Opinião

O futuro legislativo da regulamentação da reforma tributária

Autor

  • Pedro Merheb

    é pesquisador do Observatório do Poder Legislativo do IDP e monitor das matérias de Organização do Estado e Direito Administrativo.

2 de março de 2024, 6h36

No artigo anterior publicado aqui na Conjur, explorei a prognose legislativa da desoneração da folha de pagamentos à luz dos acontecimentos dos últimos meses e do cronograma estipulado pela Emenda Constitucional nº 132.

Apesar das expressões comungadas pelo título dos dois textos, não têm eles o fito de um exercício de futurologia sobre o saldo normativo das questões neles endereçadas, mas dos desdobramentos esperados sob as sinuosidades do processo legislativo e o contexto em que elas serão submetidas ao parlamento.

O projeto de lei complementar que regulamentarão a tributação sobre o consumo deverá ser apresentado em até quatro meses contados da promulgação da Emenda nº 132, prazo que se encerrará a 20 de abril.

Como se sabe, apenas a dimensão constitucional da reforma tributária foi concluída, cuja eficácia é limitada à regulamentação do seu programa normativo com as leis complementares citadas ao longo da Emenda nº 132.

O secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, inicialmente informou que seriam apresentados três projetos de lei complementar, respectivamente, ao IVA (IBS/CBS), ao Comitê Gestor e ao Imposto Seletivo.

Após apelos da assessoria técnica, informou o secretário que o processo administrativo fiscal também será tratado em uma proposição à parte, o que é inegavelmente promissor para a segurança jurídica da nova arquitetura tributária brasileira, como suscitado nas linhas finais de outro artigo também publicado neste Conjur em que fora analisada a constitucionalidade do comitê gestor à luz do princípio federativo.

Em um planejamento otimista, encaminhadas as proposições pelo Poder Executivo, seriam elas apreciadas pelas comissões e pelo plenário das casas do Congresso e, antes de 2026, quando a transição para o novo modelo de tributação sobre o consumo é iniciada, as três leis terão sido solenemente sancionadas e convertidas em lei.

O caminho da análise dos impostos
Analisando o mesmo itinerário legislativo levando em conta os fatores reais de poder que influem sobre o andamento das proposições no Congresso, podemos antever uma dinâmica mais familiar a projetos de lei marcados pelo relevo e premência da matéria em discussão. De antemão, é necessário compreender que, apesar da concomitância da propositura e da tramitação, a travessia dos projetos de leis complementares pelo Legislativo seguirá rumos distintos.

Apresentados os projetos, é esperado que os projetos de lei complementar regulamentadores do IBS/CBS e do Imposto Seletivo serão encaminhados, primeiramente, para a Comissão de Finanças e Tributação e, em seguida, para a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, como é a praxe das proposições sobre direito tributário — não deve ser diferente o curso do aventado projeto regulamentador do contencioso no âmbito do Comitê Gestor, salvo se a presidência da Câmara dos Deputados entender que a sua complexidade impõe a tramitação como projeto de código, o que é improvável.

A proposição relativa à criação do Comitê Gestor, por seu turno, terá sua tramitação iniciada na CCJC, de onde partirá para a Comissão de Administração e Serviço Público para que seja discutido o seu mérito.

Lula Marques/Agência Brasil

Em cada uma das comissões, será conferido prazo à apresentação de emendas e designado um relator para apresentação de parecer que poderá acolhê-las, rejeitá-las, opinar pela aprovação do texto na íntegra ou apresentar um substitutivo modificando largamente a redação inicial, desde que fiel ao sentido original das proposições — as quais, embora interdependentes, razão pela qual a comunicação entre o seu conteúdo deve ser a mais coesa possível, o fato de que as três terão destinos distintos dificulta sobremaneira um andamento linear tanto das proposições em si, como da matéria discutida.

Após passar pelas comissões
Ultrapassados os filtros das comissões, os três projetos de lei complementar serão necessariamente distribuídos ao plenário por determinação do artigo 24, II, ‘a’ do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, onde o desafio para os articuladores da reforma é renovado perante o órgão soberano da Casa.

Somado a essas considerações, há todas as adversidades inerentes a uma oposição indócil e melindrosa pela açodada tramitação da PEC 45-A que gestou a Emenda nº 132, aclimatadas por atritos preocupantes entre o governo e o Congresso por ocasião do cabo de guerra envolvendo desoneração da folha de pagamentos. Disso temos um ambiente fecundo para movimentações obstrutivas que podem interditar mortalmente o avanço dos projetos em debate.

Ademais, supondo que as proposições ainda estarão tramitando até fevereiro do ano que vem, e este provavelmente é o caso, mês em que as mesas diretoras das casas do Congresso são disputadas para o próximo biênio, é importante que quem quer que venha a ocupar a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado estejam empenhados com a missão apalavrada pelas presidências atuais em favor da regulamentação da reforma tributária em tempo hábil.

Para resguardar o sucesso das proposições e a segurança jurídica contra intempéries que venham a embaraçar o processamento dos projetos de lei complementar, é vital que as relações institucionais do governo priorizem a cordialidade política no trato com o parlamento que marcou o ano legislativo de 2023, em detrimento de ações que não fazem senão agravar as expectativas em torno de uma matéria tão crítica como a concretização da reforma tributária. Como observou o próprio Secretário Especial da Reforma Tributária em entrevista recente, “nem todas as variáveis políticas estão sob controle da área técnica”.

 

Referências
MERHEB, Pedro. O futuro legislativo da desoneração da folha de pagamentos. Conjur, 2024

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno. Brasília, 1989

EXAME. Reforma Tributária: Fazenda estuda quatro projetos para a regulamentação da reforma tributária, diz Appy. https://exame.com/economia/reforma-tributaria-fazenda-estuda-quatro-projetos-para-regulamentacao-e-envio-em-abril-diz-appy/

Autores

  • é consultor-chefe e coordenador de assuntos legislativos da Merheb Consultores em Brasília, ex-assessor dos grupos de trabalho na Câmara dos Deputados e do Senado Federal para a reforma tributária.

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