Opinião

Inexorabilidade do contraditório na extinção de execuções fiscais no Tema 1.184 do STF

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14 de março de 2024, 17h20

A recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), especificamente o Tema 1.184, trouxe ao debate jurídico uma questão fundamental acerca da legitimidade da extinção de execuções fiscais de pequeno valor, com base no princípio da eficiência administrativa.

Este artigo, sem adentrar em especificidades factuais ou identificar partes, propõe uma análise crítica sobre a aplicabilidade indiscriminada desta decisão, especialmente considerando a realidade dos municípios pequenos, cuja dependência dos ingressos provenientes de execuções fiscais é notória.

A reflexão aqui proposta, embasada na doutrina, na legislação e nos fundamentos jurídicos aplicáveis, visa a evidenciar a importância da observância do contraditório e da análise caso a caso, sob a ótica do pacto federativo e da autonomia municipal.

Pacto federativo e autonomia municipal

O pacto federativo brasileiro, assegurado pela Constituição de 1988, estabelece a autonomia dos entes federativos, incluindo, em seu bojo, a competência dos municípios para a instituição e cobrança de tributos, bem como para a administração de suas execuções fiscais.

Esta autonomia é pedra angular para a compreensão da dinâmica fiscal e tributária municipal, especialmente em municípios de menor porte, cuja arrecadação se mostra crucial para a manutenção e implementação de políticas públicas essenciais.

Tema 1.184 do STF e a necessidade de análise caso a caso

O Tema 1.184 do STF reconhece a possibilidade de extinção de execuções fiscais de baixo valor, porém, salienta a necessidade de uma análise criteriosa que leve em conta a eficiência administrativa.

Essencialmente, tal tese impõe a verificação do interesse de agir do ente federado na condução da execução fiscal, o que, inevitavelmente, demanda uma análise pormenorizada e individualizada de cada caso.

Este posicionamento, embora visando à racionalização da máquina judiciária, não pode ser interpretado ou aplicado de forma a comprometer a gestão fiscal dos municípios, em especial aqueles de menor porte, para os quais cada execução fiscal pode representar uma parcela significativa de sua arrecadação.

O contraditório como garantia de justiça fiscal

A aplicação do Tema 1.184, sem a devida consideração do contraditório, pode resultar em decisões que, embora alinhadas ao princípio da eficiência administrativa, desconsideram a realidade econômica e financeira dos municípios afetados.

A garantia do contraditório, princípio basilar do direito processual, assegura que todas as partes envolvidas possam apresentar suas razões antes de qualquer decisão judicial que possa afetar seus interesses, especialmente em matérias de extinção de execuções fiscais.

A polêmica Resolução nº 547 do CNJ

A Resolução 547 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), recente sendo de 22 de fevereiro do ano corrente, representa um esforço significativo para endereçar a questão da morosidade nas execuções fiscais, que figura como um dos principais entraves à celeridade processual no Poder Judiciário brasileiro.

Este normativo, alinhando-se à tese do Tema 1.184 do STF, estabelece diretrizes para a extinção de execuções fiscais de baixo valor, com o objetivo de racionalizar a tramitação destes feitos e promover uma maior eficiência administrativa.

Spacca

Especificamente, a resolução legitima a extinção de execuções cujo valor não exceda R$ 10.000,00, fundamentando-se na ausência de interesse de agir, ao passo que também delineia procedimentos prévios obrigatórios — como a tentativa de conciliação ou adoção de soluções administrativas e o protesto do título — visando a uma resolução extrajudicial dos conflitos tributários.

No entanto, a constitucionalidade da Resolução 547 do CNJ suscita importantes questionamentos, principalmente no que tange ao respeito ao pacto federativo, a tripartição dos poderes, o princípio da legalidade tributária e à garantia do devido processo legal.

A imposição de um limite valorativo para a extinção de execuções fiscais pode ser vista como uma restrição à autonomia dos entes federativos, especialmente os municípios, na medida em que interfere na capacidade desses entes de arrecadar tributos e executar suas políticas fiscais conforme determinado por suas próprias legislações.

Além disso, a determinação de critérios administrativos para a extinção de execuções fiscais sem a devida manifestação e contraditório das partes envolvidas pode representar uma violação ao direito constitucional de acesso à justiça e ao amplo direito de defesa, elementos fundamentais do devido processo legal.

Tais aspectos colocam em xeque a adequação da resolução às normas constitucionais vigentes, indicando a necessidade de um debate aprofundado sobre sua aplicação e os possíveis impactos no federalismo fiscal brasileiro.

Conclusão

A extinção em massa de execuções fiscais, fundamentada exclusivamente no valor devido, sem a devida análise individualizada e sem a observância do contraditório, confronta a autonomia municipal e o pacto federativo. Tal prática, desconsidera as peculiaridades de cada ente federado e suas respectivas necessidades financeiras, comprometendo a implementação de políticas públicas fundamentais.

Noutra via, a Resolução 547 do Conselho Nacional de Justiça e o Tema 1.184 do STF representam uma oportunidade valiosa para os municípios reavaliarem e potencialmente reduzirem seus acervos de execuções fiscais improdutivas, aquelas sem possibilidade clara de recebimento efetivo dos créditos cobrados.

Diante deste cenário, os municípios têm a chance de implementar uma gestão fiscal mais eficiente e estratégica, concentrando esforços em execuções fiscais com maior probabilidade de recuperação de créditos, ao mesmo tempo em que eliminam processos que apenas sobrecarregam o sistema judiciário sem retorno financeiro significativo.

Essa abordagem não só alinharia os municípios às diretrizes de eficiência administrativa promovidas pela resolução, mas também contribuiria para uma administração tributária mais ágil e eficaz, maximizando a arrecadação municipal e reduzindo custos operacionais desnecessários.

Neste contexto, urge a necessidade de um diálogo mais aprofundado e criterioso entre as instâncias judiciais e os entes federativos, de forma a assegurar uma aplicação do Tema 1.184 do STF que respeite os princípios constitucionais do contraditório, da eficiência, da autonomia municipal, e do pacto federativo.

A justiça fiscal e a eficácia administrativa devem caminhar lado a lado, sem que uma suplante a outra, garantindo-se assim a realização de uma verdadeira justiça tributária e fiscal no Brasil.

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