Como votam os ministros

Supremo indeferiu 92% dos Habeas Corpus ajuizados no ano passado

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24 de maio de 2024, 8h25

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil  2024, lançado nesta quarta-feira (22/5). A versão digital é gratuita, acesse pelo site do Anuário da Justiça (clique aqui para ler). A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui).

18ª edição do Anuário da Justiça Brasil

Descentralização e autonomia dos entes federativos no Direito Administrativo, proteção a grupos que sofrem com atuação policial, respeito a decisões do Tribunal Superior Eleitoral, favorecimento ao Fisco e maior liberdade de contratação pelo empregador. Essas foram as posturas adotadas pelo STF no julgamento de causas relevantes nas diversas áreas do Direito ao longo de 2023.

No campo do Direito Administrativo, a corte julgou temas diversos e, até por isso, não há uma tendência clara do Plenário para um lado, mostrando equilíbrio nas decisões, seja a favor da Administração ou do cidadão. De um total de 54 decisões analisadas, os assuntos mais julgados dizem respeito a benefícios pleiteados por servidores públicos, concursos públicos e atos que envolvem a criação, extinção e reestruturação de órgãos ou cargos públicos.

Houve decisões que fortaleceram as autonomias regionais, respeitando peculiaridades de estados e municípios na hora de legislar, contribuindo para o equilíbrio federativo. Isso ficou bem claro no acórdão da ADI 2.820, em que, entre outros pontos, validou dispositivo da Constituição do Espírito Santo que diz que cabe à Procuradoria-Geral da Assembleia Legislativa a representação judicial e extrajudicial do Poder Legislativo. Para os ministros a regra, por si só, não afronta a Constituição. Dando limites, disseram que a atuação da Procuradoria se limita aos casos em que o Legislativo, em nome próprio, defende sua autonomia e independência frente aos demais poderes.

Também nas ADPFs 971, 987 e 992, de São Paulo, em que se entendeu constitucional lei municipal que, ao regulamentar apenas o seu interesse local, sem criar novas figuras ou institutos de licitação ou contratação, estabelece diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria entre o município e a iniciativa privada.

Nos dois acórdãos que enfrentaram possíveis inconstitucionalidades da nova Lei de Improbidade Administrativa (ADI 4.295/DF e ARE 1.175.650/ PR, Tema 1.043 RG), o Plenário deu força à persecução do Estado. Entendeu que são constitucionais os dispositivos que ampliam o conceito de agente público, impõem obrigações quanto às informações patrimoniais para posse e exercício do cargo, bem como preveem sanções e o acompanhamento dos respectivos procedimentos administrativos pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas. Também disseram ser possível usar a colaboração premiada na ação de improbidade.

Em ações que diziam respeito a atos do governo Bolsonaro, viu-se alinhamento dos ministros André Mendonça e Nunes Marques, indicados pelo ex-presidente da República. Exemplo é a ADC 85, em que a maioria não viu excessos de ato do presidente Lula que visa a promoção de uma política rigorosa de controle da circulação de armas de fogo, concebida como dever do Estado brasileiro e genuína “condição de possibilidade da vida comum em democracia”.

No julgamento do referendo da liminar, Nunes Marques fez uma longa defesa do direito da população civil poder se armar: “Não vejo como retirar do cidadão a capacidade de autodefesa consistente na garantia da aquisição e posse de arma de fogo para esse fim.”

Em mais de 11 mil pedidos de Habeas Corpus julgados pelo STF em 2023, apenas 8% (875 casos) foram atendidos. Gilmar Mendes, André Mendonça, Dias Toffoli e Edson Fachin foram os ministros que mais concederam a ordem; Roberto Barroso, Luiz Fux e Cristiano Zanin foram os que mais negaram.

Vale ressaltar que as concessões são baixas porque a maioria dos pedidos de HC que são distribuídos aos ministros não chegam a ser julgados no mérito, sendo-lhes negado seguimento por diversos motivos de ordem processual. A maior parte das negativas tem como fundamentação a supressão de instância, HC como substitutivo de recurso ordinário e, ainda, HC contra decisões do relator ou que envolvem a análise de matéria fática e probatória, incabível por esta via.

O Plenário fixou teses em maior parte desfavoráveis aos réus. Foram 11 de 19 casos que trataram de Direito Penal e Direito Processual Penal. Gilmar Mendes e Dias Toffoli são considerados os mais garantistas no debate de teses, embora Toffoli seja rigoroso na apreciação de HC. O ministro Edson Fachin, embora tenha se inclinado mais a teses da acusa-ção em 2023, também tem histórico garantista, com votos muito importantes na área de segurança pública protegendo camadas vulneráveis. Na ADI 7.267, por exemplo, foi de Fachin o voto que conduziu o Supremo a decidir que o juiz não pode, sem pedido da vítima, marcar audiência para que ela desista de processar o agressor nos crimes de violência contra mulher em que a ação penal seja condicionada à sua manifestação (lesão corporal leve ou culposa).

Fachin também votou a favor de anular provas obtidas por abordagem policial motivada por perfilamento racial – quando há suspeita e abordagem de uma pessoa só com base em desconfiança fundada em etnia e cor de pele. Durante a sessão, declarou que “não há crime e nem pode haver castigo pela cor de pele” e reforçou que o Poder Judiciário ainda não mostrou ter desativado a “rede de estereótipos” que atribui a pessoas negras sentidos sociais negativos, com o objetivo de legitimar violências contra essa população. Já no Tema 1.041, de repercussão geral, de sua relatoria, entendeu válida a abertura de encomenda postada nos Correios por funcionários da empresa, desde que haja indícios fundamentados da prática de atividade ilícita.

Em sentido desfavorável à defesa, os ministros entenderam, de forma unânime, no ARE 848.107/DF (Tema 788 RG), de relatoria de Dias Toffoli, que o prazo para a prescrição da execução da pena concretamente aplicada somente começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado para ambas as partes. No julgamento da ADPF 779, também relatada por Dias Toffoli, o Plenário referendou medida liminar concedida em 2021, e declarou por unanimidade a inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra nos crimes de feminicídio.

Na ADI 5.315/DF, por sete votos a quatro, venceu a proposta do presidente, Roberto Barroso, de ser constitucional o estabelecimento, por resolução do CNMP, de cautelas procedimentais para proteção de dados sigilosos e garantia da efetividade dos elementos de prova colhidos via interceptação telefônica. Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin ficaram vencidos.

Nunes Marques e André Mendonça também saíram com tendência mais favorável à defesa. Em um dos casos, votaram para que os investigados do 8 de janeiro não fossem julgados pelo STF. Ficaram isolados. Nas ADPFs 964, 965, 966 e 967, também foram os únicos a validar o decreto presidencial assinado por Bolsonaro que concedeu graça a Daniel Silveira, condenado pela corte. A maioria entendeu que o instituto da graça não pode ser usado com fim pessoal.

Em julgamento que durou oito sessões, os ministros foram a favor da constitucionalidade do juiz de garantias. Apenas Luiz Fux, o relator, entendeu de outra forma.

O ano de 2023 no cenário jurídico-eleitoral brasileiro foi marcado por decisões significativas, refletindo um período de intenso debate democrático e judicial. As decisões do TSE referentes ao processo eleitoral têm sido referendadas pelo Supremo, com registros de quase nenhuma divergência. Os ministros mais favoráveis aos candidatos foram Rosa Weber (aposentada), Dias Toffoli e André Mendonça. Na ADPF 969/AL, os ministros confirmaram que os Estados têm autonomia na solução normativa do problema da dupla vacância da chefia do Poder Executivo. Nas ADIs 4.513, 4.542 e ADPF 223, importante julgamento confirmou que nas eleições proporcionais devem ser computados como válidos para os partidos políticos os votos dados aos candidatos sub judice.

Os ministros confirmaram, na ADI 7.261/DF, ser constitucional a resolução do TSE editada com a finalidade de coibir, no período de eleições, a propagação de notícias falsas por mídias virtuais e da internet. Somente o ministro André Mendonça foi contra. Decisão fundamental para que as campanhas não ficassem contaminadas por fake news.

O STF rejeitou, na ADI 6.338, a interpretação do artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997, que permitiria aliviar as consequências de fraudes à cota de gênero em candidaturas. A decisão manteve as sanções severas para os envolvidos em fraudes, incluindo a cassação de registro ou diploma de candidatos que se beneficiassem dessas práticas. Em agosto, na ADO 38, o STF declarou a mora legislativa do Congresso na revisão periódica do número de deputados federais, conforme exigido pelo parágrafo 1º do artigo 45 da Constituição. O STF estipulou o prazo de até 30 de junho de 2025 para a correção dessa omissão.

O Plenário mostrou equilíbrio nas decisões no campo do Direito Processual Civil, tendo definido importantes pontos em 2023. De nove casos analisados, houve divergência registrada em apenas dois. Prevaleceram posições mais legalistas, ou seja, conforme o texto da lei. Os ministros Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin procuraram fazer mais interpretações do espírito do texto do que em sua estrita literalidade.

No RE 1.355.208/SC (Tema 1.184 RG), de relatoria da ministra Cármen Lúcia, definiu-se que o juiz pode extinguir ação de execução fiscal cujo valor seja baixo, quando verificar a falta de interesse de agir. Essa decisão abre caminho para que o Judiciário faça um pente-fino e diminua o estoque de ações de execução fiscal que entopem as varas do país sem qualquer chance de sucesso.

Na ADI 5.953/DF, os ministros riscaram o inciso VIII do artigo 144 do Código de Processo Civil (CPC/2015), que estabelece que o magistrado está impedido de atuar nos processos em que a parte seja cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo ou afim. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, relator original, Cármen Lúcia, Rosa Weber (aposentada) e Roberto Barroso. No RE 586.068/PR (Tema 100 RG), que há muito tempo estava parado no Supremo, os ministros entenderam que as decisões definitivas de Juizados Especiais podem ser invalidadas quando se fundamentarem em norma, aplicação ou interpretação jurídicas declaradas inconstitucionais pelo Plenário do STF, cabendo impugnação pela parte interessada, mas não por ação rescisória.

Em meio a milhares de processos tributários analisados e julgados em 2023, alguns temas ganharam destaque no cenário nacional e, principalmente, no bolso dos contribuintes. Considerando apenas as repercussões gerais no STF, os contribuintes conseguiram vencer só quatro de 14 julgamentos feitos.

O Plenário analisou, no RE 949.297 e no RE 955.227, em âmbito de repercussão geral (Temas 881 e 885, respectivamente), a questão a respeito dos limites da “coisa julgada” formada nas relações tributárias de trato continuado ainda em fevereiro, quando considerou que uma decisão definitiva sobre tributos recolhidos de forma continuada perde seus efeitos caso a corte se pronuncie em sentido contrário. O caso voltou à pauta do STF no dia 16/11/2023, para fins de modulação de seus efeitos.

O Supremo terminou o ano esclarecendo uma importante dúvida dos contribuintes: a partir de que data a Difal de ICMS poderá ser cobrada pelos Estados? A Difal é a diferença de alíquota do ICMS entre o que é cobrado no estado de origem e o estado de destino da mercadoria. A resposta foi dada no final de novembro: por seis votos a cinco, decidiu que a cobrança poderá ser feita a partir de 5/4/2022, em obediência à anterioridade nonagesimal, conforme previsto na Constituição (art. 150, III, c). A decisão veio em caminho contrário às expectativas dos contribuintes, que esperavam a aplicação da anterioridade anual, em que a cobrança só pode ser feita no exercício seguinte ao da edição da lei, ou seja, a partir de 2023.

O STF também encerrou uma discussão de interesse dos bancos. Validou a incidência de PIS e Cofins sobre receitas financeiras de instituições financeiras (RE 609.096). Em conjunto, foi julgada a cobrança das contribuições sociais sobre valores de prêmios de seguros (RE 400.479), com decisão favorável à tributação.

O ano de 2023 terminou com a solução de diversas questões trabalhistas importantes pela Suprema Corte, que tem assumido um viés mais favorável à livre iniciativa e mais distante das amarras da CLT, sobretudo a enxurrada de reclamações constitucionais decorrentes dos entendimentos fixados. Ao julgar o agravo em Recurso Extraordinário 1.018.459 (Tema de Repercussão Geral 935), o STF alterou o seu posicionamento, passando a autorizar o desconto de contribuição assistencial dos empregados não sindicalizados, desde que seja garantido o direito de oposição, ou seja, de manifestarem a vontade de não querer pagar.

Uma decisão favorável aos trabalhadores se deu no julgamento da ADI 5.322, por meio da qual houve a declaração de inconstitucionalidade de alguns artigos da CLT que tratavam dos motoristas profissionais. O Supremo entendeu que os dispositivos declarados inconstitucionais eram prejudiciais aos empregados, violando direitos garantidos constitucionalmente. Como exemplo, o antigo tempo de espera, que era excluído da jornada de trabalho.

Na ADI 5.994/DF, entenderam ser constitucional norma da reforma trabalhista que permite, por meio de acordo individual escrito entre o empregador e o trabalhador, a adoção da jornada de 12 horas de trabalho seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso, muito comum a porteiros e seguranças.

No ano de 2023, o Supremo apontou um direcionamento em relação ao seu entendimento quanto aos casos de terceirização, pejotização e o não vínculo de emprego de motoristas de aplicativo. Houve análise de diversas reclamações constitucionais ajuizadas para romper a resistência de parte da Justiça do Trabalho, que tem visto as relações como de vínculo trabalhista. Os ministros da corte analisaram diversos casos concretos, derrubando as decisões trabalhistas na maior parte deles.

No entanto, em abril de 2024, o ministro Edson Fachin deu um sinal de que a corte precisa refletir melhor sobre o assunto. Negando seguimento a uma reclamação (RCL 60.620), ele sustentou que o Tema 725 de repercussão geral do Supremo não analisou fenômenos como a “pejotização” e o trabalho intermediado por aplicativos. “Se a decisão reclamada ainda comportar reforma por via de recurso a algum tribunal, inclusive a tribunal superior, não se permitirá acesso à Suprema Corte por via de reclamação”, disse o ministro. Fachin diz que, em casos de reconhecimento de fraude, não cabe reclamação: “A discussão do caso versava sobre fraude trabalhista por meio de ‘pejotização’, e não sobre terceirização”, afirmou o ministro.

Assista ao lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2024:

ANUÁRIO DA JUSTIÇA BRASIL 2024
18ª Edição
ISSN: 2179981-4
Número de páginas: 276
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur
Versão digital: disponível gratuitamente, a partir de 22 de maio 2024, no app “Anuário da Justiça” ou pelo site anuario.conjur.com.br

Anuário da Justiça Brasil 2024 contou com o apoio da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP.

Anunciaram nesta edição do Anuário da Justiça Brasil:

Abdala Advogados
Advocacia Fernanda Hernandez
Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados
Basilio Advogados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Cançado e Barreto Advocacia S/S
Cecilia Mello Sociedade de Advogados
Cesa — Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Corrêa da Veiga Advogados
Costa & Marinho Advogados
Cury & Cury Sociedade de Advogados
Décio Freire Advogados
Dias de Souza Advogados
DMJUS
D’Urso & Borges Advogados Associados
FAAP
Feldens Advogados
Fidalgo Advogados
Fontes Tarso Ribeiro Advogados Associados
Fux Advogados
Gomes Coelho & Bordin Sociedades de Advogados
Hasson Sayeg, Novaes e Venturole Advogados
JBS S.A.
Justino de Oliveira Advogados
Laspro Advogados Associados
Leite, Tosto e Barros Advogados
Lollato, Lopes, Rangel, Ribeiro Advogados
Machado Meyer Advogados
Marcus Vinicius Furtado Coêlho Advocacia
Mauler Advogados
Mendes, Nagib e Luciano Fuck Advogados
Milaré Advogados
Moraes Pitombo Advogados
Multiplan
Nelio Machado Advogados
Nery Sociedade de Advogados
Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados
Ordem dos Advogados do Brasil — São Paulo
Original 123 Assessoria de Imprensa
Pardo Advogados Associados
Prevent Senior
Sergio Bermudes Advogados
Tavares & Krasovic Advogados
Tojal Renault Advogados
Warde Advogados

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