Opinião

O Supremo Tribunal Federal e a licença-paternidade

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28 de dezembro de 2023, 13h16

O legislador constituinte reconhecendo que a maternidade é uma questão social quis assegurar a partilha das funções entre pai e mãe desde o nascimento do bebê, criando a licença-paternidade de cinco dias. É, pois, um direito do trabalhador, garantido constitucionalmente, de se afastar do trabalho, percebendo remuneração, após o nascimento de filho. Promove a igualdade de gênero, incentiva a participação do pai na criação e cuidado dos filhos e torna a responsabilidade familiar mais justa.

Trata-se de direito inexistente na legislação anterior, quer no plano constitucional (as Constituições anteriores não a previam), quer no plano infraconstitucional (a CLT também não a previa), não reivindicada até então nas negociações coletivas entabuladas entre os representantes dos empregados, consubstanciando-se, assim, em mais um preceito trabalhista e mais um avanço dentro do quadro dos direitos sociais.

O artigo 473, III da CLT, concedia ao pai trabalhador um dia de folga por ocasião do nascimento do filho, no decorrer da primeira semana, com o objetivo de efetuar o registro civil do filho.

O artigo 7 º, Inciso XIX da Constituição de 1.988 criou a licença paternidade e no artigo 10 § 1º do ato das disposições constitucionais transitórias estabeleceu que tal direito seria regulamentado por lei e que, enquanto não houvesse a regulamentação, o período de licença paternidade seria de cinco dias, absorvendo aquele um dia de folga para efeito do registro do nascimento.

Em 21/09/2022, o artigo 37 da Lei 14.457 alterou o Inciso III do artigo  473 da CLT, passando na sua redação a constar os cinco dias consecutivos da licença-paternidade ditados pelo ato das disposições constitucionais transitórias prevendo, também, a aplicação para os casos de adoção e de guarda compartilhada.

Os cinco dias podem ser ampliados pelas convenções coletivas negociadas entre os sindicatos patronal e dos trabalhadores das diferentes categorias profissionais e por política da empresa que poderá fazer constar no seu regulamento interno. Desde a última década, algumas empresas têm buscado ampliar o período de licença dos pais, a exemplo do Grupo Boticário, Nestlé, Meta, Shell.

Também podem ser ampliados, desde 2016 (Lei 13.257), por mais 15 dias, totalizando 20, a requerimento dos trabalhadores em empresas filiadas ao Programa Empresa Cidadã, do governo federal que concede benefícios fiscais.

Muito embora essas possibilidades, pouco utilizadas, correspondendo, por exemplo, o Programa Empresa Cidadã na adesão de apenas 16% do universo de empresas existentes no Brasil, o fato é que passados 35 anos do advento da Constituição de 1.988, até hoje inexiste essa regulamentação. Ou seja, não há uma lei que discipline esse direito, aplicando-se tão somente o prazo transitório de cinco dias previsto no § 1º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Em 2012, porém, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde propôs ação que foi votada no Supremo Tribunal Federal em 14/12/2023, questionando o fato de o Congresso Nacional ainda não ter aprovado um prazo definitivo para a licença-paternidade.

Os ministros do STF, por maioria, reconheceram que há lacuna, omissão inconstitucional do Congresso Nacional na regulamentação desse direito porque até hoje a licença-paternidade é um direito exercido com base na regra transitória da Constituição que diz expressamente que a licença-paternidade precisa ser disciplinada em lei. Não há a lei prevista pelos constituintes.

Essa omissão fere a Constituição e impede o exercício pleno dos direitos fundamentais. A regra transitória, temporária, tornou-se insuficiente ao longo dos anos e já não reflete a evolução dos papéis desempenhados por homens e mulheres na família e na sociedade. Além disso, esta falta de normas traz impacto ao exercício de outros direitos fundamentais, como a igualdade entre os gêneros, a existência de famílias monoparentais, a existência de casais homoafetivos e a proteção da criança.

Os ministros do STF decidiram também que Congresso Nacional (Câmara e Senado) terá que se organizar para produzir uma lei no prazo estipulado de 18 meses, preparando estudos, relatórios, pareceres e sugestões no formato que possibilite a concessão da licença-paternidade sem que haja reflexos negativos aos empregadores e aos trabalhadores.

Na regulamentação deve ser estabelecido o custeio e o prazo de afastamento, tendo-se em vista que hoje não é benefício previdenciário. É um direito do pai trabalhador e um ônus do empregador que tem o DEVER de remunerá-lo.

Se o prazo de 18 meses transcorrer “in albis“, mantendo-se a inércia na regulamentação, o STF será o protagonista e fixará os parâmetros.

O Brasil se alinha entre os países com o menor período de licença-paternidade. São 115 países que a concedem, e em 102 países ela é remunerada. Na Coréia do Sul, o período é de 52 semanas (13 meses) para os pais (pai e mãe). No Japão, 26 semanas (seis meses).

Hoje quais são os benefícios garantidos pela licença paternidade?
A licença-paternidade, desde a sua criação, é um direito garantido constitucionalmente ao trabalhador de se afastar por cinco dias do trabalho percebendo a remuneração, por ocasião do nascimento de filho.

É um direito e não um benefício, diferente do que acontece com a licença-maternidade, que é arrolada no artigo 201 da Constituição vigente como um benefício previdenciário suportado pela Previdência Social. A licença-paternidade é um ônus do empregador, que tem o dever de remunerá-lo. Este é o entendimento esposado pela Instrução Normativa nº 1 do Ministério do Trabalho, de 12/10/1988.

O período de cinco dias de afastamento, conforme já mencionado, pode ser ampliado por meio de negociação coletiva entre os sindicatos patronal e dos empregados das diferentes categorias ou ainda por política da própria empresa constante do seu regulamento interno.

Desde 2016, com o advento da Lei 13.257, o período de cinco dias pode, também, ser ampliado por mais 15 dias, totalizando 20 dias, a requerimento dos trabalhadores de empresas filiadas ao Programa Empresa Cidadã, do Governo Federal, que concede benefícios fiscais às empresas que aderirem. Nesse caso, o pai deve requerer o afastamento no prazo de dois dias úteis após o nascimento da criança e ainda comprovar a sua participação em programa ou atividade de orientação sobre a paternidade responsável.

O pai adotante tem igualmente direito à licença-paternidade, nos mesmos termos e moldes do pai biológico, também não importando o estado civil. Vale aqui lembrar que a mãe adotante tem o mesmo direito da mãe biológica quanto à licença-maternidade, tendo o plenário do STF decidido que não pode haver diferença na licença-maternidade concedida à mãe biológica e à mãe adotante. Ambas têm direito a, no mínimo, 120 dias (Tema 782 da repercussão geral).

Em caso de casais homoafetivos femininos, somente uma delas consegue se ausentar com os mesmos direitos da licença-maternidade, e o outro membro do casal teria a licença-paternidade de cinco a 20 dias.

Com relação ao pai solo, o STF decidiu que aqueles que enfrentam a jornada sozinhos têm direito à licença de 180 dias.

Homens transgêneros que decidem engravidar tem todos os direitos relacionados à licença-maternidade.

O Supremo Tribunal Federal tem se posicionado a favor da igualdade entre homens e mulheres e recentemente estabeleceu uma licença-paternidade mais longa em um caso específico.

Está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 1.974/2021, que preconiza uma licença parental de 180 dias para cada pessoa de referência da criança, limitada ao máximo de duas, substituindo as licenças maternidade e paternidade, eliminando-se a diferenciação da licença a partir do binômio homem-mulher, atendendo-se desta forma as novas formas de entidades familiares. E mais recentemente, o Projeto de Lei 3.773/2023 cria o salário paratentalidade, permitindo a permuta entre pais e mais dos períodos de licença-paternidade e de licença-maternidade.

Durante esses 18 meses, há a possibilidade de esse direito ser ampliado ou reduzido?
Enquanto não houver a regulamentação legal da licença paternidade, a redução não pode ser aplicada, vez que o artigo 10, § 1º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece o prazo de cinco dias. A diminuição, se praticada, seria inconstitucional.

Todavia, é possível a ampliação resultante de negociação coletiva entre os sindicatos patronal e dos empregados das diferentes categorias, por política da empresa fazendo previsão no seu regulamento interno, pela adesão ao Programa Empresa Cidadã e, por fim, pela via judicial.

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