Direito Eleitoral

A democracia inclusiva nas eleições municipais deste ano

Autores

  • Sabrina Veras

    é advogada graduada em Direito e Gestão Pública especialista em Ciência Política. Vice-presidente do Tribunal de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia da OAB-CE. Integrante da Comissão Especial de Direito Eleitoral do CFOAB Coalizão Nacional de Mulheres da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político Abradep do Instituto Brasileiro de Direito Partidário do Instituto Empoderar e do Instituto de Direito Parlamentar.

  • Ana Candelmo

    á advogada membro da Frente Nacional das Mulheres com Deficiência (FNMD) coordenadora estadual da Coalizão Nacional de Mulheres Membro do Grupo Gestor do Fórum Suprapartidario de Mulheres de Santa Catarina membro do Coletivo Mulheres pela Democracia membro da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ).

18 de março de 2024, 10h21

Neste ano de 2024, teremos eleições municipais para definir as pessoas que representarão a população entre os anos de 2025 à 2029, por meio de mandatos do legislativo (vereadoras e vereadores) e do executivo municipal (prefeitas, prefeitos, vice-prefeitas e vice-prefeitos).

Neste processo, os partidos políticos têm um papel fundamental, visto que é condição de elegibilidade a filiação partidária.

Além disso, são as agremiações que conduzem as estratégias para eleger o maior número de pessoas de seus respectivos partidos, promovem as convenções para definição das candidatas e dos candidatos, decidem se haverá coligações nas disputas pelos cargos de chefe do poder executivo municipal, promovem formações políticas, bem como administram, estabelecem critérios e distribuem os recursos do fundo partidário e fundo especial de campanha eleitoral, dentre outras atividades.

Importante esclarecer que no Brasil, conforme o artigo 45 da Constituição e artigos 106 a 108 da Lei 4.737/65, Código Eleitoral, o voto é obrigatório, as eleições são periódicas, e adotamos duas formas de eleição, a majoritária para os cargos de chefe do executivo e senadores e a proporcional para os cargos de vereadores, deputados estaduais e deputados federais.

Com relação ao sistema proporcional, também é necessário esclarecer que adotamos o de lista aberta, o que significa que os votos são contabilizados em benefício do candidato, mas também para o seu partido, de forma que somente irão exercer o mandato aqueles candidatos cujo somatório de votos de todos os candidatos da sua respectiva legenda atinja o quociente eleitoral e quociente partidário.

Nesse cenário, há quem aposte em quem serão os possíveis vencedores, até porque os dados revelam que o perfil pouco muda a cada eleição: pois a maioria dos eleitos são pessoas do gênero masculino, casadas, brancas, de meia idade, com nível superior completo, empresários de famílias tradicionalmente das elites de poder social, econômico ou político. O padrão é esse, mas o retrato da população não é.

Vivemos numa democracia representativa, teoricamente, os representantes eleitos através do sistema proporcional representam o povo, o que deveria abrir espaço para diversos protagonistas considerando aspectos culturais, étnicos, econômicos, políticos e histórico-sociais.

O povo brasileiro é plural e é rico em sua diversidade, somos muitos e múltiplos, mas grande parte desse povo, por falta de incentivos, é quase invisível na época de campanha eleitoral. E, a cada resultado das eleições, podemos observar que essa diversidade da população brasileira continua sub-representada nos espaços de poder e liderança, afetando diretamente nas políticas públicas que poderão ou não ser implementadas.

Através do relatório da ONG #ElasNoPoder de 2020 [1], se pode ter um retrato do tamanho das desigualdades de gênero no acesso ao poder. Logo de início, tal relatório traz os dados da União Interparlamentar onde mostram que apenas 24% de todos os parlamentares mundiais são mulheres.

No Brasil, as mulheres somavam à época do relatório 52,8% da população brasileira, mas na política nacional, representavam apenas 16% dos políticos eleitos. Em 2022, segundo a União Interparlamentar [2], esse número pouco se alterou, sendo que apenas 17,54% dos parlamentares são mulheres.

Outro marcador que chama a atenção é a idade. Apenas 36,84% dos parlamentares possuem menos de 34 anos. Se entende no entanto, que a realidade é ainda pior quando se apura um olhar de maneira transversal, seja através do gênero, classe, deficiência, e demais marcadores sociais.

A boa notícia é que conforme a própria União Interparlamentar, também se verifica um crescimento, embora ainda muito tímido, do crescimento da diversidade nos parlamentos pelo mundo, incluindo no Brasil [3]:

As conclusões do relatório anual da UIP baseiam-se nos 47 países que realizaram eleições em 2022. Nessas eleições, as mulheres ocuparam em média 25,8% dos assentos eleitos ou nomeados. Isto representa um aumento de 2,3 pontos percentuais em comparação com renovações anteriores nestas câmaras.
O Brasil viu um recorde de 4.829 mulheres que se identificam como negras concorrendo às eleições (de 26.778 candidatas); nos EUA, um número recorde de mulheres negras (263) concorreu às eleições intercalares; A representação LGBTQI+ na Colômbia triplicou de dois para seis membros do Congresso; e em França, 32 candidatos provenientes de minorias foram eleitos para a nova Assembleia Nacional, um recorde histórico de 5,8% do total.”

No entanto, ainda é notório que essa sub-representação atinge sobretudo pessoas do gênero feminino, pessoas LGBTQIA+, pessoas com deficiência, pessoas indígenas e pessoas negras, porém não temos dados suficientes que demonstrem quantitativa e qualitativamente quem são as pessoas que estão filiadas e que registram as suas candidaturas.

Atualmente, a Justiça Eleitoral já incluiu nos seus cadastros informações inerentes à condição de pessoas com deficiência, identidade de gênero e raça, porém não temos informações específicas sobre orientação sexual e expressão de gênero, o que afeta diretamente a população LGBTQIA+.

Diante disso, acredita-se que o fornecimento de informações específicas sobre expressão de gênero, orientação sexual e identidade de gênero nos cadastros de filiação e registro de candidaturas contribua para que a disputa eleitoral se torne cada vez mais inclusiva, como também permite que pessoas LGBTQIA+ sejam reconhecidas e incluídas no cenário político-partidário e político-eleitoral.

Além disso, a categorização humana com o termo “raça” é entendida por muitos estudiosos como pejorativa, tendo em vista que a raça humana é única. Neste sentido, para que as pessoas declarem a cor da sua pele e o pertencimento de nações originárias, o termo mais apropriado e inclusivo para os cadastros de alistamento eleitoral, filiação partidária e registro de candidatura seria o termo — etnia.

Em maio do ano passado (2023), em reunião realizada pelo então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o ministro Alexandre de Moraes, foi discutida a necessidade de inclusão no cadastro eleitoral dos candidatos, a opção de gênero e orientação sexual, para servir inclusive como mapeamento, com o intuito de incentivar as candidaturas desse grupo.

Neste sentido, foi apresentada a sugestão de alteração do requerimento de registro de candidatura pela advogada Sabrina Veras, durante as audiências públicas no TSE sobre as resoluções para as eleições de 2024.

Por conseguinte, a Resolução n° 23.729/24 alterou o artigo 24 especificando e estabelecendo que os candidatos poderão informar a sua orientação sexual, identidade de gênero, etnia indígena ou pertencimento à comunidade quilombola, se a pessoa tem necessidade especial ou deficiência. Além disso, essas informações serão utilizadas para atualização de seus dados no Cadastro Eleitoral.

Outra medida que também pode contribuir para uma maior inclusão nos partidos políticos e no processo eleitoral seria a criação de uma Secretaria partidária, nos mesmos moldes da Secretaria da Mulher, que seria chamada de Secretaria de Inclusão e Diversidade, no âmbito partidário para colaborar no recrutamento, coordenar capacitação e formação política, fiscalização e avaliação das candidaturas de pessoas LGBTQIA+, pessoas indígenas, pessoas negras e pessoas com deficiência, a fim de que tenham acesso aos fundos partidário e especial de financiamento de campanha (FEFC).

As sugestões têm o objetivo de fortalecer as políticas afirmativas eleitorais ao enfrentar a problemática da sub-representação de populações vulnerabilizadas em seus direitos. As pessoas LGBTQIA+, pessoas indígenas e pessoas com deficiência ainda são massivamente marginalizadas e invisibilizadas no âmbito partidário, dificultando as suas participações nas reuniões partidárias que buscam definir estratégias, formações políticas e critérios para distribuição dos recursos.

Essas políticas afirmativas são necessárias para diminuir desigualdades e equiparar as condições eleitorais, bem como propiciar a emancipação política, a qual é renegada, muitas vezes de maneira capacitista, lgbtfóbica, racista, misógina. Por conseguinte, para que essas pessoas sejam eleitas, é necessário um trabalho de todos, mas a justiça eleitoral e os partidos políticos têm um papel fundamental na promoção de uma democracia inclusiva.

A própria União Interparlamentar [4], atesta que as quotas legislativas estão sendo

novamente um fator decisivo nos aumentos observados na representação das mulheres. A quotas legislativas consagradas na constituição e/ou nas leis eleitorais exigem que um número mínimo de candidatos sejam mulheres (ou do sexo sub-representado). As câmaras com cotas legisladas ou combinadas com cotas partidárias voluntárias produziram uma proporção significativamente maior de mulheres do que aquelas sem cotas nas eleições de 2022 (30,9% versus 21,2%).”

Deste modo, a ampliação de quotas poderia diminuir as barreiras e acelerar o fim das desigualdades de representatividade nos espaços de poder.

O compromisso de romper com as desigualdades deve ser um compromisso social, um compromisso de todos, população, judiciário, partidos políticos, candidatos, e já detentores de mandato político. Fortalecer a diversidade e inclusão é fazer com que esses grupos sejam parte ativa da própria mudança, através do acesso aos espaços de poder e decisórios e o façam isso utilizando a sua própria voz.

 

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REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 19. Ed. São Paulo. Malheiros, 2012.
BIROLI, Flávia. MIGUEL, Luis Felipe. Feminismo e Política. 1. Ed. São Paulo. Boitempo, 2014.
CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 1. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
BRASIL.  [Constituição (1988)]. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em  https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 27 fev. 2024.
BRASIL. Lei n° 4.737/65, de 15 de julho de 1965. Código Eleitoral. Brasília, DF. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm. Acesso em: 27 fev. 2024.
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL ELEITORAL. Resolução nº 23.609, de 18 de dezembro de 2019. Brasília, DF. Disponível em https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2019/resolucao-no-23-609-de-18-de-dezembro-de-2019 Acesso em: 27 fev. 2024.
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL ELEITORAL. Resolução nº 23.729, de 27 de fevereiro de 2024. Brasília, DF. Disponível em https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2024/resolucao-no-23-729-de-27-de-fevereiro-de-2024 Acesso em: 13 mar. 2024.
MELO, Nivalda Batista de Melo; SOARES, Themis Ariadne Freire Starling; REIS, Ubiratan Campelo.A (des)proporcionalidade da representação política na Câmara dos Deputados à luz daConstituição Federal de 1988. 2008. TCC (Curso de Especialização em Poder Legislativo) – PUC-MG, Belo Horizonte, 2008. Disponível em: www.almg.gov.br

[1]https://elasnopoder.org/wp/wp-content/uploads/2020/07/ENP_MFO_RELAT%C3%93RIO_PESQUISA_V4.pdf 1  Inter-Parliamentary Union. “Women in national parliaments,” em Fevereiro de 2019. 2  http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais acesso em dezembro de 2019 3 http://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/estatistica-do-eleitorado-por-sexo-e-faixa-etaria

[2] https://www.ipu.org/parliament/BR

[3] https://www.ipu.org/news/press-releases/2023-03/new-ipu-report-shows-women-mps-have-never-been-so-diverse

[4] https://www.ipu.org/news/press-releases/2023-03/new-ipu-report-shows-women-mps-have-never-been-so-diverse

Autores

  • é advogada, graduada em Direito e Gestão Pública, especialista em Ciência Política. Vice-presidente do Tribunal de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia da OAB-CE. Integrante da Comissão Especial de Direito Eleitoral do CFOAB, Coalizão Nacional de Mulheres, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político Abradep, do Instituto Brasileiro de Direito Partidário, do Instituto Empoderar e do Instituto de Direito Parlamentar.

  • á advogada, membro da Frente Nacional das Mulheres com Deficiência (FNMD), coordenadora estadual da Coalizão Nacional de Mulheres, Membro do Grupo Gestor do Fórum Suprapartidario de Mulheres de Santa Catarina, membro do Coletivo Mulheres pela Democracia, membro da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ).

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