Opinião

A participação de estrangeiros em instituições financeiras brasileiras

Autor

  • Marcelo Godke

    é sócio do Godke Advogados especialista em Direito Empresarial Mercado de Capitais (securitização derivativos IPOs) Integridade Corporativa M&A Societário Project Finance Contratos Domésticos e Internacionais e em Direito dos Contratos pelo Ceu Law School professor do Insper e da Faap mestre em Direito pela Columbia University School of Law e doutorando pela Universiteit Tilburg (Holanda) e em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).

11 de março de 2024, 6h39

As atividades bancárias estão entre as mais reguladas e vigiadas em nossa economia. Assim, a instalação de dependências no exterior de instituições financeiras brasileiras, a participação societária, no país ou no exterior, de instituições financeiras brasileiras, a nomeação de administradores de instituições financeiras, a fiscalização constante das atividades desenvolvidas por instituições financeiras, a forma e o conteúdo dos serviços prestados por instituições financeiras e a manutenção de níveis mínimos de capital das instituições financeiras, dentre inúmeros outros aspectos, são objeto de detalhadas regras e constante patrulhamento por autoridades financeiras pátrias.

Tamanha preocupação é legitimada pela necessidade de se proteger a economia popular. Afinal de contas, a atividade bancária é essencial ao funcionamento adequado de qualquer sistema econômico. Sem um sistema bancário minimamente regulado e protegido, as trocas econômicas ficaram sobremaneira restritas e prejudicadas.

Tal preocupação pode levar ao engessamento das atividades bancárias. Exemplo claro disso é o disposto nos artigos 18 da Lei nº 4.595/64 ([a]s instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras) e 52, II, e respectivo parágrafo único, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ([a]té que sejam fixadas as condições do artigo 192, são vedados:

I – a instalação, no país, de novas agências de instituições financeiras domiciliadas no exterior;
II – o aumento do percentual de participação, no capital de instituições financeiras com sede no país, de pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior.
Parágrafo único.
A vedação a que se refere este artigo não se aplica às autorizações resultantes de acordos internacionais, de reciprocidade, ou de interesse do governo brasileiro.

Ambos os dispositivos dão ao Poder Executivo a autoridade para restringir o acesso das instituições financeiras estrangeiras ao mercado doméstico.

Reprodução

Tal atribuição de poder tem um lado positivo e um negativo. Do lado positivo, criou um mercado bancário regulado, controlado e com poucos sobressaltos e problemas de falências ou liquidações forçadas de instituições financeiras. É um sistema estável e que protege os poupadores e depositantes brasileiro.

Do lado negativo, cria barreira difícil de ser transposta para que instituições financeiras estrangeiras acessem o mercado doméstico, já que as decisões sobre o assunto, tomadas pela Presidência da República, são demoradas e pouco embasadas em critérios subjetivos.

Além disso, impede a criação de regime de competição efetiva entre as instituições financeiras brasileiras. Por fim, leva à enorme concentração de ativos nas mãos de poucas instituições financeiras (com três conglomerados financeiros detentores de mais que 85% de todos os ativos bancários).

Decreto nº 10.029/19

Com isso em vista, foi editado, pela Presidência da República, o Decreto nº 10.029/19. Tal normativo determina que o Banco Central poderá reconhecer como de interesse do governo brasileiro a instalação, no país, de novas agências de bancos domiciliados no exterior e o aumento do percentual de participação, no capital de instituições financeiras com sede no país, de pessoas residentes ou domiciliadas no exterior.

Para que o Banco Central do Brasil possa emitir tal reconhecimento, deverá observar os requisitos previstos em regulamentação a ser editada pelo Conselho Monetário Nacional.

Na prática, o que o referido decreto fará é permitir que órgão técnico — no caso, o Banco Central — possa, no lugar da própria Presidência da República, com rapidez e com base em critérios objetivos, permitir acesso de bancos estrangeiros ao mercado doméstico.

Se o novo regime regulatório funcionar como se espera, a competição no mercado bancário deverá aumentar, o que terá como consequência a possível redução do spread bancário praticado por instituições financeiras brasileiras, a melhoria na qualidade dos serviços bancários prestados a clientes brasileiros e o aumento do acesso dos serviços bancários a um número maior de cidadãos, que hoje ainda é muito baixo. O tempo dirá se o novo regime funcionará como o esperado.

Autores

  • é sócio de Godke Advogados, especialista em Direito Empresarial, professor do Insper, do CEU Law School, da Faculdade Belavista e palestrante da FGV e do Ibmec.

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