Processo Tributário

Redirecionamento da execução fiscal: prescrição e extinção do crédito tributário

Autor

  • Luis Claudio Ferreira Cantanhêde

    é procurador do estado de São Paulo doutor e mestre em Direito pela PUC-SP especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e em Direito do Estado pela Espge-SP professor no curso de pós-graduação de Direito Tributário e de Extensão do Processo Tributário Analítico no Ibet professor de Direito Tributário na Espge-SP e pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

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26 de maio de 2024, 8h00

No anterior artigo de minha autoria publicado nesta coluna [1], vimos que apenas as condutas praticadas após o lançamento tributário autorizam o redirecionamento da execução fiscal em face de terceiros (artigos 134 e 135 do CTN). Aquelas que o antecedem, permitem apenas a revisão do lançamento, mas jamais o simples redirecionamento da execução fiscal, pois somente assim haveria sentido na previsão do artigo 149 do CTN.

As mesmas condutas, se praticadas antes do lançamento, alçam o terceiro responsável à condição de sujeito passivo da obrigação tributária, ocorrendo a sua responsabilidade patrimonial com o inadimplemento desta obrigação. Já se praticadas após aquele ato — do lançamento — porque não demandam alteração da sujeição passiva tributária, mas exclusiva responsabilidade patrimonial do terceiro, permitem o simples redirecionamento da cobrança executiva, sem qualquer alteração na obrigação tributária. O terceiro, no caso, apenas tem seu patrimônio submetido à expropriação forçada para o pagamento de crédito tributário do qual não é devedor.

Trata-se de conclusão afinada com a postura teórica que distingue o débito (shuld) da responsabilidade (haftung) e que preside o raciocínio aqui desenvolvido em relação ao espinhoso tema da responsabilidade tributária e do redirecionamento da execução fiscal.

Nessa esteira, exsurge adequado afirmar que a revisão do lançamento, porque promove a alteração da própria obrigação tributária, submete-se a prazo decadencial, nos termos do parágrafo único do artigo 149 do CTN, e o redirecionamento da execução fiscal sujeita-se a prazo de prescrição, afinal, a decadência relaciona-se ao direito de constituir a obrigação tributária, enquanto que a prescrição diz com a cobrança de um crédito já constituído.

Apesar dessa diferença, é curial que no direito tributário inexiste, quanto aos efeitos, distinção entre prescrição e decadência, pois ambas redundam na extinção da obrigação tributária, por força do disposto no artigo 156, inciso V do CTN [2].

Prescrição do redirecionamento

Sendo essa assertiva inquestionável, resta cogitar-se a prescrição do redirecionamento da execução fiscal em face de terceiros também ostenta esse mesmo efeito. Em termos mais singelos, a obrigação tributária extingue-se quando é reconhecida a prescrição do redirecionamento da execução fiscal em face do terceiro?

Vejamos como, dinamicamente, transcorre o ciclo normativo de constituição e cobrança de um crédito tributário: com o lançamento, constitui-se a obrigação tributária (vínculo jurídico entre sujeito ativo e passivo). Devidamente notificado, o sujeito passivo tem o prazo para efetuar o pagamento ou, eventualmente, apresentar defesa administrativa. Ausente o pagamento, surge, então, a responsabilidade patrimonial para o sujeito passivo, de modo que ao fisco caberá tomar as providências de cobrança necessárias à expropriação forçada: inscrição em dívida ativa e ajuizamento da execução fiscal.

Quando, após o lançamento, ocorre fato determinante da responsabilidade de terceiros, a cobrança, até aí restrita ao sujeito passivo da obrigação tributária, agora poderá também abranger o patrimônio daqueles, desde que devidamente comprovado o fato que, aliado ao inadimplemento, permite ao fisco cobrar-lhe o crédito tributário.

Esse fato, notadamente, deve enquadrar-se em uma das previsões dos artigos 134 e 135 do CTN, e o palco adequado para a sua comprovação tem sido o do processo de execução fiscal, situação, aliás, determinante para que se nomeie na prática, usual nos casos de encerramento irregular da devedora originária, de “redirecionamento da execução fiscal”.

Podemos, nesse quadrante, divisar que, com o inadimplemento da obrigação tributária, desata-se o prazo prescricional para a cobrança do crédito tributário em face do devedor original. A execução fiscal deverá ser ajuizada dentro de cinco anos, sob pena de perda do direito de ação e, na forma do artigo 156, inciso V, do Código Tributário Nacional, extinção do próprio crédito tributário.

De outro lado, quanto ao redirecionamento da execução fiscal, o Superior Tribunal de Justiça, em sede repetitiva, fixou tese no sentido de que a prescrição corre a partir da prática do ato inequívoco que determina a responsabilidade do terceiro, aplicando a teoria da actio nata, ressalvando, contudo, que, quando esse ato for anterior à citação do devedor originário na execução fiscal, o lustro prescricional inicia-se a partir dela. [3]

Bem elucida o entendimento firmado pelo STJ, a seguinte passagem da tese firmada no Tema 444:

O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança do crédito dos sócios-gerentes infratores, nesse contexto, é a data da prática de ato inequívoco indicador do intuito de inviabilizar a satisfação do crédito tributário já em curso de cobrança executiva promovida contra a empresa contribuinte, a ser demonstrado pelo Fisco, nos termos do art. 593 do CPC/1973 (art. 792 do novo CPC – fraude à execução), combinado com o art. 185 do CTN (presunção de fraude contra a Fazenda Pública).

A partir da dinâmica delineada, podemos retomar a questão que anima este artigo, até melhorando-a, pois o que se quer saber é: qual dessas prescrições — a comum e a do redirecionamento da execução fiscal – importa na extinção da obrigação tributária?

Inicialmente, cabe afirmar que apenas a prescrição decorrente da inação do fisco em promover a cobrança judicial do crédito tributário em face do devedor originário implica a extinção da obrigação tributária na forma do artigo 156, inciso V, do CTN. Exercida essa pretensão dentro do quinquênio legal, a prescrição da pretensão em relação a outros responsáveis, o que configura o caso de redirecionamento da execução fiscal, não levará ao aludido efeito.

O reconhecimento, no âmbito da execução fiscal, da prescrição da pretensão de seu redirecionamento a terceiros não afetará a obrigação tributária principal, que remanescerá lídima, de modo que seu pagamento não ensejará o direito à restituição do indébito tributário.

De outro lado, caso se decida que a pretensão em face do devedor originário estava prescrita quando do ajuizamento da execução fiscal, mesmo que eventuais redirecionamentos tenham se dado dentro do prazo contado da prática do ato inequívoco que viabiliza a responsabilização do terceiro, como somente aquela tem por efeito a extinção do crédito tributário, não caberá mais cogitar do prosseguimento da cobrança em face destes, uma vez que a responsabilidade patrimonial desses terceiros somente se legitima enquanto não extinta a obrigação tributária principal, da qual ela decorre.

E assim, podemos arrematar o presente artigo com os efeitos práticos desta distinção: se o terceiro é responsabilizado e efetua o pagamento, espontâneo ou não, do crédito tributário e depois identifica que ocorrera prescrição do direito de redirecionamento, pode pedir a restituição do indébito tributário Na mesma situação, havendo o redirecionamento, se o pagamento, nas mesmas condições, foi feito pelo devedor originário, não haverá de cogitar em direito à restituição, uma vez que não haverá indébito tributário.

De outro lado, caso o pagamento tenha sido promovido pelo obrigado originário ou pelo responsável e depois se verifique que o crédito estava prescrito em face daquele, aí sim caberá o pedido de restituição por quaisquer deles que tiver adimplido o crédito tributário.

Assim é, porque a prescrição do redirecionamento da execução fiscal atinge apenas a pretensão de responsabilização patrimonial do terceiro, sem qualquer efeito em relação à obrigação tributária. Apenas a prescrição em face do devedor originário atinge tanto a pretensão de sua responsabilização patrimonial, quanto o crédito do fisco, fazendo desaparecer o seu direito subjetivo e justificando, no caso de pagamento, o direito à restituição.

________________

[1]Disponível em <https://www.conjur.com.br/2023-out-22/processo-tributario-redirecionamento-execucao-fiscal-revisao-lancamento/> acesso em 20/05/2024.

[2] Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

(…)

V – a prescrição e a decadência.

[3] Tema Repetitivo 444: Questiona a prescrição para o redirecionamento da Execução Fiscal, no prazo de cinco anos, contados da citação da pessoa jurídica.

Tese Firmada: (i) o prazo de redirecionamento da Execução Fiscal, fixado em cinco anos, contado da diligência de citação da pessoa jurídica, é aplicável quando o referido ato ilícito, previsto no art. 135, III, do CTN, for precedente a esse ato processual;
(ii) a citação positiva do sujeito passivo devedor original da obrigação tributária, por si só, não provoca o início do prazo prescricional quando o ato de dissolução irregular for a ela subsequente, uma vez que, em tal circunstância, inexistirá, na aludida data (da citação), pretensão contra os sócios-gerentes (conforme decidido no REsp 1.101.728/SP, no rito do art. 543-C do CPC/1973, o mero inadimplemento da exação não configura ilícito atribuível aos sujeitos de direito descritos no art. 135 do CTN). O termo inicial do prazo prescricional para a cobrança do crédito dos sócios-gerentes infratores, nesse contexto, é a data da prática de ato inequívoco indicador do intuito de inviabilizar a satisfação do crédito tributário já em curso de cobrança executiva promovida contra a empresa contribuinte, a ser demonstrado pelo Fisco, nos termos do art. 593 do CPC/1973 (art. 792 do novo CPC – fraude à execução), combinado com o art. 185 do CTN (presunção de fraude contra a Fazenda Pública); e,
(iii) em qualquer hipótese, a decretação da prescrição para o redirecionamento impõe seja demonstrada a inércia da Fazenda Pública, no lustro que se seguiu à citação da empresa originalmente devedora (REsp 1.222.444/RS) ou ao ato inequívoco mencionado no item anterior (respectivamente, nos casos de dissolução irregular precedente ou superveniente à citação da empresa), cabendo às instâncias ordinárias o exame dos fatos e provas atinentes à demonstração da prática de atos concretos na direção da cobrança do crédito tributário no decurso do prazo prescricional. – recurso especial afetado nº 1.201.993/SP.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito pela PUC-SP, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e em Direito do Estado pela ESPGE-SP, professor de Direito Tributário e Processo Tributário no Ibet-SP e na ESPGE-SP, procurador do estado de São Paulo e pesquisador do Grupo de Estudos em Processo Tributário Analítico do Ibet-SP.

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