, independentemente de sua gestação biológica, tenham direito à licença-maternidade para cuidar e apoiar seus filhos nos primeiros meses de vida”.

Outro ponto polêmico da decisão é com relação à aplicação, ou não, analógica com relação aos casais homoafetivos de homens. A mesma tese deve ou não ser aplicada em casos semelhantes, mas no sexo oposto?

O debete foi trazido pelo ministro mais recente da corte, Flávio Dino, que questionou a tese proposta pelo ministro Fux. “A discussão sobre o conceito normativo de família tem sido central em diferentes contextos e épocas.

É relevante destacar uma consequência desse debate, especialmente quando se considera o caso de duas mulheres ou dois homens que venham a ter um filho. Enquanto uma mulher terá direito à licença-maternidade, e a outra, de maneira equivalente, à licença-paternidade, a mesma situação se aplicaria a dois homens, um desfrutando da licença-paternidade, e o outro, da licença-maternidade.

Essa reflexão ressalta a necessidade de reconhecer e garantir direitos equitativos para diferentes configurações familiares”, argumentou.

Possivelmente, o debate não se findará nos próximos momentos.

A decisão do STF representa um passo importante na garantia dos direitos das famílias homoafetivas e na promoção da equidade de gênero.

No entanto, é necessário ir além e questionar a distinção de direitos com base no sexo biológico, propondo medidas que reconheçam e valorizem todas as formas de parentalidade. Somente assim poderemos construir uma sociedade mais inclusiva e igualitária, onde todos os indivíduos tenham seus direitos e dignidade respeitados, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Autores

  • é delegada de Polícia Civil no Estado do Mato Grosso do Sul, lotada na 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), pós-graduada em Direito Penal e Processual Penale em Direito Público, especialista em Direito da Mulher, capacitada em Inteligência Policial e Investigação Cibernética e fundadora do primeiro escritório de advocacia para mulheres do estado do Tocantins.

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