Opinião

Controvérsias e necessidade de distinção quanto ao Tema 1.105 do STJ

Autor

  • Wévertton Gabriel Gomes Flumignan

    é mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) membro de grupos de pesquisa da USP-FDRP professor advogado e sócio do escritório Advocacia Flumignan.

22 de março de 2024, 17h18

Em 2023, o STJ julgou o Tema Repetitivo 1.105 [1], afirmando a manutenção da eficácia e aplicabilidade do conteúdo da Súmula 111, mesmo após a entrada em vigor do CPC/15, no que diz respeito à fixação de honorários advocatícios em ações previdenciárias.

Conforme a Súmula 111 do STJ, em ações previdenciárias, os honorários advocatícios não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença:

Súmula 111, STJ – Os honorários advocatícios devem incidir apenas sobre os benefícios previdenciários vencidos até a sentença, excluído do cálculo do percentual, as parcelas vincendas.

Com o advento do CPC/15, a Súmula 111 do STJ tornou-se objeto de intenso debate, principalmente devido ao disposto no artigo 85, §2º, do CPC, que estabelece como base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da condenação e o proveito econômico da demanda (ou, subsidiariamente, o valor da causa atualizado, quando imensurável o valor da condenação ou o benefício econômico obtido).

Há posicionamentos na doutrina que criticam tanto a Súmula 111 do STJ quanto o Tema Repetitivo 1105, justamente em razão do que preconiza o artigo 85, §2º, do CPC. Um exemplo disso é o posicionamento de Marco Aurélio Serau Jr. [2]:

Portanto, compreendemos que essa interpretação dada pelo STJ, tanto na Súmula 111 como no Tema 1.105, ao fixar o alcance dos honorários advocatícios somente até o momento da sentença, não se sustenta, especialmente face a redação literal do artigo 85, § 2º, do CPC, que temos por violado nesse julgamento.

Observa-se, ainda, que o artigo 85, §3º, do CPC já estabeleceu limitações aos honorários advocatícios em relação às ações em que a Fazenda Pública seja vencida. Considerando também a limitação temporal da sentença imposta pela Súmula 111 do STJ, seria possível até mesmo argumentar sobre a ocorrência de bis in idem, uma vez que o advogado poderia ter seus honorários advocatícios limitados em duplicidade.

Ademais, tal posicionamento viola o Tema Repetitivo 1.050 do próprio STJ [3], que menciona que o pagamento de benefício previdenciário, na via administrativa, seja ele parcial ou total, após a citação válida, não tem o condão de alterar a base de cálculo para os honorários advocatícios fixados na ação de conhecimento, que deve englobar a totalidade dos valores devidos.

A premissa adotada pelo STJ para manter vigente a sua Súmula 111 foi, mesmo que implicitamente, o de desencorajar o indevido prolongamento da demanda, possibilitando que o segurado autor recebesse prontamente as prestações judicialmente reconhecidas em seu favor.

Demanda judicial prolongada forçadamente

Em outras palavras, se os honorários advocatícios abarcassem também as prestações vencidas após a sentença, isso poderia estimular a parte a interpor mais recursos, uma vez que, quanto mais se prolongasse a demanda judicial, mais parcelas do benefício previdenciário o autor receberia e, consequentemente, essas parcelas seriam incluídas no cálculo dos honorários sucumbenciais.

Essa premissa, inclusive, embasou a redação da Súmula 111 do STJ, que o Tema Repetitivo 1105 considerou válida e aplicável, conforme mencionado na nota técnica apresentada pelo Conselho Federal da OAB nos autos do julgamento.

Apesar de o entendimento ser defensável e a linha de argumentação lógica, não está em consonância com posicionamentos anteriores do próprio STJ, visto que a presunção de boa-fé é princípio geral de direito amplamente reconhecido. De fato, o STJ menciona, por exemplo, que a boa-fé se presume, enquanto a má-fé se prova, conforme indicado no item 1.3 do Tema Repetitivo 243[4] e em diversos outros precedentes.

Spacca

Ao estipular ser válida e aplicável a Súmula 111 do STJ se adota, ainda que de forma implícita, também o posicionamento de que a parte poderia ingressar com recursos protelatórios com o intuito de prolongar o desfecho da demanda e, consequentemente, majorar os honorários advocatícios.

Nesse contexto, parece ocorrer uma inversão na lógica desse princípio geral de direito, presumindo-se que a parte agiria de modo temerário mesmo diante de uma sentença que lhe fosse completamente favorável.

Por exemplo, consideremos o cenário em que é a própria parte vencida, ou neste caso específico, a autarquia previdenciária, quem recorre. Não haveria razão para que os honorários advocatícios não incidissem sobre as parcelas que se venceram até o julgamento do recurso e o consequente trânsito em julgado.

Nesse caso, a parte autora e seus advogados não recorreram e nem tiveram a intenção de atrasar o andamento do processo, mas ainda assim serão prejudicados pela demora e não receberão uma remuneração adequada pelo trabalho e tempo extra despendidos devido aos recursos interpostos pela autarquia previdenciária.

O próprio CPC apresenta disposições legais para coibir atitudes temerárias no processo, tal como a de protelar o andamento processual com intuito violador da boa-fé. É o caso, por exemplo, dos incisos IV, V e VII do artigo 80, que estabelecem que a parte será considerada litigante de má-fé se opuser resistência injustificada ao andamento do processo, proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo e se interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Da mesma forma, se as partes opuserem embargos de declaração com intuito protelatório e sem fundamento, poderão ser condenadas a pagar ao embargado multa de até 2% sobre o valor atualizado da causa (artigo 1.026, §2º, do CPC). Em caso de reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, a multa poderá ser elevada a até 10% (artigo 1.026, §3º, do CPC).

Ma-fé ou recurso protelatório

Disposição semelhante também se encontra no artigo 1.021, §4º, do CPC, que estabelece multa entre 1 e 5% do valor atualizado da causa quando o agravo interno for manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime.

Dessa forma, caso a parte vencedora do processo interpusesse recurso com intuito manifestamente protelatório, ela poderia, em tese, ser punida por litigância de má-fé ou com multa a depender da espécie de recurso. Já há punição em lei para tais atos.

Da mesma maneira, se o advogado formular pretensões ou defesas quando ciente de que são destituídas de fundamento, como no caso de recurso manifestamente protelatório, poderá ser responsabilizado disciplinarmente pela OAB, após ofício do juiz, conforme previsto no artigo 77, II e §6º, do CPC.

Ainda que o entendimento adotado pelo STJ seja defensável, seria mais razoável que, ao menos, houvesse uma distinção entre os casos, levando-se em consideração a parte recorrente e os fundamentos do recurso.

Se a parte autora recorresse com intuito manifestamente protelatório, os honorários deveriam incidir apenas até a sentença. No entanto, caso a parte autora buscasse efetivamente alterar e modificar questões pertinentes, fundamentadas em premissas jurídicas e legais plausíveis, ou se o ente público fosse o recorrente, nada impediria que os honorários incidissem sobre o total das parcelas vencidas até o trânsito em julgado.

Não há justificativa para que os honorários advocatícios não incidam sobre as parcelas vencidas após a sentença se o recorrente for o próprio ente público ou se a parte autora realmente buscou alterar e modificar questões pertinentes. Nesses casos, se o entendimento da Súmula 111 do STJ fosse adotado, os honorários não seriam condizentes com o trabalho extra realizado pelos advogados nas instâncias superiores.

Portanto, embora seja defensável o entendimento do STJ no Tema Repetitivo 1105 e na Súmula 111, deve-se ao menos haver uma distinção entre os casos, considerando que já existem medidas suficientes para punir recursos manifestamente protelatórios e temerários.

É imprescindível que o STJ exerça sua função constitucional de uniformizar a interpretação da lei federal e harmonize o entendimento com as distinções necessárias em relação à fixação de honorários advocatícios em demandas previdenciárias, observando o que dispõe o CPC a respeito do tema.

 


[1] Tema repetitivo 1105, STJ – Continua eficaz e aplicável o conteúdo da Súmula 111/STJ (com a redação modificada em 2006), mesmo após a vigência do CPC/2015, no que tange à fixação de honorários advocatícios.

[2] SERAU JR, Marco Aurélio. Honorários advocatícios nas ações previdenciárias: Tema 1105 do STJ. In: Meu site jurídico. Disponível em: <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/03/14/honorarios-advocaticios-nas-acoes-previdenciarias-tema-1105-do-stj/>. Acesso em: 06/03/2024.

[3] Tema repetitivo 1050, STJ – O eventual pagamento de benefício previdenciário na via administrativa, seja ele total ou parcial, após a citação válida, não tem o condão de alterar a base de cálculo para os honorários advocatícios fixados na ação de conhecimento, que será composta pela totalidade dos valores devidos.

[4] Tema repetitivo 243, STJ – (…) 1.3. A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova. (…)

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